RELATÓRIO

Fumdham-São Raimundo Nonato-PI - 11/02/2005
Resultado das audiências que Niède Guidon teve com os Ministros da Cultura, do Turismo, do Meio Ambiente e Presidentes do IBAMA, do IPHAN e do INCRA:

Foi exposta a situação do Parque Nacional Serra da Capivara, e as invasões que estão ocorrendo, na periferia do Parque e na área que deveria ser um corredor ecológico, por recomendação da UNESCO quando da avaliação do pedido do governo brasileiro para que os Parques Nacionais Serra da Capivara e Serra das Confusões fossem reconhecidos como sítios do Patrimônio Natural da Humanidade.

Foram apresentadas fotografias que demonstram que:
- o assentamento da Fazenda Lagoa, denominado Novo Zabelê, que recebeu os posseiros e proprietários que antes ocupavam áreas na Serra da Capivara, criado há cerca de 8 anos, não resultou em nenhuma mudança sócio-econômica para os assentados. Seus moradores criam problemas para a preservação do Parque Nacional Serra da Capivara, caçando, desmatando além dos limites permitidos e ateando incêndios que destruíram flora e fauna de toda a planície e a encosta da serra e os sítios arqueológicos do entorno imediato do Parque Nacional. Não havia nenhuma plantação até o mês de dezembro de 2004;

- já houve invasões, desmatamentos e queimadas nas áreas da Serra Branca e Serra Vermelha, e na área entre os dois parques, onde o INCRA e o MMA estão programando instalar dois grandes assentamentos.

Foi relatado que vigilantes do IBAMA e repórteres testemunharam que:

- a região do Boqueirão Grande, onde se encontrava a maior biodiversidade de todo o Nordeste, já está sendo invadida e desmatada;

- sítios arqueológicos, com pinturas rupestres, estão sendo destruídos.

Foi feita uma síntese do trabalho realizado pela FUMDHAM e IBAMA na Serra da Capivara:

- um estudo feito por técnicos da Itália, França e do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento permitiu definir que na região, em razão do tipo de solo e do clima irregular, com períodos longos de seca, somente apicultura e turismo são economicamente rentáveis e permitem o desenvolvimento auto-sustentado;

- com base nessa conclusão, a FUMDHAM fez um empréstimo junto ao BID e introduziu a apicultura racional na região. Hoje, o Piauí é o maior exportador de mel do Nordeste e a área do Parque Nacional conta com diversas empresas que produzem e/ou comercializam o mel;

- a FUMDHAM fez realizar um estudo para definir o programa de desenvolvimento turístico e para avaliar a viabilidade econômica do mesmo e a capacidade de atração que a região pode alcançar. O resultado indicou que seria uma atividade auto-sustentável, capaz de oferecer trabalho e de mudar o quadro sócio-econômico de todo o entorno dos Parques. Quando todos os projetos estiverem realizados e a infra-estrutura completada, quando o aeroporto estiver pronto e os hotéis construídos, a região terá capacidade de atrair de 3 a 5 milhões de turistas/ano. Um fator importante, salientado pelos técnicos, é que a pesquisa deveria prosseguir, pois seus resultados são uma garantia da manutenção do interesse público. Foi decidido que manter todo o acervo proveniente das pesquisas em um Museu, na região, aumentaria os atrativos turísticos e que a criação de um centro dedicado à educação e pesquisa, de nível internacional, completaria o quadro, atraindo pesquisadores e alunos de todo o mundo;

- utilizando os dados da análise feita, a FUMDHAM iniciou a fase de captação de recursos e,desde então, foram investidos na região cerca de 20 milhões de dólares, provenientes do BID, governo da França, governo da Itália, de doadores particulares, de doações de empresas privadas e empresas estatais, e de diferentes instituições do Governo Federal (IBAMA, IPHAN, BNDES, Ministério da Cultura, FNMA, FINEP, CNPQ);

- esses investimentos resultaram na construção de uma infra-estrutura que fez do Parque Nacional Serra da Capivara o melhor Parque da América do Sul. O sistema de trilhas turísticas e sítios arqueológicos preparados para a visitação é, hoje, o maior e melhor do mundo. Um palco ao ar livre foi construído e criamos o Festival Internacional Serra da Capivara, que se repetirá anualmente. O Museu do Homem Americano é o melhor e mais moderno das Américas. Seus laboratórios estão entre os mais modernos e bem equipados do mundo. Em 2004, a Universidade Federal do Vale do São Francisco criou o curso de graduação em arqueologia e conservação do patrimônio, e vai construir um campus na cidade de São Raimundo Nonato. Foram ministrados cursos para formar a mão de obra local, para atividades turísticas e para a pesquisa;

