Perereca rara e em extinção paralisa obra do PAC

O Globo, Rio, p. 19 - 26/09/2009
Perereca rara e em extinção paralisa obra do PAC
Trabalhos do Arco Metropolitano, orçados em R$ 1 bi, são interrompidos para preservar espécie que vive em Seropédica

Dimmi Amora e Ana Claudia Guimarães
Ela tem dois centímetros. Mas está na frente de gigantescos tratores, caminhões e escavadeiras usados na construção do Arco Metropolitano. E quem ousa passar por cima dela? A maior obra pública em andamento no Rio - 77 quilômetros de pistas que ligarão Itaboraí ao Porto de Itaguaí -, orçada em R$ 1 bilhão, parou pela força da pequena Physalaemus soaresi.

Trata-se de uma perereca rara e ameaçada de extinção, que não tem nome popular. Ou melhor, não tinha: os operários da obra já a apelidaram de Norminha, a personagem poligâmica da última novela da oito.

A soaresi vive numa área de 4,9 milhões de metros quadrados da Floresta Nacional Mário Xavier (Flonamax), em Seropédica, entre a Rodovia Presidente Dutra e a antiga Rio-São Paulo.

Desde sua identificação em 1965 naquela área, jamais foi localizada em outro lugar do planeta. O arco vai passar no meio da floresta - que perdeu a vegetação original -, ocupando 80 mil metros quadrados (1,6% do total).
Em fase de reprodução, bicho não pode ser removido
Esta semana, a Secretaria estadual de Obras, responsável pelo arco, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal, foi informada sobre a espécie pelos administradores da Flonamax e aceitaram interromper a obra.

Técnicos da secretaria estudavam retirar a perereca e adaptála a outro local. Mas um estudo mostrou que o animal está na fase de reprodução, num período chamado "canto nupcial".

Essa fase vai até fevereiro. Era o prazo inicial para o encerramento das obras. Mas, de acordo com o vice-governador e secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão, até agora apenas 6% do cronograma foi cumprido.

Desde o anúncio da construção do arco, em novembro de 2006, vários problemas o atrasaram: - É preciso ter muita persistência.

Mas estou confiante de que vamos concluí-lo até 2010.

Segundo Vicente Loureiro, subsecretário de Obras, as licenças ambientais foram dadas com várias restrições e compensações que vão custar pelo menos R$ 30 milhões. Mesmo após as licenças, os entraves persistiram. Foram encontrados 23 sítios arqueológicos e, em cada um deles, era necessário interromper a construção. Na Flonamax, já tinha havido um problema.

Após ser concedida a licença para cortar as árvores nos pontos por onde passará a pista, o trabalho foi paralisado. Isso porque a lei manda que seja medida a espessura de cada árvore.

As de até 15 centímetros de diâmetro são cortadas de uma forma; as maiores, de outro.

Para evitar que a obra continue interrompida, a secretaria proporá um isolamento, com placas de ferro, da área da obra.

Segundo Marcelo Marcelino, diretor de Conservação do Instituto Chico Mendes - órgão do governo federal responsável pela Flonamax -, os estudo vão chegar na semana que vem ao órgão, que decidirá a melhor forma de preservar a espécie:
- É uma espécie em extinção, listada desde 2003. Temos que garantir sua conservação.


Um animal resistente
Anfíbio sobreviveu a mudanças no habitat

Apesar de pequena, a soaresi é uma heroína da resistência. Ela foi identificada pelo biólogo Eugênio Izelksohn. O professor de 77 anos, 52 deles dedicados aos anfíbios, explica que ela é uma espécie da Mata Atlântica e não era tão rara até o progresso chegar a seu habitat, a bacia do Rio Guandu.

A região foi rota de passagem do ouro. Depois, serviu à agricultura e também à fabricação de seda. Mas o maior golpe contra a soaresi foram as alterações no Rio Guandu para a construção de usinas hidrelétricas e a captação de água.

O principal risco atual é a passagem de máquinas e pessoas pela área florestal.

Para se reproduzir, o macho e a fêmea da espécie se encontram perto de um alagado.

O macho pressiona a barriga da fêmea e fecunda os ovos na água. De acordo com o professor, juntamente com o ovo fica um líquido que os dois chacoalham com as pernas, virando uma espuma que se transforma num casulo para proteger os ovos.

- O muro não sei se vai ajudar, mas será menos mal - afirmou o professor.

Mas para o biólogo Celso Sanches, que coordena os estudos no local, a opção de passar com a estrada no meio da floresta deve ser mudada para salvar o habitat da soaresi e outras espécies:
- É uma biblioteca viva, não estudada, que pode ter informações que servirão para a indústria farmacêutica e cosmética, e corre o risco de desaparecer do planeta.

O Globo, 26/09/2009, Rio, p. 19
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