Natureza vulnerável

CB, Ciência, p. 30 - 23/01/2010
Natureza vulnerável
Resultados de um estudo de duas décadas feito pela Embrapa na Reserva do Tamanduá são reunidos em livro, mostrando a importância de se preservar a área. Pesquisadores alertam que a mata, fundamental para a preservação de cursos d\'água, está desprotegida

Silva Pacheco

Em 2010, declarado pelas Nações Unidas como o ano internacional da biodiversidade, o cerrado ainda é percebido no Brasil como um bioma de menor importância, que perde cada vez mais espaço para a produção de grãos e a criação de gado. Em total desacordo com as informações científicas - que apontam sua enorme variedade de espécies -, a vegetação típica do CentroOeste continua em ritmo crescente de devastação.

Entre os vários esforços científicos que procuram preservar o cerrado, destaca-se o trabalho feito por pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, órgão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, na Reserva do Tamanduá, área de mata de galeria ao redor do Riacho Tamanduá, próximo ao Gama. Acompanhando o desenvolvimento da vegetação encontrada no local desde 1984, os pesquisadores identificaram várias espécies de árvores ameaçadas pelo interesse econômico.

"Há pelo menos 18 espécies bastante visadas pelo homem na área", conta Antonieta Salomão, pesquisadora que participa do estudo, cujos resultados foram compilados no livro Reserva Genética Florestal Tamanduá, editado pela própria Embrapa.

Nos 20 anos de acompanhamento, os especialistas observaram também como a vegetação local tem se comportado. "Ela vem se mantendo, só não sabemos até quando", alerta Antonieta, editora técnica do livro ao lado de José Alves da Silva. De acordo com ela, a reserva é ameaçada pela forte pressão que a mata sofre em volta. Estradas, plantações de soja, criação de gado e pessoas morando nas proximidades são alguns dos fatores que comprometem a conservação do lugar.

Ainda segundo Antonieta, pessoas entram na reserva sem qualquer obstáculo e extraem o que querem. Isso porque a mata ainda não é reconhecida como uma área de preservação. Ali, não há cercas ou qualquer identificação de perímetro ambiental.

Recursos hídricos
A vulnerabilidade da reserva genética preocupa a especialista. "Qualquer alteração feita na vegetação traz uma série de consequências. O serviço que uma mata de galeria presta para a humanidade é inigualável", defende Antonieta. Estudos mostram que matas como a do Tamanduá são verdadeiras construtoras de recursos hídricos. "Quando essas áreas são desmatadas, o ciclo da água é rompido. A chuva não consegue infiltrar em grande profundidade e, assim, não abastece os lençóis freáticos. Sem elas, corremos o risco de ficarmos sem água", explica Carmem Regina, engenheira florestal e diretora do Centro de Referência e Conservação da Natureza e Recuperação de Áreas Degradadas da Universidade de Brasília (UnB).

Por isso, Antonieta defende que todas as matas de galeria do Distrito Federal sejam transformadas em áreas de conservação.

"No entanto, não vejo nenhum órgão responsável tomar alguma providência", lamenta. Segundo o Código Ambiental Federal, Lei 4.771/65, todas as matas nativas - caso da Reserva do Tamanduá - são consideradas área de preservação permanente.

"A área de mata nativa do Riacho Tamanduá faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central. Portanto, a responsabilidade é do Instituto Chico Mendes (ICMBio, órgão ambiental federal), mas não deixa de ser, também, do GDF", afirma Grahal Benatti, que trabalha no ICMBio como chefe da APA do Planalto Central. Benatti explica que a falta de pessoal faz com que falte atenção às matas de galeria. "Temos um pequeno efetivo de fiscais. Por isso, só atendemos essas áreas quando chegam denúncias."

O mesmo ocorre com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), órgão federal de fiscalização ambiental. "Nessa área, é comum recebermos denúncias de desmatamento, plantações e retirada de árvores exóticas", relata Maurício Galdino, coordenador de educação ambiental.

O Correio entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal (Seduma), mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Para Carmem Regina, da UnB, o estudo desenvolvido pela Embrapa é fundamental para a criação de políticas de conservação ambiental de áreas de mata de galeria. "O estudo é mais um instrumento para embasar ações de políticas públicas de preservação e manejo dessas regiões." Outra questão levantada por Carmem é a diversidade genética levantada no estudo, pois em cada ambiente há espécies iguais, mas de características diferentes. "Manter diferentes matas é importante para manter essa diversidade genética em diferentes locais", diz a engenheira.


Pequena,mas fundamental

A mata próxima ao Riacho Tamanduá foi considerada reserva genética florestal devido à diversidade de espécies encontrada no lugar, o que promove uma variedade importante para a manutenção da vegetação. Ela tem 21,08 hectares (211 mil metros quadrados), e fica localizada próxima ao Gama, na BR 060 (rodovia que liga Brasília a Anápolis).

De acordo com a engenheira florestal Carmem Regina, trata-se de uma área de mata pequena, mas de suma importância, pois acompanha e protege o curso de água do Riacho Tamanduá.

"É dessas nascentes que se formam as bacias hidrográficas", pontua a especialista da UnB.

Formada por vegetação essencialmente florestal, a reserva do Tamanduá contém um grande número de espécies vegetais úteis para diversas finalidades (veja quadro). Algumas dessas espécies, como o jatobá, o jequitibá e a copaíba são alvos do extrativismo, pois oferecem retorno econômico imediato. A preservação do jatobá tem grande importância pela extrema capacidade que a árvore tem de fixação e sequestro de carbono da atmosfera. Já a copaíba é muito visada por suas propriedades medicinais. Porém, a falta de conhecimento do manejo compromete a espécie. "As pessoas perfuram o tronco para retirar o líquido que serve para fins medicinais.

Porém, aquele furo acaba virando foco de infecção, matando a árvore", esclarece conta Antonieta Salomão, pesquisadora da Embrapa.

CB, 23/01/2010, Ciência, p. 30
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