Mais uma tentativa promessas se renovam, mas poluição ainda desafia

O Globo, Rio, p. 18 - 28/08/2014
Mais uma tentativa promessas se renovam, mas poluição ainda desafia
Novos projetos, que somam R$ 1,7 bi, só vão tratar parte do esgoto lançado na Baía de Guanabara

EMANUEL ALENCAR
emanuel.alencar@oglobo.com.br
SELMA SCHMIDT
selma@oglobo.com.br

RIO - A traineira aporta em Paquetá. Um a um, os tripulantes desembarcam, resignados. O dia não rendeu bons estoques de sardinha, tainha ou robalo. Rafael Passos da Silva, de 22 anos, conta que as águas turvas da Baía de Guanabara frequentemente tornam inútil sair com o barco. Períodos de bonança têm sido cada vez mais raros, ele afirma, e a poluição é a principal vilã. Rafael precisará ter mais paciência para ver o mar, enfim, numa situação melhor. Com as falhas do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), autoridades renovam promessas, cifras e índices de saneamento.
Somados, os projetos sucessores do PDBG somam R$ 1,77 bilhão e prometem ampliar o percentual de esgoto tratado no entorno da baía - passando dos atuais seis mil litros por segundo para cerca de nove mil - até março de 2017. Num cálculo otimista, o Rio terá aplicado, ao longo de 23 anos, R$ 4,5 bilhões em saneamento da baía, mas mesmo assim estará longe de atingir a metade do programa. Com os novos investimentos, o estado só conseguirá tratar 80% do que constava no planejamento de 1994.
"Filho" do PDBG, o Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é a principal aposta do governo do estado para recuperar o tempo desperdiçado. Está prevista a construção de uma rede de esgotamento sanitário em Alcântara (São Gonçalo) - as obras devem começar em setembro - e de um tronco coletor na Cidade Nova, no Rio, para mandar os dejetos gerados por seis barros à estação Alegria, no Caju. Também está no horizonte o término dos tubulações da estação Pavuna, em Vigário Geral.
Mesmo com as duas estações de São Gonçalo em funcionamento - a promessa é de reinaugurar a unidade vizinha ao piscinão em 90 dias -, o saneamento do município não estará solucionado.
- São Gonçalo foi seccionado em cinco bacias. O projeto do PDBG abrangia apenas uma delas, a do Rio Imboaçu, que corta o Centro da cidade, onde vivem cerca de 300 mil pessoas - recorda o engenheiro Francisco Filardi, executivo do PDBG entre 1995 e 1998.
Resolver definitivamente o passivo da poluição na baía parece realidade distante. A engenheira química Dora Negreiros, presidente do Instituto Baía de Guanabara, lamenta o tempo perdido:
- Não há mistério: tem que fazer tratamento de esgoto e acabar com a instalação de unidades de tratamento na foz de rios. É jogar dinheiro fora.
MARINA TERÁ QUE PASSAR POR NOVA OBRA
Filardi cita o exemplo da Marina da Glória, que recebeu uma obra de arco de cintura. Segundo ele, sobraram US$ 50 milhões do empréstimo do BID.
- Lá atrás, o banco aceitou que usássemos uma parte dessa verba em três projetos. Um deles foi a construção de um arco de cintura da Marina da Glória ao Aeroporto Santos Dumont, para captar esgoto do Centro - contou.
Mas uma nova obra será feita na região por causa do lançamento de esgoto. Há 15 dias, a situação constrangeu delegações internacionais de vela durante o primeiro evento-teste das Olimpíadas.
O presidente da Cedae, Wagner Victer, confirma que um novo projeto, no valor de R$ 14,8 milhões (recursos estaduais), visa a construir uma galeria e uma elevatória na Rua do Russel para bombear o esgoto para o emissário de Ipanema.
O caso não é isolado. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há 20 obras que estavam no PDBG, não saíram do papel e acabaram na lista do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Divididas em dez contratos, elas somam R$ 310 milhões e estão sendo tocadas pela Secretaria estadual de Obras. Só para botar a antiga estação de São Gonçalo em operação e melhorar a rede de água do município, o PAC destinou R$ 122 milhões. Outros R$ 58 milhões são para implantar redes de água em Nova Iguaçu, não executadas pelo PDBG.
Mas há ainda o "complemento do complemento". Há obras do PDBG incluídas no PAC que não foram executadas de uma vez só. A Secretaria de Obras diz que fará nova licitação para a complementação da reforma e adaptação da Estação de Tratamento de Água do Guandu, em Nova Iguaçu.


