Nem com pajelanca

CB, Brasil, p.13 - 24/08/2005
Quando a Raposa Serra do Sol foi homologada, eu parabenizei o presidente Lula, que homologou, não por ser bonzinho, mas por causa da pressão popular. Mas agora estamos decepcionados, porque tudo está parado
Manoel Kasinawa, líder da Organização do s Povos Indígenas (Opi)

Nem com pajelança
Etnias pedem demarcação de 240 terras mas, até agora, governo só iniciou processo de regularização de uma área. Funai reconhece atraso e diz que a demora é resultado de sobrecarga de trabalho no órgão

Em abril passado, depois de desmontar as ocas improvisadas no gramado da Esplanada dos Ministérios, líderes indígenas de todas as regiões do país deixaram Brasília com a promessa de que 14 terras tradicionais teriam seus limites declarados pelo Ministério da Justiça. Até agora, eles esperam a regularização fundiária. Apenas o território Yvy Katu, no Mato Grosso do Sul, foi beneficiado com a primeira etapa do processo de demarcação. Outras 240 terras são reivindicadas pelos povos indígenas e 29 aguardam a decisão do governo sobre a declaração territorial. Durante o Abril Indígena, as etnias realizaram várias pajelanças – cerimônias de cura física e espiritual – , na Esplanada dos Ministérios. Queriam abrir a alma” do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para que ele se sensibilizasse para o tema.
Os índios estão injuriados”, resume o líder Manoel Kasinawa, da Organização dos Povos Indígenas (Opi), entidade que representa grupos do Acre, do sul da Amazônia e do noroeste de Rondônia. Quando a Raposa Serra do Sol foi homologada, eu parabenizei o presidente Lula, que homologou, não por ser bonzinho, mas por causa da pressão popular. Mas agora estamos decepcionados, porque tudo está parado”, reclama Kasinawa. Ele conta que, no Acre, a terra Arara do Alto Juruá é disputada por índios e sem-terra assentados pelo Incra. Os conflitos ainda não apareceram na região porque a Opi tem orientado os indígenas a não provocarem confusão. Se não fossem essas conversas, eles já tinham ido para cima e teriam acontecido conflitos”, acredita.
A calmaria, porém, é exceção. Levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, aponta que, somente no primeiro semestre deste ano, 23 índios foram assassinados. Em 2004, o total de homicídios foi 30 e, no ano anterior, 33. Dos índios mortos em 2005, três eram líderes e representavam os povos guajajara, do Maranhão; nhãndeva, do Mato Grosso do Sul, e truká, de Pernambuco.
Um território onde os conflitos são constantes é o do povo indígena pataxó hã-hã-hãe, no sul da Bahia. Desde 1982, os indígenas reclamam que sofrem violência de fazendeiros, que invadem suas terras, fazem ameaças e queimam as plantações. Em 2002, dois líderes hã-hã-hãe foram assassinados por pistoleiros. As mortes foram denunciadas ao Centro de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. O território pataxó tem 54 mil hectares, mas o governo quer reduzir para 36 mil. Culpo o governo e o Mércio (Pereira Gomes, presidente da Fundação Nacional do Índio – Funai) pelo que está acontecendo na região. Os fazendeiros pressionam o governo com uma política porca, que quer tirar a terra dos índios”, afirma Luís Titiah, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).
Excesso de trabalho
O Correio entrou em contato com a assessoria da Fundação Nacional do Índio (Funai), que mandou, por e-mail, uma carta assinada pela coordenadora-geral de Identificação e Delimitação (Ggid) do órgão, Nadja Havt Bindá. A CGID não tem sido pressionada por setores políticos locais, regionais ou nacionais. Da mesma forma, a presidência da Funai não tem condicionado os trabalhos da CGID em razão de pleitos políticos externos. A Coordenação se caracteriza por uma atuação técnica em que a questão política se impõe tão somente no campo da necessidade, presente em qualquer setor de órgão público, de estabelecer prioridades frente a muitas demandas em comparação com os recursos (materiais e humanos) disponíveis”, diz o texto.
A Funai reconhece que os relatórios organizados por grupos técnicos responsáveis por identificar as terras indígenas demoram para ser analisados devido a uma sobrecarga no órgão. Além disto, avaliou-se que alguns problemas recorrentes têm retardado muito o andamento dos procedimentos administrativos. Em 2003, vários processos parados no Ministério da Justiça voltaram à Funai por erros processuais”, afirma Nadja Havt Bindá. Ela também explica que o processo de identificação não pode conter nenhum tipo de erro para evitar que, depois de declarada, a terra seja contestada na Justiça.
Este ano, a Anistia Internacional divulgou um relatório sobre a situação dos índios brasileiros e acusou o presidente Lula de não cumprir as promessas de campanha. Apesar das promessas e do forte apoio dos povos indígenas do Brasil durante a campanha eleitoral, mais da metade da gestão se passou e ainda não há sinal de que o governo federal tenha desenvolvido uma estratégia coerente”, destacou o relatório.

Denuncia contra Funasa
A Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, em Tabatinga (AM), denunciou à Fundação Nacional do Índio (Funai) que um enfermeiro da Funasa está promovendo distúrbios na região, colocando índios de etnias diferentes em pé de guerra. O funcionário estaria transportando, em canoas, tracajarás (espécie de tartaruga), ovos do animal e couros de onça, para fora da aldeia dos kanamarys. O enfermeiro também teria se recusado a passar pela fiscalização da canoa na base de vigilância e atiçado brigas entre os marubos e os matis. O indigenista Paulo Oliveira, da Força Tarefa do Vale do Javari, solicitou proteção da Polícia Federal para o coordenador regional do Distrito Sanitário Especial Vale do Javari/Funasa, que estaria sob risco de vida por ter solicitado informações do inquérito a fim de investigar as irregularidades ocorridas no local.

Prazos são prorrogados
Alguns dos entraves para a regularização fundiária das reservas, segundo os índios, são a redução dos grupos técnicos (GT) de avaliação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a prorrogação dos prazos de entrega dos relatórios. No primeiro semestre deste ano, nenhum GT foi criado. Segundo o Cimi, 28 estudos de identificação realizados desde 2003 foram paralisados, e a prorrogação do prazo de entrega dos relatórios dos GTs é longa. Como exemplo, a organização não-governamental cita as terras Tapeba (CE), Tumbalalá (BA) e Karitiana (RO), que tiveram prazos prorrogados para 638 dias, 308 dias e 306 dias, respectivamente. Os relatórios, que identificam se as terras são ou não indígenas, são os primeiros documentos necessários para o início do processo de regularização das áreas.
A Funai informou que está lançando editais para as identificações e reconheceu o atraso de oito meses no processo. Fundamentalmente, este problema se deve a questões administrativas que envolvem as possibilidades e as alternativas de contratação de especialistas, já que o corpo técnico da coordenadoria geral de Identificação e Delimitação (Gcid), pouco numeroso, deve ser resguardado para melhor fundamentação, acompanhamento, análise e finalização dos procedimentos”, afirma a coordenadora do órgão.
Problema administrativo não é nosso, é deles. Eles que realizem concursos públicos e resolvam o problema de terem poucos funcionários”, critica Paulino Montejo, assessor da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab). Ele conta que, há três semanas, o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas tenta uma audiência com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mas até agora não recebeu resposta. É uma dificuldade enorme falar com o governo. Estamos cansados de tentar sentar com o governo para discutir nossos problemas”, lamenta.

CB, 24/08/2005, p. 13
Índios:Terras/Demarcação

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