Primeiro culpado ja esta preso

JB, Cidade, p.A13 - 26/02/2005
Primeiro culpado já está preso
Caçador confessa que atirou no ambientalista mas investigações continuam. Funcionário do Ibama é detido

Marco Antônio Martins e Waleska Borges

A polícia apresentou ontem o caçador Leonardo de Carvalho Marques, 21 anos, como autor do disparo que matou o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, 61 anos, na terça-feira, próximo à Reserva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu. Leonardo confessou ter matado o ambientalista em represália às denúncias que resultaram em apreensões das armas dos caçadores. Leonardo disse que agiu sozinho. Ambientalistas denunciam, no entanto, que o crime foi premeditado por um grupo que envolve caçadores, palmiteiros, comerciantes e funcionários do Ibama, conforme antecipou o Jornal do Brasil na quinta-feira.

O delegado Marcelo Bertolucci, da Polícia Federal, apura a informação de que o assassinato de Dionísio tenha sido planejado durante um churrasco no fim de semana passado. Ontem, policiais federais prenderam Paulo Roberto Martins, um dos funcionários do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) na reserva do Tinguá. Na casa do ambientalista foi encontrada uma lista com nomes de palmiteiros e caçadores que atuam na região.

- Estamos colaborando com a Polícia Civil. Agora vamos atrás dos mandantes do crime. As investigações não estão encerradas - afirma o delegado Bertolucci.

O cerco ao autor do disparo, segundo o chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, foi montado a partir de uma denúncia anônima. A informação levou à prisão de José Reis Medeiros Alves, 40 anos, foragido da Justiça, e de Leonardo, que negou o crime e acabou sendo liberado. Mais tarde, a polícia chegou até Alexsander Barbosa de Mattos, também caçador. Na delegacia, Alexsander contou que, há duas semanas, Leonardo teria dito para ele ''Tá brabo. Eu vou ter de matar um. Tem que cair um ou dois. Eles estão muito cagüetes e já está passando da hora''.

Levado mais uma vez à delegacia, Leonardo contou com detalhes como executou o ambientalista. Segundo Álvaro Lins, o suposto assassino soube que Dionísio participaria de uma reunião e armou a tocaia. Vestido com roupas camufladas e uma touca, Leonardo teria ficado escondido por quase uma hora à espera do ambientalista. Segundo o deputado estadual Carlos Minc, a morte de Dionísio teria custado entre R$ 20 mil e R$ 50 mil.
- Ele saltou ao lado do Dionísio e fez o primeiro disparo a cerca de três metros de distância. Depois, recarregou a arma e realizou mais dois disparos - descreveu Lins, acrescentando que, depois do crime, Leonardo trocou de roupa e foi para uma praça perto da reserva.

De acordo com a polícia, Leonardo escondeu a espingarda calibre 28, usada em caça, num bambuzal próximo a sua casa. Ele levou a polícia até a arma. O assassino também contou que enterrou dois dos estojos usados na espingarda e a roupa camuflada. Segundo Álvaro Lins, a lesão no rosto do ambientalista é compatível com o calibre da espingarda apontada por Leonardo. Apesar da confissão, a cúpula da Secretaria de Segurança Pública não considera o caso encerrado.

- Que ele foi o executor não tenho dúvida e se há outra pessoa por trás vamos continuar apurando - assegura Lins.

De acordo com Álvaro Lins, entre os anos de 2003 e 2004, Júlio registrou nove ocorrências na 58ª DP (Posse ) apontando os locais onde existiam armas de caçadores. Em abril de 2003, uma denúncia do ambientalista levou à apreensão de cinco armas de Leonardo. Alexsander contou em depoimento que Leonardo andava armado e é agressivo.

- Ele disse que agiu sozinho e queria se tornar um líder dos caçadores - diz Lins.

Os ambientalistas não acreditam que Leonardo agiu sozinho. Há informações de que 10 dias antes do crime, durante um churrasco, caçadores e palmiteiros planejaram o assassinato. Segundo o fiscal Márcio das Mercês, do Ibama, um grupo que envolve comerciantes da região organizou um caixa para arrecadar dinheiro e pagar o assassino. De acordo com chefe da reserva do Tinguá, Luiz Henrique dos Santos, no churrasco teria acontecido um sorteio para escolha do assassino. Paulo Roberto é apontado por ambientalistas como integrante do grupo que elaborou o crime. Ele foi preso em casa com uma espingarda.

- Ele transportava caça e palmitos no carro do Ibama - disse Mercês.

Versão não convence

Momentos antes de ser levado da Baixada Fluminense para a sede da Secretaria de Segurança Pública, no Centro do Rio, o caçador Leonardo de Carvalho Marques conversou com integrantes da comissão de deputados da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) que acompanha as investigações do assassinato do ambientalista. Na conversa, que durou quase uma hora, Leonardo voltou a assumir o crime, mas não convenceu os parlamentares de que tenha agido sozinho. Os deputados Geraldo Moreira (PSB), Carlos Minc (PT) e Coronel Jairo (PSC), integrantes da comissão, vão ter acesso aos arquivos da polícias Civil e Federal. Eles vão levantar informações que ajudem a esclarecer o crime.

Segundo o deputado Carlos Minc, Leonardo colhia de duas a três dúzias de palmito por semana. Um tio do suposto assassino, que mora em Vila de Cava, pagava a ele R$ 15 por dúzia do palmito. Leonardo também contou para os deputados que, no ano passado, caçou dois porcos-do-mato, duas cotias, 10 tatus, 10 gambás e cinco macucos - pássaro raro, ameaçado de extinção. O caçador, que morava na mesma rua do ambientalista assassinado, cursava a 3ª série do ensino básico no Colégio Estadual Lírios e tem uma irmã de 24 anos.

- A todo tempo ele falava que só ficaria preso seis anos, mas ficou muito nervoso e começou a chorar quando falamos que a pena poderia ser de até 24 anos. Parecia estar encobrindo alguém - conta Carlos Minc.

Segundo o deputado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pediu aos integrantes da comissão da Alerj que elaborem um relatório com denúncias sobre grupos de palmiteiros e caçadores. De acordo com Minc, através de informações de ambientalistas, já foram identificados os nomes de Edinho Palmiteiro, Português de Xerém e Zé da Cerâmica da Posse, todos envolvidos com palmiteiros e caçadores.

O deputado estadual Alessandro Molon, da comissão de Direitos Humanos, esteve reunido com policiais federais durante toda a tarde.

- Tenho a convicção de que o caso não se encerra com a prisão desse rapaz - afirma.

JB, 26/02/2005, p.A13, Cidade
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