Onde o Brasil é mais jovem

O Globo, Ciência, p. 33 - 15/10/2008
Onde o Brasil é mais jovem
Trindade tem o solo mais novo do país. E pesquisas revelam que o Arquipélago de São Pedro e São Paulo continua a crescer

Antônio Marinho e Roberta Jansen

Laboratórios a céu aberto, as ilhas de Trindade e São Pedro e São Paulo oferecem uma oportunidade rara para os cientistas estudarem ambientes isolados, com grande endemismo de fauna e flora, e características geológicas únicas, que ajudam a entender a própria formação do Brasil.
No meio do Atlântico, elas oferecem dados de correntes marinhas e de clima difíceis de serem obtidos no continente. As pesquisas desenvolvidas nas ilhas revelam ainda a existência de rochas tão diferentes que parecem vindas de outro planeta.
Em Trindade estão as provas de que aparentemente inofensivas cabras tiveram voracidade capaz de destruir em poucas décadas uma floresta inteira.
Soa bizarro, mas é tudo verdade.
Estudos em São Pedro e São Paulo revelam que o menor arquipélago oceânico brasileiro está ganhando altura há 40 mil anos. Análises geológicas revelaram que fósseis de duas das ilhotas do arquipélago simplesmente mudaram de lugar. E a região toda é rica em rochas plutônicas. Apesar do nome, elas são da Terra mesmo, mas muito raras.
Segundo o geólogo Thomas Ferreira da Costa Campos, do Departamento de Geologia da UFRN, elas remontariam há 200 milhões de anos, quando os continentes se formaram.
Foram tantos os processos geológicos na região do arquipélago, que os geólogos não têm a mínima idéia de quando ele se formou. O afloramento das rochas tem pelo menos 38 mil anos, segundo Thomas, e não é fruto de vulcanismo, mas sim de parte do manto terrestre que aflorou por falha tectônica, coisa bem rara de se encontrar.
- Nos últimos cem anos o arquipélago está na mesma altura, mas houve elevação no passado. Isso é resultado das próprias forças de movimentação que empurraram o arquipélago para cima - explicou Thomas.
Erosão animal destruiu Trindade
Em contrapartida, Trindade apresenta o terreno mais jovem do Brasil. Foi o último pedacinho do país a se formar, como revelam as datações feitas na ilha por especialistas.
Por conta disso, Trindade apresenta solos que não encontram equivalência em nenhum outro local do mundo. São solos exclusivos da ilha, para os quais tiveram que ser criadas novas classificações.
- É um vulcanismo muito recente, datado em 5 mil anos. É o único lugar do Brasil em que ainda se consegue ver um pedaço de vulcão não desgastado pela erosão - afirmou Carlos Ernesto Schaefer, do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa, que estuda as ilhas oceânicas. - Esse vulcanismo deve ter extinguido toda vida que havia na ilha, portanto, o que existe lá é de colonização posterior e muito recente.
As paisagens inóspitas de Trindade, com suas pedras nuas, refletem sua história geológica e também o seu isolamento. A ilha é tão isolada, a 1.167 quilômetros da costa, que as formas de vida por lá são raras.
- Nenhum ecossistema nosso é tão isolado quanto o de Trindade. A pobreza de fauna e flora terrestres é natural porque pouca coisa consegue chegar além de mil quilômetros - disse Schaefer, que coordena o Projeto de Solos e Ecologia Terrestre das Ilhas Oceânicas Brasileiras.
- O solo lá é frágil porque tem pouca fauna, como formigas e cupins para trabalhá-lo biologicamente.
Apesar dos solos jovens e frágeis, a ilha chegou a ser coberta em até 80% de sua extensão por uma floresta. Mas foi então que o homem chegou por lá e, além de começar a explorar a floresta, introduziu cabras na ilha. Os animais se reproduziram depressa e se tornaram selvagens, comendo absolutamente tudo o que viam pela frente. Elas chegaram a ser 900, numa ilha de pouco mais de 8 quilômetros quadrados. A destruição provocada foi tão grande que até as fontes de água secaram. Foi preciso uma grande operação de fuzileiros navais para exterminá-las, o que só foi concluído em 2004. De toda a vegetação original da ilha, sobrou apenas uma curiosa floresta de samambaias gigantes - aparentemente a única coisa de que as cabras não gostavam.

