Mandioca: a base da alimentação do povo amazônico

www.museu-goeldi.br - 11/01/2010
Estudo mostra que a mandioca é a espécie mais cultivada nos roçados da região nordeste do Pará e imprescindível para a população

A mandioca é a base da alimentação da população amazônica, tanto na cidade como no interior. É difícil você ir em uma casa onde não tem farinha, como complemento alimentar. Nas famílias pobres, principalmente do interior, é a base do 'chibé", ressalta o pesquisador do Museu Goeldi Jorge Oliveira, se referindo à mistura de água e farinha que chega a ser a principal refeição do dia em comunidades de baixa renda.

Um estudo desenvolvido no Goeldi focou investigação em uma comunidade, a de Vila da Penha, localizada no município de Maracanã, na microrregião do Salgado, no nordeste do Pará, e concluiu que a mandioca é a espécie que ocupa a maior área de cultivo da região.

A pesquisa se concentrou nos roçados, unidades onde se desenvolvem atividades de agricultura e se constituem em sistemas de subsistências e de produção. Agricultores estabelecem seus roçados em áreas de vegetação secundária numa atividade primordialmente familiar, mas que também pode contar com mão-de-obra contratada como diarista.

O objetivo da pesquisa, desenvolvida por Denize de Oliveira Rosário, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Sob a orientação do pesquisador Jorge Oliveira, intitulada "Levantamento das espécies vegetais cultivadas em roçados na comunidade de Vila da Penha - Maracanã/PA", foi identificar as plantas cultivadas e os modos (técnicas) de cultivo nos roçados da região do nordeste paraense para fazer a posterior comparação com as demais regiões do estado.

"A mandioca é a espécie mais importante cultivada nos roçados (de Vila da Penha) e tem papel preponderante na sócio-economia local, através da venda dos diversos produtos derivados", lembra Denize. A goma, o tucupi, a farinha e o beiju são alguns desses produtos que puderam ser observados na Vila, assim como em outras localidades. "Em Caxiuanã, no município de Melgaço (onde o Museu mantém a Estação Científica Ferreira Penna), por exemplo, as espécies verificadas foram quase as mesmas. Então, pode-se ver que a nossa região tem quase a mesma base de cultivo: mandioca (Manihot esculenta Kantz.- Euphorbiaceae), macaxeira (Manihot aypim Kantz. - Euphorbiaceae) e milho (Zea mays L. - Poaceae)", diz Jorge. Veja os termos no Glossário abaixo.

O comércio e sustento - O excedente da produção desses produtos é comercializado na comunidade e vizinhanças. O comércio é pequeno, sendo incrementado em feriados prolongados quando turistas chegam à comunidade, que se localiza próxima à Praia de Marieta, no município de Salinópolis. A rotina dos agricultores não sofre grande alteração em virtude do aumento da população: "Eles mantêm a produção normal, sendo que o excedente que é comercializado na própria comunidade já têm o comprador confirmado nesses períodos", conta o orientador.

Para o estudo, foram entrevistados cinco agricultores, donos de seus próprios roçados. Com área que varia de 250 a 2000 m2, o tamanho do roçado depende do número de pessoas da família e da situação financeira das mesmas. Os roçados podem garantir o sustento de famílias inteiras, e de acordo com Jorge, quem trabalha no roçado são, normalmente, os pais e os filhos mais novos. Os filhos mais velhos, com freqüência, já não moram mais em casa, pois vão estudar nas cidades próximas, e até em Belém.

Mandioca, arroz e feijão - A comunidade de Vila da Penha na Reserva Extrativista de Maracanã, guarda peculiaridades em relação a outras do seu gênero. É comum que com a chegada de tecnologias, os instrumentos tradicionais tanto de cultivo quanto de processamento sejam deixados de lado. É assim em diversas outras localidades do Pará, onde já se notam mudanças no cultivo, na utilização de implementos agrícolas e nos processos de produção. "As casas de farinha, por exemplo, estão sendo transferidas para os terreiros (quintais) das residências. Já no caso dos implementos agrícolas, nota-se uma gradativa substituição do tipiti (instrumento para extração do sumo da mandioca, o tucupi) pela prensa de madeira, e do ralador pela tarisca movida à tração humana ou a motores elétricos ou a gasolina", explica Denize. Mas em Vila da Penha, ainda é possível observar o uso da tarisca movida à tração humana e do tipiti, assim como ainda existem as casas de farinha afastadas das moradias. Confira o Glossário.

Alguns agricultores cultivam o arroz (Oriza sativa L. var. Subulata - Poaceae) juntamente com a mandioca, enquanto o feijão (Phaseolus vulgaris L. - Fabaceae), plantado no verão, ganha área diferenciada no roçado, pois precisa de adubação especial. "O feijão não é muito cultivado, o que pode ocorrer por não ser apreciado pela população, que tem facilidade em comprar o "feijão do sul" nos mercados próximos. Então, as pessoas não vêem necessidade de cultivar o que pode ser comprado", comenta Jorge Oliveira.

