Pré-história do Brasil à venda na internet

OESP, Vida, p. A19 - 17/10/2006
Pré-história do Brasil à venda na internet
Estrangeiros usam sites para comercializar livremente os fósseis achados no País, embora espoliação do patrimônio seja crime federal

Cristina Amorim

Fósseis brasileiros com 270 milhões de anos são vendidos em sites internacionais, de países como Alemanha e Estados Unidos. A atividade é ilegal segundo a legislação brasileira, mas corrente há muitos anos e conhecida por pesquisadores e governo.

O material foi retirado de uma floresta fossilizada no norte do Tocantins, área transformada em unidade de conservação pelo Estado recentemente. Os sites contêm a indicação da origem: Bielândia, distrito com cerca de 2 mil habitantes localizado dentro da área protegida.

Em um site alemão especializado, o Fossilien, o material é vendido em fatias polidas e descrito como de grande beleza por suas cores. Também é possível encontrar facilmente fósseis brasileiros no site de leilão virtual eBay - um vendedor conta ter comprado a peça em exposição em Tucson, cidade americana que concentra grandes feiras de fósseis, e disse ter vindo ao Brasil em busca de um "vendedor que pudesse exportar legalmente" as pedras.

O Estado tentou contatar os vendedores por e-mail e telefone por três dias, mas não obteve resposta.

Alemanha e EUA aparecem freqüentemente entre os principais destinos dos fósseis coletados ilegalmente no País. O comércio é permitido lá e ambos os países não participam de uma convenção da Unesco que visa a coibir o tráfico de material paleontológico e arqueológico.

As peças alimentam coleções particulares e museus e são estudados por cientistas estrangeiros, sem a participação de brasileiros. Quase 1 tonelada de material retirado do Tocantins, por exemplo, está no Museu de História Natural de Chemnitz, na Alemanha, e serviu de fonte para a publicação de artigos científicos.

Segundo a procuradora federal Ana Cristina Bandeira Lins, é possível pedir a devolução de tais peças, mas o processo é demorado e difícil. Ela participou recentemente de uma reunião com o Ministério das Relações Exteriores para traçar uma estratégia e seguir o caminho de Argentina e China, países igualmente espoliados que brigam pelo retorno de seus fósseis.

ILEGALIDADE

A comercialização de fósseis é crime federal. Mas há pouca atenção dada a esse tipo de contrabando pelos órgãos competentes. "O problema é que o Brasil não sabe ainda valorizar seu patrimônio e tais órgãos estão sucateados", diz Ana Cristina.

A facilidade de retirada é alimentada por uma lei que permite interpretações dúbias, populações pobres que têm a venda como parte da renda mensal, quadrilhas especializadas com compradores no exterior, ausência de conhecimento sobre a importância dos sítios e falta de comprometimento de diversos países com os esforços de coação do tráfico. A ladainha se repete em quase todos os sítios paleontológicos no País, tal como no Tocantins.

A criação de uma unidade de conservação no local, com mais de 31 mil hectares, e o trabalho de conscientização feito por professores e funcionários da Fundação Natureza do Tocantins têm diminuído a freqüência da coleta ilegal, mas está longe de contê-la. "Vejo uma série de montinhos de fósseis que alguém depois vem recolher", diz o geólogo Ricardo Dias, da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Por quase dez anos, uma empresa de mineração retirou fósseis da região para vender como peças decorativas ou transformá-las em cinzeiros e saboneteiras. "Há duas semanas que seu pedido de exploração foi negado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral", conta Dias.

RIQUEZA

A floresta fossilizada do Tocantins é única. É um retrato da flora no Período Permiano, que se estendeu de 286 a 245 milhões de anos atrás.

Os primeiros estudos do sítios indicam que ele tem 270 milhões de anos. Naquela época, a América do Sul ainda estava grudada na África e formava um supercontinente chamado Gondwana.

O local é uma das florestas mais bem preservadas daquela época no mundo, e altamente diversa comparada a outros sítios do mesmo período. Ela é caracterizada por samambaias, algumas com caules que podiam chegar a 15 metros de comprimento, e gimnospermas.

O processo químico que levou à formação deste sítio ainda não foi totalmente estudado. Os trabalhos científicos realizados ali de forma sistemática foram poucos. Uma parceria entre Unesp e UFT prevê estudos no sítio pelos próximos três anos, o que deve ajudar a responder a esta pergunta e a outras ainda em aberto. Uma das mais importantes é por que a floresta ali continha samambaias, plantas que gostam de ambientes úmidos, uma vez que os modelos do clima da época indicam que a região era seca.

Uma proposta é estudada hoje pela comunidade científica para indicar o tombamento do local como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

OESP, 17/10/2006, Vida, p. A19
UC:Monumento Natural

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