O governo faz PAC até debaixo d'água

OESP, Vida, p. A20 - 09/07/2008
O governo faz PAC até debaixo d'água

Marcos Sá Corrêa

Os brasileiros têm agora boa chance de ver o que ocorre debaixo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Promoveu-se a ministério a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. A notícia pode não ser suficiente para decorarmos o nome do ministro Altemir Gregolin, titular do cargo, mas é um convite irrecusável para olhar o PAC sob sua superfície.

Gregolin foi incumbido de duplicar a produção pesqueira do País, de olho no mercado externo alimentado pela gula de europeus e japoneses por frutos do mar. A pesca nacional é um negócio de R$ 3,2 bilhões por ano. Espera-se que renda R$ 5 bi ou R$ 6 bi até 2015. O projeto, como tudo na era do PAC, não é novidade. Ele boiava nos corredores de Brasília quatro anos atrás, quando o engenheiro Carlos Gabaglia Pena tentou advertir autoridades sobre o cansaço dos estoques pesqueiros, sobretudo das peças de resistência à exploração industrial, como sardinhas, atuns e meros.

A sardinha, apesar de o sobrenome dizer que ela é nossa - Sardinella brasiliensis -, já andava sumida da costa brasileira naquela época. Sua produção anual descera a 32 mil toneladas, uma queda e tanto desde o recorde de 1973, lembrava Gabaglia Pena, quando chegou a 228 mil toneladas. Ampliando a frota pesqueira, dizia ele, o Brasil corria o risco de reduzir a pesca.

O sinal de esgotamento dos cardumes era então evidente para o Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar, da Universidade do Vale do Itajaí, a mesma instituição que hoje monitora os índices de salinização do litoral catarinense. Eles estão aumentando depressa, e isso no mar é sintoma daquilo que, em terra, se chama desertificação.

Mas a pesquisa acadêmica não é o forte da nova geração de planejadores oficiais. O projeto pouco aproveitou o tempo que passou encalhado na burocracia para incorporar as precauções recomendadas por ambientalistas, e acabou saindo da gaveta agora que o mar não parece disposto a participar da convocação para essa marcha desenvolvimentista.

Nestes quatro anos, os diagnósticos desceram a detalhes nunca dantes navegados. Ficou pronto esta semana o censo dos biólogos Rodrigo Moura e Ronaldo Francini Filho no arquipélago dos Abrolhos, um parque nacional que cobre 900 km2 ao largo da Bahia e do Espírito Santo. O trabalho levou cinco anos, com mais de 500 mergulhos por ano, envolveu 15 pesquisadores e avaliou a vida submarina em 20 pontos do arquipélago. Concluiu que, assediado por pescadores como está, Abrolhos não cumpre como deveria seu papel de santuário para a recuperação da fauna marinha.

Isso, num País que tem no mar ainda menos unidades de conservação do que em terra, deveria soar como alarme. O Brasil não pode falar em aumentar a pesca sem pensar primeiro no que fará para ter mais peixe. Só pode fingir que uma coisa não tem nada a ver com a outra. A devastação da Amazônia, pelo menos, gera imagens dramáticas da floresta queimando. No mar, por maior que seja o estrago lá no fundo, por cima continua tudo azul.

É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 09/07/2008, Vida, p. A20
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