A vida que tenta resistir
População de botos cai de 400, nos anos 80, para 40. Produção de peixe e de camarão também diminui

Com o corpo em formato de torpedo e nado ágil, eles lutam para não se tornar apenas uma lembrança estampada no brasão da cidade do Rio. Na década de 80, pesquisas apontavam que eram 400 os botos-cinza (Sotalia fluviatilis) que habitavam as áreas internas da Baía de Guanabara. Quinze anos depois, uma queda de 83% na população - para 67 animais - acendia o definitivo sinal de alerta. Hoje, os botos - popularmente chamados de golfinhos - da baía não passam de 40, segundo o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua), da Uerj, e se concentram na APA de Guapimirim.
- Se nada for feito, em menos de 20 anos os botos da baía terão desaparecido - lamenta José Lailson Brito Junior, coordenador do Maqua, que usa fotos para identificar os mamíferos, que têm marcas naturais e únicas na nadadeira dorsal.
Pesquisador do projeto Hippocampus, com sede em Porto de Galinhas, em Pernambuco, há um ano e meio o biólogo Cesar Bernardo Ferreira mergulha na baía. E já avistou cerca de 300 cavalos-marinhos. Entusiasmado por achar os sensíveis animais, ele credita o feito à melhoria na qualidade da água. Uma observação com a qual o chefe do Departamento de Biologia Marinha da UFRJ, Marcelo Vianna, não concorda. Vianna lembra que sempre existiram cavalos-marinhos na baía. O que ocorreu, explica, foi a redução da população desses animais, que hoje se limitam às áreas menos degradadas.

Por cauda da poluição, diz Vianna, atualmente há um predomínio na baía de bagres e corvinas pequenos e de sardinhas boca-torta. Robalos, linguados, camarão-rosa e pescadas diminuíram:

- A pesca de linguado, por exemplo, está restrita ao canal central e à boca da baía (baixo estuário), onde há troca com a água do oceano na maré cheia. Mas a baía ainda apresenta riqueza de espécies de animais marinhos. São cerca de 230, incluindo arraias e alguns tubarões.

Pesca-se hoje cerca de 500 toneladas por mês na baía. Menos do que há 20 anos, lamenta Vianna, acrescentando que tanto a população de peixes como a de camarões vem diminuindo. Embora ressalve que as metodologias de contagem não sejam as mesmas, os números da produção sinalizam redução da quantidade de camarões: o volume pescado, que chegou a 379 toneladas em 1957, caiu para 88, em 2001, 68, em 2002, e 36 toneladas, em 2009.
PESCADOR: PROFISSÃO EM EXTINÇÃO NA BAÍA
Com a experiência de quem vai para o mar desde os 9 anos, o pescador Sérgio Santos, de Tubiacanga, confirma os dados da universidade:

- No passado, valia a pena um pai ensinar os filhos a pescar. Hoje, pescador é uma profissão em extinção na baía. Cheguei a pescar 50, 60 quilos de camarão por noite, há 15, 20 anos. Atualmente, pesco de três a cinco quilos. E o caranguejo está sumido do manguezal.

Apesar do ambiente adverso, as aves também resistem. A bióloga Ana Beatriz Aroeira Soares, colaboradora do Laboratório de Ornitologia da UFRJ, conta que mais de 200 espécies são vistas na baía. Algumas delas acompanham barcos de pesca, como atobás, gaivotas e trinta-réis

Em censos, realizados entre 2005 e 2007 através de sobrevoos, a equipe de aves insulares observou que o biguá, a garça-branca-grande, a garça-vaqueira e o migrante maçarico-de-perna-amarela eram as aves mais abundantes. Dentre as 15 espécies ameaçadas de extinção que costumavam ser vistas na baía, dez foram observadas no estudo. Entre elas, a marreca-caneleira, o colhereiro e o trinta-réis-real.

O Globo, 28/08/2014, Rio, p. 18

http://oglobo.globo.com/rio/novos-projetos-que-somam-17-bilhao-so-vao-tratar-parte-do-esgoto-lancado-na-baia-13751112

http://oglobo.globo.com/rio/botos-peixes-camaroes-resistem-poluicao-da-baia-mas-numero-de-especies-diminui-13751065
Recursos Hídricos:Poluição

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