Novo plano diretor ameaça conservação do Parque Nacional do Itatiaia, no RJ

OESP, Vida, p. A16 - 17/04/2013
Novo plano diretor ameaça conservação do Parque Nacional do Itatiaia, no RJ

FELIPE WERNECK / RIO

No momento em que a regularização fundiária do Parque Nacional do Itatiaia começa a sair do papel, a unidade de conservação está ameaçada por uma revisão do plano diretor do município, no sul fluminense. Criado em 1937 por Getúlio Vargas, o Itatiaia é o primeiro parque nacional do Brasil.
A minuta do plano propõe uma gestão compartilhada com a prefeitura e a criação de uma "área de especial interesse" no local que concentra as propriedades privadas dentro do parque, hoje irregulares por se tratar de uma unidade de proteção integral.
Dono de um hotel localizado nesse trecho, o prefeito de Itatiaia, Luiz Carlos Ferreira Bastos (PP), diz que está "propondo uma solução para uma área que é urbana". Segundo ele, o plano deve ser encaminhado no mês que vem para a Câmara Municipal, que ainda precisa aprová-lo.
Acionada pela direção do parque, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer que questiona a competência constitucional do município para criar regras quanto ao uso e a ocupação do solo em área federal.
O chefe do parque, Gustavo Tomzhinski, afirma que a mudança incluída no plano diretor é ilegal e vê a medida como uma estratégia dos moradores para continuar no local. "É uma proposta meramente política, sem validade jurídica." Se o plano for aprovado, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, vai contestá-lo na Justiça. O prefeito é dono do Hotel Ypê, que funciona desde 1970, onde mora com a família. A diária mais barata para casal custa R$ 330. Eleito com o nome Luiz Carlos Ypê, ele disse que está "tomando o cuidado" de não se "envolver muito" na discussão do plano e indicou o secretário municipal de Planejamento, Ruy Saldanha, para detalhar o projeto.
Conflito. Questionado sobre a hipótese de conflito de interesse pelo fato de o prefeito ser um dos eventuais beneficiados, o secretário afirmou que a proposta partiu da associação de moradores e declarou: "Pelo contrário. Em momento algum ele (o prefeito) se intrometeu. Hoje as pessoas brigam tanto pelo direito do homossexual e não brigam pelo direito de uma pessoa ter uma propriedade".
O chefe do parque diz que já foram encaminhados ofícios para a prefeitura questionando a proposta, mas o secretário afirma que a mudança "será mantida". Saldanha disse ter uma "visão municipalista" da questão. Segundo ele, a mudança no zoneamento teria "caráter transitório".
"À medida que forem desapropriando (as casas), ela será extinta. O que se quer é um reconhecimento dos que estão morando ali. São 195 propriedades. Eles pagam IPTU, têm luz, telefone, transporte público, coleta de lixo, todos os serviços urbanos. Até a prefeitura tem áreas lá dentro." Tomzhinski afirma que há cerca de cem imóveis, a maioria casas de veraneio. "Apenas 10% dos proprietários são pessoas que moram aqui, talvez nem isso."
O secretário afirma que as discordâncias com o órgão ambiental foram geradas por um "fato autoritário", referindo-se ao decreto que ampliou a área do parque, em 1982, de 11,9 mil para 30 mil hectares - segundo ele, "sem ouvir a população". A Associação dos Amigos do Itatiaia tenta anular a ampliação na Justiça.
Vice-presidente da entidade, Igold Knoch, de 78 anos, morador desde 1989, afirma que a luta é para que o núcleo de 1,3 mil hectares que concentra as propriedades seja reconhecido como bairro. "Juridicamente não existimos. Fomos incluídos indevidamente no perímetro do parque." Ele diz que teme receber um valor muito baixo e avalia em R$ 250 mil sua casa de três quartos e o terreno, de 1,2 mil metros quadrados. "O pessoal do parque é radical. Somos mais ecologistas que eles, cuidamos disso aqui."


Valor necessário para indenizações é controverso

A prefeitura de Itatiaia e o ICMBio discordam quanto ao valor necessário para indenizar todos os moradores. Para o secretário municipal de Planejamento, Ruy Saldanha, serão necessários, "no mínimo", de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões. Já o responsável pela regularização fundiária e ex-diretor do parque, Walter Behr, analista do ICMBio, estima que o valor fique entre R$ 30 milhões e R$ 50 milhões (sem incluir o gasto para recuperar as áreas danificadas).
Para Saldanha, o objetivo do ICMBio é desvalorizar as propriedades. "É quase um Estado nazi-fascista verde. Estão desrespeitando o direito de propriedade e o direito de ir e vir", afirmou.
Behr diz que o critério para avaliação dos terrenos e benfeitorias tem como base o valor de mercado. Segundo ele, a proibição da entrada de material de construção, questionada pelo secretário, foi uma medida para evitar ampliações e novas construções.
O processo de regularização fundiária só começou em 2009. Até agora foram compradas quatro propriedades, entre elas um sítio de 37 hectares que abriga a Cachoeira do Escorrega, em Visconde de Mauá, por R$ 1,1 milhão.
Mais quatro negociações estão fechadas, faltando apenas a assinatura do presidente do ICMBio para a escritura. Outras 14 foram iniciadas, diz Behr.
"Em mais de 70 anos, nada foi feito. Hoje, é realista a possibilidade de termos o passivo fundiário resolvido no prazo de 10 a 15 anos", diz Behr. "Começamos com a parte mais fácil." As negociações com donos dos três hotéis em funcionamento e de um desativado ainda não começaram. Dono do Hotel Ypê, o prefeito de Itatiaia disse que aceitaria um acordo para sair, caso seja oferecido um "valor justo". / F.W.

OESP, 17/04/2013, Vida, p. A16

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,novo-plano-diretor-ameaca-conservacao-do-parque-nacional-do-itatiaia-no-rj-,1021875,0.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,valor-necessario-para-indenizacoes-e-controverso-,1021871,0.htm
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