O Pará é aqui

O Globo, Rio, p. 14 - 24/02/2005
O Pará é aqui

O assassinato do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Júnior, na noite de anteontem, numa emboscada a 200 metros da entrada da Reserva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, incluiu o Rio no mapa dos conflitos ambientais do país, mais freqüentes na Amazônia. O tiro que matou Dionísio, conhecido como Seu Júlio, de 61 anos, segundo a polícia foi disparado com uma escopeta calibre 12, à queima-roupa e pelas costas, quando ele estava saindo de uma reunião na sede da Associação de Moradores do Tinguá. Ele vinha sendo ameaçado nos últimos meses por caçadores e extratores de palmito e areia da região. O crime aconteceu 11 dias depois do assassinato da missionária católica americana e ativista ambiental Dorothy Stang, de 73 anos, no município de Anapu (PA).

A ONG Justiça Global enviou no ano passado um relatório à Organização das Nações Unidas (ONU) com o nome de dois ambientalistas fluminenses que, como Dionísio, estavam marcados para morrer. Eles sofreram ameaças e pedem proteção. Os casos deverão constar de um relatório que a ONU produzirá em abril. A diretora de Pesquisa e Comunicação da Justiça Global, Sandra Carvalho, afirma que a situação do Rio é preocupante:

- Os crimes de pistolagem relacionados aos conflitos ambientais têm um vulto muito maior no Norte do país. Aqui, porque estamos num grande centro urbano, as ameaças são mais difíceis de se concretizar. Mas a situação no Rio também preocupa. O estado não está fora desse cenário - disse.

Colega de Dionísio também sofreu ameaça

As ameaças sofridas por Dionísio foram confirmadas pelo ambientalista e funcionário da Reserva Biológica do Tinguá Márcio Castro das Mercês, que trabalhava com a vítima há 30 anos. Ele disse que há muito tempo vem recebendo ameaças de morte porque, juntamente com Dionísio, combatia a ação de palmiteiros, grupos que fazem extração de areia para empreendimentos imobiliários e caçadores.

- Esses empreendedores imobiliários e palmiteiros se instalaram no local e comprometem a vida de uma região de preservação. Apesar das ameaças que também sofro, tenho a intenção de continuar com o trabalho de preservação, por amor à reserva - disse.

O chefe da Reserva do Tinguá, Luis Henrique dos Santos Teixeira, disse que Dionísio foi mesmo vítima de uma emboscada.

- Duas horas antes eu havia chegado à sede. Quando saía com outros funcionários, vimos a movimentação da polícia e paramos o carro para saber do que se tratava. Quando vi o corpo, de longe, eu percebi que era do companheiro Dionísio. Preservar a vida e o meio ambiente transformou-se numa atividade de risco - disse.

O pesquisador Gláucio Soares, especialista em estatística de violência no estado, atesta que o perfil dos crimes no Rio é outro: sete em cada dez assassinatos estão ligados ao tráfico de drogas. Gláucio Soares lembra, no entanto, que a estatística torna invisíveis outros tipos de crime, como aqueles ligados à questão ambiental. Esses crimes, segundo ele, são freqüentemente precedidos de ameaças, mas as intimidações raramente são quantificadas.

- É raríssimo o sujeito parar na cadeia por ameaça. Temos uma taxa pequena de crimes solucionados, que varia de 8% a 12%. Trabalhamos com dados por amostragem. E nela os crimes ambientais não aparecem - disse Gláucio Soares.

Um tipo de crime pouco freqüente no estado

O estágio de urbanização do Rio explica, para o pesquisador Mário Grynszpan, do CPdoc da Fundação Getúlio Vargas, por que os crimes ambientais acontecem com menor freqüência aqui do que em outras regiões do país. O problema, no entanto, existe, em especial no Norte do estado e na Baixada Fluminense. Os conflitos mais comuns são relacionados à expulsão de posseiros.

- A Amazônia é uma área de fronteiras a desbravar. O Rio é ocupado desde o século XVI. Os conflitos ocorreram e ainda ocorrem aqui, mas em uma dimensão menor. Eles são ligados à posse, à especulação imobiliária e às invasões do Movimento dos Sem-Terra. Na Amazônia, são relacionados a grandes madeireiras - explicou Mário, especialista na questão agrária no estado, afirmando que o crime no Rio terá uma repercussão maior em todo o país, por ter ocorrido logo depois do assassinato da missionária americana

Dionísio fazia parte do Grupo de Defesa da Natureza, ONG constituída para a preservação da Reserva Biológica do Tinguá, que ele ajudou a criar na década de 80. O ambientalista será enterrado hoje às 11h no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Às 8h, está prevista a saída de dois ônibus com moradores do entorno da reserva para o enterro.


Um apaixonado pela natureza

Um apaixonado pela natureza e pela região do Tinguá. Foi dessa forma que o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro foi descrito pela prima, Marina de Oliveira Teixeira, de 50 anos, pouco após o crime. Solteiro e sem filhos, o ambientalista de 61 anos morava há pouco tempo em uma casa próxima à Reserva Biológica do Tinguá, onde era um dos mais atuantes ambientalistas na luta contra palmiteiros.

Ainda de acordo com a prima do ambientalista assassinado, ele costumava visitar a família uma vez por mês no subúrbio de Guadalupe e contava sempre as vitórias que conseguia na preservação da reserva. Ela contou que toda vez que se reunia com a família Dionísio fazia questão de frisar que vivia em um paraíso, que tinha responsabilidade de preservar. Segundo ela, Dionísio abraçou a questão da reserva e era querido por todos os moradores da região.

- Ele vivia em defesa da vida e da floresta. Era um amante da natureza, correto em suas ações e apaixonado pelo seu trabalho na ONG - disse.

De acordo com o deputado Carlos Minc, que participou de vários protestos em defesa da Reserva do Tinguá com Dionísio, o trabalho como ecologista veio do amor à natureza:

- Ele não teve formação como ambientalista. Mas seu amor pela natureza fez dele um missionário. E ele dedicou a vida ao trabalho em defesa da reserva.

A ONG criada por Dionísio com outros ambientalistas, o Grupo de Defesa da Natureza (GDN) surgiu no fim da década de 70, como forma de combater as crescentes ameaças aos recursos naturais da região até então conhecida como Florestas Protetoras da União do Tinguá, Xerém e Mantiqueira. O grupo sempre procurou enfocar a preservação da flora e da fauna, atuando de maneira educativa, auxiliando os órgãos competentes na desarticulação de quadrilhas de palmiteiros e caçadores que vinham degradando florestas da região. Além de liderar, com outras organizações, o movimento que culminou na criação do Parque Biológico do Tinguá, também teve participação ativa na criação do Parque Municipal da Taquara, em Duque de Caxias, da Gleba Modesto Leal.

O Globo, 24/02/2005, Rio, p. 14
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