Os moradores do Itatiaia deram a volta por cima

OESP, Vida, p. A18 - 03/12/2008
Os moradores do Itatiaia deram a volta por cima

Marcos Sá Corrêa*

Com a palavra a Associação dos Amigos do Itatiaia. Ela apresentou ao Ministério do Meio Ambiente sua proposta de regularização fundiária do parque nacional, assunto que o governo federal carrega no ventre desde 1937. Está mais do que na hora de ouvi-la. As autoridades não deram até hoje um passo para resolver o problema que elas mesmas criaram no começo do século passado, ao vender lotes em fazendas da União, que depois resolveram transformar em reserva de proteção integral, sem propriedades particulares.

Tudo, como sempre, no papel. Às vezes, papel de jornal, quando sobe a serra - levando mais barulho do que medidas concretas - a notícia de que o processo de desapropriação, encruado há tantas décadas, está finalmente para começar em Itatiaia. Foi o que aconteceu quase três anos atrás.

As palavras oficiais abriram a temporada. Depois, como sempre, emudeceram. E o primeiro projeto a se materializar vem agora do outro lado, o dos moradores e hoteleiros. Eles voltaram à conversa armados com argumentos plausíveis, além de velhas fotografias, boas histórias e mapas originais. Será difícil deixá-los sem resposta, desta vez.

Eles pedem o desmembramento dos 1.300 hectares que a sede administrativa do parque nacional divide com 190 residências e cinco hotéis. São 4,5% da área total. Correspondem à parte baixa, a mais visitada, além de ser geralmente a primeira que vem à cabeça de quem andou por lá pela primeira vez. Nesse caso, é provável que figurem entre as recordações o Véu de Noiva e a Poranga, duas cachoeiras muito visitadas do Rio Campo Belo e símbolos não só da beleza natural, como dos paradoxos de Itatiaia. Para vê-las, é preciso caminhar por picadas rústicas, o único vestígio ostensivo de ocupação do terreno. Pertencem a um sítio, o Jangada, que preferiu deixá-las assim.

As cachoeiras contrastam com outros pontos turísticos situados em terras públicas. Neles, se chega por estrada. Há clareiras, pontes de concreto e até churrasqueiras, como se os sinais entre o que é público e o que é privado estivessem trocados. E é nesses paradoxos que a proposta se escora.

Separada do parque pelo regime de propriedade, essa fatia do antigo Núcleo Colonial do Itatiaya - que o documento grafa com "y", para deixar claro quem chegou ali primeiro - continuaria ligada à unidade como Monumento Natural, também enquadrado nos estatutos de proteção integral.

De quebra, alegam os moradores, "desoneraria a União de significativo dispêndio de recursos financeiros para desapropriação de imóveis". Só essa conta já foi orçada pelos interessados em R$ 60 milhões. Mas o maior lucro seria a oportunidade de botar ordem no que, à falta de definição jurídica, virou bagunça, com lixo ao relento, córregos contaminados por esgotos e animais domésticos à solta num santuário da fauna nativa.

É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 03/12/2008, Vida, p. A18
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