- paralelamente, a FUMDHAM investiu no turismo, comprando terras, instalando criadouros de animais para repovoar o Parque Nacional, elaborando projetos para construir e instalar um parque temático pré-histórico, Arkeópolis, que seria único no mundo. Estes trabalhos foram realizados com financiamentos do BNB e recursos próprios de diretores da Fundação e abriram mais uma série de postos de trabalho. Previa-se que a renda a ser gerada por esses empreendimentos seria utilizada para: manejar e proteger o Parque Nacional, manter os trabalhos de pesquisa, manter os programas educacionais e de formação técnica da FUMDHAM, preservar os sítios arqueológicos, manter o Museu do Homem Americano e assegurar a conservação de seu acervo, propriedade da nação brasileira;

- depois de um desastroso início, em 1998, as obras do aeroporto foram retomadas em 2004, com financiamento do Ministério do Turismo. O Governador do Piauí anunciou que o mesmo será inaugurado em 2005.

O ano de 2005 veria, então, o início das obras dos hotéis e de Arkeópolis e a realização do terceiro Festival Interartes Serra da Capivara. Mas por volta de outubro de 2004, Niéde Guidon começou a ver pessoas desmatando áreas próximas ao limite do Parque Nacional, na faixa de preservação permanente do mesmo. Avisou o IBAMA, que explicou que o INCRA havia iniciado um cadastramento para regularizar a situação de famílias que haviam invadido a área, há cerca de 15/20 anos. E que, ao saber disso, muitos dos profissionais da invasão, haviam começado a desmatar, para se candidatar a receber os benefícios que o orgão distribue entre os assentados. Os vigilantes do IBAMA faziam parar os desmatamentos, mas no dia seguinte os mesmos recomeçavam.

Em novembro, Niéde Guidon procurou os responsáveis da força tarefa do INCRA para pedir que não deixassem novos invasores entrar na área. Recebeu a resposta de que já haviam sido cadastradas 700 famílias e que somente essas seriam assentadas. Ela disse que conhecia a região, onde trabalhava há trinta anos e que não havia mais do que 200 famílias em toda a área. Pediu uma cópia da lista dos nomes das pessoas que seriam assentadas e isso lhe foi negado.

Daí para hoje, as invasões aumentaram e barracas de plástico e casebres de madeira foram instalados por toda parte.

A propriedade da empresa Fonteneli, começou a ser invadida. Por esta razão, Niéde Guidon expôs às autoridades o seguinte:



- há cerca de 20 anos, o governo do Estado do Piauí, "doou" terras nessa área para empresas do Ceará, de Pernambuco e do Piauí. Essa doação foi ilegal, porque não houve lei da Assembléia Legislativa autorizando o ato. Mas essas empresas obtiveram em um cartório da região o título de propriedade dessas terras. Uma delas desmatou cerca de 18.000 hectares, na APP do Parque Nacional Serra da Capivara e plantou caju. Colhia somente as castanhas, enviadas para o Ceará para serem beneficiadas. Plantio e manutenção sempre foram feitos com trator. As outras empresas desmataram milhares de hectares, construíram um galpão e nunca produziram nada. Todas essas empresas foram financiadas pela SUDENE, mas os recursos nunca foram aplicados na região. Quando a SUDENE fechou, desapareceram até os caseiros que viviam nessas propriedades. Os cajus já estão morrendo, tudo foi desativado. Qual será o fim feliz para essas empresas que já extorquiram, durante anos, os recursos públicos? Ser invadidos e ter suas terras compradas pelo INCRA para aí assentar os sem-terra? No Nordeste - onde a terra exaurida pelas queimadas anuais, pelo sol e pela irregularidade das chuvas, não vale nada, não produz nem para cobrir os impostos, a maior benção para os proprietários é ver suas terras comprada pelo INCRA. Uma CPI sobre as compras que o INCRA realizou no Nordeste, se não terminasse em pizza, poderia trazer de volta aos cofres públicos muito dinheiro mal empregado;

