Prefeitura de Angra ignorou ordens do TCE

O Globo, Rio, p. 14 - 08/01/2010
Prefeitura de Angra ignorou ordens do TCE
Município descumpriu determinação para demolir construções irregulares, entre as quais a Pousada Sankay, na Ilha Grande

Chico Otavio

A Pousada Sankay, um dos cenários da tragédia que atingiu Angra dos Reis no primeiro dia do ano, faz parte de uma lista de obras irregulares na Baía de Ilha Grande elaborada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) durante uma inspeção especial em 2007. O levantamento, motivado pela operação Carta Marcada, da Polícia Civil, afirmou que a Sankay, assim como outros empreendimentos na Costa Verde, estava "sobre a área de domínio dos costões rochosos, especialmente quanto ao descumprimento do recuo mínimo exigido na zona costeira, e construções no espelho d'água".

O TCE cobrou, no ano seguinte, providências da prefeitura de Angra para coibir as irregularidades, mas o deslizamento de terras revelou que as obras ilegais encontradas na pousada estavam intactas até a madrugada da tragédia.

A vistoria incluía até uma foto da fachada da pousada.

- Não me lembro do relatório. Angra é muito grande. Mas nunca deixamos de cumprir as determinações do TCE - alegou o ex-prefeito Fernando Jordão, que administrou Angra de 2001 a 2008.

Irregularidades constatadas também em APA
Técnicos do Tribunal passaram um mês na Baía de Ilha Grande depois que a Carta Marcada descobriu um esquema de venda de licenças ambientais e fraudes em licitações envolvendo a agência local da Feema e as prefeituras de Angra e Paraty. Na inspeção, eles apontaram anormalidades em propriedades privadas nas Praias do Bananal e Vermelha, na Ilha Grande, na Ilha das Palmeiras e no Condomínio Vilas Tanguá.

O relatório menciona execução de obras, incluindo a Área de Proteção Ambiental (APA) Tamoios, em desacordo com o projeto aprovado; construção em áreas não permitidas, incluindo espelho d'água e faixa de areia, deques de grande extensão, entre outros.

A inspeção constatou que os procedimentos adotados até então pela prefeitura eram "morosos, agravados principalmente pelo custo logístico", incluindo as dificuldades na execução das demolições impostas às obras ilegais.

Construções irregulares, feitas pelas próprias prefeituras, também estão no relatório. Os técnicos mencionaram sete obras erguidas sem licença ambiental ou licença de instalação exigida pela Feema, como o cais de atracação de Santa Luzia, os serviços de dragagem da Bacia do Rio Jabaquara, o enrocamento (maciço de pedras para evitar erosão) do Rio Perequê-Açu e a construção de um conjunto de 50 casas populares (em Paraty).

Algumas destas obras foram iniciadas pela prefeitura de Angra sem que o processo de licenciamento tivesse terminado, como foi o caso da construção de um hospital de emergência em Japuíba, erguido sem o sistema de esgotamento sanitário previsto no projeto original.

Os técnicos do TCE também denunciaram que, embora a prefeitura de Angra tivesse aparentemente desistido da construção de um cais pesqueiro na cabeceira da pista do aeroporto de Angra, pelo risco de acidente aéreo (o cais atrairia aves), foi encontrada no local uma placa que anunciava "construção e implantação do novo Cais Pesqueiro".

O Tribunal também requereu o relatório final da sindicância aberta pela Feema após a Carta Marcada. Deflagrada pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente em outubro de 2007, a operação cumpriu 29 mandados de prisão. Na época, interceptações telefônicas autorizadas mostraram um grupo de empresários rateando licitações. Um dos presos, Sílvio Pinheiro, era agente regional da Feema. Ele foi acusado de extorquir dinheiro de empresas que queriam fazer construções em áreas de preservação ambiental.

Em depoimento para obter o benefício da delação premiada, outro funcionário da Feema, Dennys Rocha, confirmou a existência do pagamento de propinas.