- Uma vez eliminado principal problema, a cabra, a vegetação começa a se regenerar, já estamos recuperando os mananciais - afirmou Ruy Valka, do Museu Nacional, um dos maiores especialistas na ilha. - E agora, que a Marinha criou o PróTrindade (para promover as pesquisas na ilha), acho que é o momento de investirmos em projetos.
Inóspitas na superfície emersa, as ilhas apresentam uma rica vida marinha. São Pedro e São Paulo está localizado numa das áreas de maior índice pluviométrico do Atlântico e na confluência de várias correntes marinhas, que enriquecem o ambiente de nutrientes, explica Thomas. Cerca de 14 espécies de algas foram registradas no local. E há grande diversidade de corais:
- Já foram identificadas 58 espécies de peixes recifais, como saberés, parus-amarelos, donzelas, moréias e xaréus, e 17 de peixes pelágicos, como tubarões, atuns, cavalas, rêmoras e peixe-lua.
Transformado em Área de Proteção Ambiental (APA) há 22 anos, o arquipélago atrai pesquisadores de todo o país (turistas são proibidos de visitar o local). As principais áreas de estudos são geologia, geofísica, biologia, oceanografia, meteorologia e recursos pesqueiros. Um dos trabalhos mais interessantes trata da biodiversidade das esponjas, iniciado há oito anos e coordenado pelo professor Guilherme Ramos da Silva Muricy, do Museu Nacional. Esses invertebrados vivem presos a rochas em lugares com pouca luz e são essenciais para a vida marinha porque servem como fonte de alimento, especialmente para os peixes recifais, e abrigo.
Só na região de São Pedro e São Paulo foram encontradas 32 espécies de esponjas, cinco das quais inéditas. E ainda há o interesse farmacológico, já que esses animais produzem substâncias medicinais.
Por exemplo, a espécie Discodermia dissoluta , encontrada apenas no arquipélago, contém compostos que previnem a reprodução de células cancerígenas


Isolamento e risco de vida nas ilhas

O mar está sempre para peixe em São Pedro e São Paulo. E também para as aves. A máxima só não vale para os quatro pesquisadores da Estação Científica. Eles vivem em alerta por causa de terremotos e ressacas. Há pescador que jura ter visto o mar na altura do farol, a 18 metros.
Se o mar chegou até lá é difícil saber. Por via das dúvidas, a preparação para viver nos rochedos é dura. Os pesquisadores e militares da Marinha que passam temporadas no arquipélago recebem rigoroso treinamento na Base Naval de Natal.
Aprendem combate a incêndio, sobrevivência no mar e primeiros socorros. Cerca de 70% das pesquisas exigem mergulho. O mesmo ocorre com os que seguem para Trindade.
Apesar de a estação de São Pedro e São Paulo ser projetada para suportar abalos sísmicos, o risco é alto. Há dois anos um tremor a 140km formou ondas que destruíram parte da casa e levaram os cientistas a se refugiarem no farol, onde pediram socorro pelo rádio.
- Temos internet há poucos meses. Antes ficávamos isolados do mundo. Na tsunami na Ásia em 2004, quem estava aqui só ficou sabendo dias depois -- diz Danielle Viana, doutoranda em Oceanografia pela UFRPE.
Alessandra Fischer, doutoranda na mesma área, conta que a época de chuvas é mais difícil.
Eles mal podem sair de casa.
Em Trindade, o maior risco é o da onda camelo, uma vaga que se forma abruptamente e se choca contra as pedras com rapidez. Desde 1958, quando a ilha passou a ser ocupada permanentemente, seis militares foram vítimas dessas ondas.
Os pesquisadores cuidam da manutenção de equipamentos.
Preparam as refeições com os peixes pescados na porta de casa e produtos levados do continente. Diariamente lavam os painéis de energia cobertos pelos excrementos das aves.

O Globo, 15/10/2008, Ciência, p. 33
UC:APA

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