Pedaços de terra cercados de ameaças

O Globo, Rio, p. 24 - 11/01/2004
Pedaços de terra cercados de ameaças
Turismo sem controle, pesca predatória e esgoto põem em risco a flora e a fauna de ilhas da costa carioca

Elas são a vista preferida e quase sempre obrigatória dos banhistas cariocas. De longe, parecem sempre preservadas da degradação, mas um olhar aproximado expõe suas feridas. As ilhas situadas na costa do Rio, que já foram ecossistemas intocados, sofrem cada vez mais com o turismo sem controle e a pesca predatória. A pressão do homem ameaça de extinção espécies como orquídeas da Ilha Comprida e torna cada vez mais raros cardumes de peixes grandes, como a enchova. O Ibama reconhece o problema e, como primeira medida, transformará o Arquipélago das Cagarras, mais conhecido conjunto de ilhas da cidade, em Monumento Natural, uma nova categoria de unidade de proteção ambiental.

Cagarras serão protegidas até fim de fevereiro

Será a primeira medida de proteção de uma ilha do Rio. Em 1989, o mesmo arquipélago foi transformado em Área de Relevante Interesse Ambiental (Arie) pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, mas a medida jamais foi regulamentada em decreto e, portanto, não tem valor legal, segundo o analista ambiental do Ibama Breno Coelho. Ele diz que a nova unidade será aprovada em Brasília até o fim de fevereiro, mas sabe que ainda há ilhas desprotegidas, como as Tijucas e a do Meio, na Barra, e as das Peças e das Palmas, em Grumari.
- A idéia é proteger por etapas. Superamos pressões de mergulhadores e pescadores e conseguimos proteger todas as ilhas, inclusive a Rasa (onde há um farol administrado pela Marinha) e a Redonda, que ficam afastadas das outras. O segundo passo será englobar as Tijucas e a do Meio.
A unidade dá às Cagarras proteção integral. Depois de publicado o decreto e elaborado o plano de manejo, não será permitida a retirada de qualquer recurso natural, assim como nos parques nacionais. Para fiscalizar a região, o Ibama está fazendo uma parceria com a Capitania dos Portos.
- A pesca num raio de 20 metros será proibida. Vamos reprimir a pesca nos costões, a caça submarina e até a maricultura. Outras medidas, como a provável proibição de acampamentos, só poderão ser tomadas após estudos realizados para o plano de manejo - explica Breno.

Na última terça-feira, em visita às ilhas com integrantes do Instituto Ecomama, que estuda a biota marinha local (conjunto de animais e vegetais), e guarda-vidas do Corpo de Bombeiros, repórteres do GLOBO constataram a degradação. Nas Tijucas, além de áreas tomadas por capim-colonião, muito lixo foi encontrado. Num desembarque rápido na Ilha Alfavaca, Alexandre Serrano, diretor do Ecomama, retirou latas, garrafas e até uma panela do costão.

Nas Cagarras, mais problemas. Um acampamento de pescadores estava montado na base da Ilha Comprida, com mantimentos suficientes para algumas noites. Nos costões, o sinal de descontrole no extrativismo: não havia mariscos.

- Mais 15 minutos desembarcado e eu poderia encher um barco inteiro com lixo. Quanto aos mariscos, os catadores os extraem sem se preocupar com a manutenção da colônia. Se continuar assim, esse crustáceo só sobreviverá em laboratório - alerta Alexandre.

Especialistas de diversas áreas também alertam para a degradação das ilhas. Vania Soares, integrante de um grupo de estudo do Laboratório de Ornitologia da UFRJ, confirma a redução da quantidade de aves marinhas nas ilhas devido às alterações ambientais provocadas pelo homem.

- A avifauna (conjunto de aves) sofre pressões até de predadores como o urubu e de outros animais introduzidos, como cães e gatos. Mas as interferências humanas são sempre desastrosas, principalmente para o trinta-réis e o atobá-marrom, que abandonam o ninho - diz Vania.

Arquipélago tem 114 espécies de plantas

O ictiólogo (especialista em peixes) Gustavo Nunan, do Museu Nacional, da UFRJ, diz que além do problema da pesca predatória, como arrastos e caça submarina no entorno da ilha, os peixes sofrem com a poluição da água:

- O arrasto é proibido, mas aqui eles fazem sem punição, em Ipanema, na cara da gente. E ainda tem o problema do esgoto, que sai do continente e contamina a massa d'água que atinge todas as ilhas do Rio.

A flora está em perigo. Embora haja estudos apenas sobre o Arquipélago das Cagarras, nas demais ilhas também é visível a invasão de capim-colonião, espécie que toma o espaço da vegetação nativa. A especialista Ângela Rodrigues levantou 114 espécies da flora no arquipélago.

- Na Ilha Comprida, encontramos um conjunto da orquídea Cattleya forbesii, que apresenta risco de extinção no estado selvagem.

O fotógrafo Carlos Secchin, autor do livro "Mar do Rio", lembra ainda as ilhas das Palmas e das Peças:

- Dá para chegar lá até de prancha, o que torna as duas ilhas tão degradadas quanto as outras. É uma equação: enquanto a população do continente aumenta, a do mar diminui.


O Globo, 11/01/2004, Rio, p. 24
UC:Monumento Natural

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