Feema não atendeu pedido do Tribunal sobre fraude
O TCE queria que a sindicância tivesse continuidade, mas o pedido foi indeferido pela Feema, que alegou que os funcionários já eram alvo de inquérito na Polícia. Não há, contudo, registro de respostas das prefeituras sobre as determinações solicitadas.

O ex-prefeito Fernando Jordão disse que, ao mencionar que os responsáveis por algumas das obras irregulares respondiam a ações judiciais, o próprio relatório atestou que a prefeitura de Angra já estava tomando providências para coibir os empreendimentos que feriam a legislação ambiental no município:
- Mas não há como dizer se tudo foi cumprido. Trabalhamos fortemente em diversas demolições. Será que o prefeito de São Paulo saberia identificar cada obra na cidade?


Inea identifica pelo menos 300 construções irregulares na Ilha
Situação mais crítica é no Provetá, onde há casas acima da cota cem

Elenilce Bottari, Rafael Galdo e Taís Mendes

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) deu início ao primeiro levantamento para mapear as ocupações irregulares na Ilha Grande, incluindo as que ficam em áreas de risco. Entre os principais problemas apontados pelos 35 técnicos que percorreram mais de cem praias da ilha nos últimos dias, estão as construções em áreas irregulares, algumas dentro do Parque da Ilha Grande, e o uso inadequado de recursos hídricos. De acordo com estimativas do coronel Jorge Benedito de Oliveira, coordenador da equipe, o número de ocupações irregulares pode chegar a 300.

- Já notificamos muitas construções irregulares, de casebres a mansões. Estamos verificando um desrespeito total ao zoneamento - disse o coronel Jorge. - Entre os problemas constados, estão cortes de talude de forma irregular e retenção de água em barreiras.

Além da Enseada do Bananal, há problemas em Provetá, na Praia Vermelha e em Araçatiba. O coordenador do Inea para a Ilha Grande disse que hoje a situação mais crítica é a da comunidade de Provetá:
- Lá, as casas deveriam ser construídas apenas até a cota 40. No entanto, identificamos construções até cem metros acima da linha do mar, já dentro da área do Parque da Ilha Grande.

Segundo o coronel Jorge, o mapeamento fundamentará o relatório para o estudo sobre o uso do solo da Ilha Grande. O objetivo, diz ele, é determinar o limite para as ocupações de forma que não tenham impacto na natureza e que não ponham os moradores em risco.

Ex-prefeito: fábricas de sardinha viraram pousadas
As primeiras pousadas na Ilha Grande ocuparam os espaços onde antes funcionavam fábricas de salga da sardinha, introduzida por imigrantes japoneses e portugueses na década de 30. Chegaram a existir várias fábricas espalhadas por toda a ilha, mas elas entraram em decadência na década de 70. Com o argumento de que a falência do negócio seria o fim da população nativa, o ex-prefeito de Angra e atual deputado Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira (PT), que administrou o município entre 1993 e 1996, admitiu que autorizou a transformação das antigas fábricas em pousadas.

Ele conta que deu autorização para pelo menos dez pousadas em diferentes praias da ilha, como Abraão, Passa Terra, Matriz, Bananal e Longa.

O deputado lembra, por exemplo, que a Pousada do Preto, em Bananal, ocupa o prédio da última fábrica que faliu na ilha.

- Na década de 70, houve uma grande redução da pesca de sardinha e a atividade entrou em crise. A ilha tinha mais de cinco mil moradores e todos envolvidos na pesca ficaram desempregados. Muitos migraram para o continente e era preciso fazer algo para não acabar com a população nativa da ilha - disse o deputado, acrescentando que a prefeitura incentivou a transformação das fábricas em pousadas.

O Globo, 08/01/2010, Rio, p. 14
UC:Geral

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Tamoios (APA)
  • UC Ilha Grande (PES)
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.