Subsistência e preservação

"É necessário saber e entender as informações sobre a alimentação na comunidade, porque, sendo a localidade uma área de reserva extrativista (resex), onde o sustento dos seus integrantes deve vir do extrativismo e, complementarmente, da agricultura de subsistência. É preciso saber o que existe no local, para, então, saber como utilizar isso de forma sustentável", argumenta Jorge, ao lembrar que os objetivos básicos de uma resex são proteger os meios de vida e a cultura das populações que nela residem e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Daí o objetivo da pesquisa de identificar as espécies cultivadas e as formas de cultivo na comunidade. Além disso, segundo o pesquisador, são poucos os dados sobre as espécies cultivadas nos roçados e os modos de processamento dos produtos na região, o que se provou até uma certa dificuldade no levantamento bibliográfico para a pesquisa. "Nós fomos, então, pela experiência, porque como isso já é de conhecimento comum, não há tanto interesse por parte de pesquisadores em desenvolver trabalhos de pesquisa nessa área. Mas é muito importante, e vai servir para futuras pesquisas sobre o solo e os cultivos na Amazônia".

E, para essa utilização futura, as espécies identificadas durante a pesquisa, que foram coletadas em novembro de 2008, foram submetidos ao processo usual de herborização - prensagem, secagem e preparação de exemplar botânico -, e depositados no Herbário do Museu Emílio Goeldi.

Pequeno glossário da Mandioca

Vila da Penha - Uma comunidade amazônica - A Vila da Penha está situada no município de Maracanã, no estado do Pará, e está inserido na Reserva Extrativista de Maracanã. A Resex possui mais de 19 mil hectares e abriga áreas como restinga, mata secundária (capoeira), várzea, igapó e manguezal, além de diversas espécies de animais. O acesso à comunidade é efetuado através de transporte terrestre e fluvial, e suas principais atividades econômicas são a agricultura familiar e a pesca artesanal. O sistema educacional é municipal, sendo constituído por uma escola de curso fundamental e médio e uma pré-escola. A Vila é servida por um posto médico, serviço de abastecimento de água domiciliar, mas não possui coleta de lixo ou rede de esgotos, assim como as ruas não possuem calçamento e nem asfalto.

Casa de Farinha - Local onde se processa a mandioca, e consiste em uma barraca coberta na sua maioria com palha de "inajá" (Maximiliana maripa (Corr. Serr.) Drude - Arecaceae), de chão batido, sem paredes, onde estão o forno e os demais utensílios necessários para o processamento da mandioca. Normalmente, localiza-se próximo aos roçados e cursos d'agua, porém, hoje pode estar localizada às proximidades das residências pela facilidade para se utilizar energia elétrica.

Forno - Um enorme tacho de latão, de formato retangular ou redondo, onde é torrada a mandioca para fazer os diversos tipos de farinha.

Farinha - É um dos principais produtos da mandioca, de uso muito difundido em todo o país e parte da dieta alimentar de muitos brasileiros. É alimento rico em carboidratos e fibras. Pode ser d'água, misturada, seca ou carimã, de coloração amarela ou branca; de acordo com o tamanho do grão, fina (para farofa), média ou grossa (para consumo direto na comida).

Tarisca ou Catitu - Uma peça em madeira de forma cilíndrica ornada com serrilhas de aço no sentido longitudinal, utilizado para ralar (cevar) a mandioca.

Beiju ou Biju - Alimento originalmente produzido por indígenas, é um sub-produto do processamento da mandioca. Feito da mandioca ralada - sua parte mais fina é torrada e consumida como acompanhamento.

Tipiti - Objeto de forma cilíndrica, alongada, confeccionado com talas de guarumã (Ischnosiphon arouma (Aubl.) Koern. - Marantaceae) ou jacitara (Desmoncus orthacanthus Mart. - Arecaceae) entrelaçadas, dotado de elasticidade, usado para espremer a massa da mandioca, para a retirada do tucupi.

Tucupi - Sumo extraído da mandioca, de coloração amarelo intenso, é obtido da massa da mandioca que foi descascada,ralada e espremida (tradicionalmente usando-se um tipiti - confira verbete). Depois de extraído, o sumo "descansa" para que a goma (amido) se separe do líquido (tucupi), processo esse conhecido como decantação. Inicialmente venenoso devido à presença do ácido cianídrico, o líquido é fervido para garantir que à alta temperatura o veneno seja eliminado. Só então é usado nas famosas iguarias paraenses como o tacacá, o pato no tucupi e o molho de pimenta.

Goma - É o amido fino e branco, resultado da decantação do tucupi, após a mandioca ralada e exprimida. Com a goma são produzidos a tapioquinha, iguaria feita em pequena frigideira aquecida que se transforma em um tipo de panqueca em cuja superfície se passa manteiga ou é recheada com côco, queijo e doces diversos, como feito na culinária urbana da atualidade. Outras iguarias são o tacacá (mistura de tucupi, jambú e camarões secos) e a farinha de tapioca, constituída por grãos brancos, crocantes que se prestam à preparação de bolos, pudins, doces e salgados os mais diversos, bem como pode ser consumida como um cereal no café e no leite.
Agricultura

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