- mostrou um contrato assinado entre um dos assentados do Novo Zabelê e uma empresa. O assentado se compromete a plantar mamona e a vender para a empresa em questão, estando fixados prazos e preços. Em todo o Piauí agora somente se fala na mamona e no bio-diesel que vai acabar com a miséria no Nordeste. Repete-se a novela do Pró-alcool! As terras estão sendo devastadas e, em 10 anos, as grandes empresas irão desmatar e utilizar a mão de obra barata, mais para oeste, e a população local vai ser dona de terras em via de desertificação. E o desmatamento e implantação de lavouras de mamona na área que seria o corredor ecológico inviabiliza este último e vai terminar com a produção de mel orgânico na região;

- demonstrou que é absolutamente ilógico o governo federal elaborar projetos para assistir a população nordestina, alegando que a seca os faz passar fome, decidir fazer a transposição do rio São Francisco, alegando que a falta de água é a origem da miséria do Nordeste, e depois decidir instalar mais agricultores em plena área seca, onde não vai chegar a água do rio São Francisco;

- é patético o governo federal ter gasto para criar um centro turístico de nível internacional e depois permitir que favelas se instalem em todo seu entorno;

- que a FUMDHAM, em parceria com o IBAMA, a EMBRAPA e o governo do Piauí, poderia regularizar a situação de todos os posseiros do entorno dos dois parques, ensinando a cultivar cactos e plantas de alto valor econômico, preparando-os para o mercado de trabalho a ser aberto pelo turismo. Ensinado-os a viver melhor, a educar seus filhos, a deixar a miséria e se transformar em produtores com uma qualidade de vida digna. Um assentamento que seria, como tudo o que fizemos até hoje, um modelo. Como o INCRA anunciou que tinha muito dinheiro para fazer esses assentamentos, recursos que o GEF repassaria para o Ministério do Meio Ambiente para o desenvolvimento sustentável, sugerimos que esses recursos não sejam entregues diretamente aos assentados ou sejam utilizados para construir mais casas sórdidas e alinhadas, mas que sejam entregues ao consórcio formado pelos organismos acima citados, para que se forme um núcleo de desenvolvimento realmente auto-sustentado. Pedimos que uma comissão técnica integrada pelos ministérios do Meio Ambiente, do Turismo, da Cultura e do Desenvolvimento Agrário se reunisse conosco e com o IBAMA, na área do Parque Nacional Serra da Capivara para tomarmos uma decisão final.

Como conclusão final tivemos:

- no Ministério do Meio Ambiente a decisão é de que vão continuar a programar os dois assentamentos, juntamente com o INCRA, mas que serão estabelecidas normas severas para que os assentados não cacem, não desmatem tudo, não destruam os sítios arqueológicos, não cerquem todos os terrenos impedindo a livre circulação dos animais entre os dois Parques. Mas não fica definido quem vai garantir a obediência a essas interdições;

- O Ministro Mares Guia é de parecer que não se pode desenvolver o turismo se a região for servir para assentamentos e plantações. Disse estar investindo em um aeroporto e uma estrada asfaltada ligando os dois parques e nada disso vai servir, se houver os assentamentos. Disse ter a possibilidade de financiar a formação de pessoal para as atividades turísticas;

- O Ministro Gilberto Gil também é de parecer que a região, pela sua riqueza em sítios arqueológicos, pela seca, por ser região de caatinga, não pode ser utilizada para assentamentos. De acordo com o Presidente do IPHAN, decidiu que será preparado um pedido ao Presidente da República para que o mesmo ordene a criação de uma comissão técnica dos quatro Ministérios envolvidos, para que a mesma trabalhe sobre a questão e indique uma diretiva única. Cabe ao governo federal decidir qual a vocação daquela área e qual o projeto de desenvolvimento será aplicado: ou o turismo, o ensino superior, a pesquisa, ou os assentamentos e a reforma agrária. Isso será feito logo após os feriados do carnaval.

Niéde Guidon sugeriu que, no caso da área ser mesmo dedicada aos assentamentos, seja solicitado o apoio técnico da França, para que todos os blocos rochosos com pinturas e gravuras sejam recortados e transportados para um Museu a ser designado pelo MINC, que deve também decidir para onde irá o acervo do Museu do Homem Americano. Assim esse patrimônio mundial será preservado.

Estes resultados foram comunicados à UNESCO que está acompanhando os acontecimentos com apreensão e que aguarda a decisão do governo brasileiro.
(-Fumdham-São raimundo Nonato-PI-11/02/05)
UC:Parque

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