Recriando as roças na Amazônia

OESP, Especial, p. H4 - 05/06/2010
Recriando as roças na Amazônia
Ribeirinhos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma aprendem a plantar sem emitir CO2; técnica é chamada de permacultura

Karina Ninni*
Especial para O Estado

Ensinada por um expert iraniano, uma técnica milenar usada por povos como os astecas pode ajudar ribeirinhos da Amazônia a emitir menos gás carbônico com queimadas na mata para plantar alimentos. A empreitada multicultural aconteceu este mês, quando 32 alunos de 14 comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma (AM), a 227 quilômetros de Manaus, tiveram aulas de permacultura, sistema integrado de uso de recursos naturais.
O termo permacultura foi cunhado pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren nos anos 70. O plantio de alimentos representa só uma parte do sistema, que no fundo é uma técnica ancestral de observação e cópia da natureza. "Desenhamos o terreno de forma que o agricultor gaste o mínimo de energia para obter o máximo de retorno", resume o iraniano Ali Sharif, ex-aluno de Mollison, que passou uma semana na reserva, mantida pela ONG Fundação Amazonas Sustentável (FAS). "Em vez de limpar as áreas com queimadas e cultivar só um produto, ele tem um mosaico de culturas. Não se queima nada. Derruba-se a capoeira e o plantio é feito no meio da matéria orgânica."
Durante o curso, os ribeirinhos dividiram a área do Juma em cinco zonas. A zona zero é a casa do agricultor. Na zona 1 ficam horta, plantas medicinais e a caixa d'água. A zona 2 abriga um pomar e a criação de pequenos animais; a 3 foi reservada para o plantio de alimentos e a criação de animais maiores. A zona 4 é dedicada ao extrativismo e a 5 é de floresta, usada apenas para a extração de sementes.
Na zona 3, Sharif e os alunos delimitaram um quadrado de roçado de 65 por 65 metros em seis faixas iguais, na comunidade de Boa Frente. Ali, intercalaram cultivos de mandioca com os de frutas como laranja e até urucum.
"A queima acaba com o solo e o lavrador tem de fazer rodízio entre roçados. Quando volta ao primeiro roçado, a colheita já é 50% menor. Na permacultura, planta-se anos num só lugar", diz João Soares Araújo, instrutor da Fundação Daniel Efraim Dazcal, parceira do Instituto de Permacultura do Amazonas.
"Eu achei interessante. Em casa temos mais de dez locais de roçado, um distante do outro", disse Denise Brasão de Almeida, de 18 anos, uma das alunas. Outros ribeirinhos encararam a técnica com resistência. "Nossos roçados têm 50 por 30 metros. É pouco para a permacultura. Vamos ter de aumentar o espaço da roça", disse Luana Valente, de 20, que frequentou as aulas com os filhos pequenos Gabriel e Samuel. "Acho que, pelo menos com a mandioca, não dá certo plantar assim", afirmou Marco Antônio Campos, de 34, morador da comunidade Marepaua.
"Na permacultura, a mandioca tem uma produtividade 90% maior, porque as perdas com chuvas e erosão são menores. Só que, no primeiro ano do cultivo, o trabalho é grande", explica Messias Gomes Brasil, que há cinco anos utiliza a técnica em Boa Vista do Ramos (AM).
Para o diretor-geral da FAS, Virgílio Viana, a permacultura implica mudanças culturais. "O sistema de corte e queima é uma tradição de longa data. Não se muda isso em uma semana."
* Karina Ninni viajou a convite da Fundação Amazonas Sustentávl (FAS).

http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,recriando-as-rocas-na-amazonia,561313,0.htm


Um dissidente iraniano na floresta

Karina Ninni

O iraniano Ali Sharif, de 57 anos, foi preso durante a Revolução Islâmica. Escapou do cárcere numa fuga em massa que deu origem a um best-seller. Vagou por diversos países até se fixar em Manaus, onde fundou, em 1997, o Instituto de Permacultura do Amazonas (IPA). É considerado o precursor da técnica no País.
"Em 1984 fiz nos Estados Unidos um curso de permacultura com Bill Mollison, que mudou minha vida. Quando terminou, ele disse: "Bem, o que você quer fazer com isso agora?" E eu disse: "Faço o que você mandar"."
O professor pegou um mapa e foi listando os locais onde já existiam polos de divulgação da técnica. A América Latina ainda não tinha nenhum. "Então eu decidi sair dos EUA. Mas essa é a parte fácil. Difícil foi chegar lá."
Sharif pede licença para uma digressão. Conta que se formou em História na Inglaterra e voltou para o Irã em 1974. Viu-se em apuros com a revolução que derrubou o governo em 1979. "Fiquei dez meses na cadeia. Escapei na maior fuga da história, descrita no livro On the Wings of an Eagle (Nas Asas de uma Águia)", conta. "Fugi para a Europa. Depois entrei nos EUA pelo México, passando por Tijuana."
O iraniano errante viveu de 1994 a 1998 no Equador, onde fundou a primeira unidade de permacultura da América do Sul. Depois seguiu para o Peru e a Guatemala. "Minha primeira visita ao Brasil foi em 1996. No ano seguinte voltei, chamado pelo pessoal do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Eles me perguntaram que objetivos eu tinha. Disse que queria colocar um centro em cada ecossistema brasileiro", diz, referindo-se à Amazônia, ao Cerrado, ao Pantanal, à caatinga, à mata atlântica e aos pampas. Sharif já instalou unidades em Manaus, Pirenópolis (GO), Bagé (RS) e Salvador. "Hoje há muitas instituições trabalhando com permacultura, porque ela transforma problemas em soluções."
O iraniano valoriza as raízes indígenas da técnica. "Quando Cortez invadiu a Cidade do México, toda a comida que abastecia 1 milhão de astecas era produzida na cidade mesmo, com adubo humano." Para Sharif, a monocultura extensiva só resiste porque é subsidiada. "O Amazonas importa 65% da comida que consome porque é mais barato do que produzir. Não faz sentido".

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100605/not_imp561834,0.php

OESP, 05/06/2010, Especial, p. H4

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