Parque da Serra da Capivara, no Piauí, está ameaçado

O Globo - http://oglobo.globo.com/ - 17/07/2015
Fundação que atua na conservação do Patrimônio Cultural da Humanidade conta com apenas 50 funcionários, poucos recursos e pode fechar


Até o fim do ano, o Parque Nacional da Serra da Capivara pode sofrer um golpe pesado. A Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), parceira do governo federal na manutenção da unidade, prepara-se para fechar as portas. Em 2014, seus cofres receberam apenas R$ 860 mil, verba insuficiente para zelar pela infraestrutura que sustenta o acesso e a pesquisa em mais de mil grutas rupestres, dispersas por 130 mil hectares no interior do Piauí. Nem o status de Patrimônio Cultural da Humanidade assegurou a entrada de recursos. Se a penúria significar uma ameaça às cavernas pré-históricas, o título atual poderia mudar para "patrimônio em perigo".

Pouco tempo atrás, a equipe de Niède Guidon, de 82 anos, que preside a fundação, contava com 270 funcionários. Hoje, são 50. Segundo a arqueóloga, a demissão dos empregados remanescentes implicaria no pagamento de indenizações. Para isso, seria necessário encerrar as atividades até dezembro.

- Eu não sei mais o que fazer - admite a arqueóloga. - A fundação surgiu em 1986 porque, sete anos antes, o parque foi criado e não havia funcionários do governo federal. A área estava tomada por caçadores e extrativistas. As pesquisas científicas trazem resultados fantásticos, mas os trabalhos não podem ser sustentados sem uma estrutura básica.

No trajeto entre as grutas históricas, há somente um carro da fundação e outro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) - que, segundo Niède, às vezes precisa de gasolina emprestada. Das 28 guaritas, apenas 12 estão abertas, sendo que oito não têm vigias à noite.

A pena de morte, segundo Niède, foi o êxodo de recursos de compensação ambiental. Poucos anos atrás, eles eram destinados diretamente pelas empresas à fundação. Agora, devem ser levados para o governo federal, que os distribui entre as unidades. A Petrobras, patrocinadora do patrimônio, também provoca insatisfação. De acordo com a coordenadoria de projetos da Fumdham, a empresa comprometeu-se a enviar R$ 1,2 milhão em 2014, mas apenas R$ 400 mil subiram a Serra. Procurada pelo GLOBO, a Petrobras declarou que o contrato é de R$ 1,14 milhão, e que as demais parcelas estão sendo pagas este ano. Entre 1999 e 2014, acrescenta, o valor destinado à Fumdham soma R$ 13,6 milhões.

- Sozinho, o governo federal não tem condições de sustentar o parque - lamenta Niède. - Consultamos empresas internacionais que mostraram como um Patrimônio da Humanidade pode receber até cinco milhões de turistas por ano. Mas só 25 mil chegam aqui, porque o aeroporto mais próximo está a 350 quilômetros de distância. O parque deveria contribuir para o desenvolvimento econômico da região, trazendo hotéis, restaurantes, empregados para o setor de conservação, mas nada disso aconteceu.

AEROPORTO NÃO DECOLOU

O governo do Piauí também tem sua parcela de culpa, segundo a arqueóloga. Idealizado no fim da década de 1990 para incrementar o turismo no Patrimônio da Humanidade, o Aeroporto Internacional da Serra da Capivara ainda não foi inaugurado. A obra tem uma página oficial no Facebook, que chegou a anunciar a inauguração para março de 2014. Agora, a nova data é agosto.

Na Unesco, a situação crítica do parque também provoca preocupação.

- Discutimos com o governo, que precisa se sensibilizar para encontrar uma solução contínua para o parque, em vez de depender de arranjos pontuais no orçamento - conta Patricia Reis, coordenadora de cultura da Unesco no Brasil. - Vemos como há cada vez menos recursos e sabemos que a falta de infraestrutura dificulta a chegada de visitantes. A situação atual pode provocar a vinda de uma equipe de monitoramento internacional da Unesco, que listará recomendações para o governo, e o prazo em que elas devem ser cumpridas. Se não conseguir, trata-se do primeiro passo para que o parque perca o título de Patrimônio da Humanidade.

Embora sofra com condições precárias, o parque continua encantando turistas e pesquisadores.

FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS

Continuar a pesquisa sobre a ocupação humana nas Américas é a ordem do dia para os especialistas. Professor do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Artur Henrique Barcelos destaca que os trabalhos para determinar a data das pinturas rupestres do Parque da Serra da Capivara ainda não atingiram um consenso.

- Os recursos atuais que chegam ao parque são voltados apenas para a compra de equipamentos. Não há o suficiente para pagar os funcionários - lamenta. - É um momento crítico, que atrapalha as pesquisas que podem mostrar se aquela região foi a mais antiga ocupação humana nas Américas.

Não há previsão sobre quando o parque receberá mais analistas ambientais do governo federal. Roberto Suarez, chefe de gabinete do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), admite que o órgão tem dificuldades para conseguir novos funcionários.

- Só devemos realizar um concurso público para analistas ambientais a partir de 2016 - ressalta. - O orçamento do governo não é suficiente para atender às nossas demandas. Temos mais de 320 unidades de conservação, entre elas 71 parques nacionais.

Enquanto não consegue contratar novos funcionários, Suarez busca remanejar analistas ambientais de outros parques.

- Gostaria de investir mais, e sabemos como a infraestrutura montada pela fundação é onerosa, mas não trabalhamos com a hipótese do seu encerramento. No entanto, infelizmente, ela não pode ser mantida somente com o nosso apoio financeiro. Nos últimos cinco anos, destinamos R$ 14,4 milhões para o parque nacional, sendo R$ 4,6 milhões para a Fumdham.



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