Sem investimento, áreas protegidas são desperdiçadas

FSP, Turismo, p. F2, F4-F5, F8 - 25/05/2006
Sem investimento, áreas protegidas são desperdiçadas
Salvo exceções, como Iguaçu, que recebe 1 mi de visitantes por ano, muitas reservas estão abandonadas

DA REDAÇÃO

Iguaçu, Itatiaia, Tijuca. Esses são alguns dos 60 parques nacionais brasileiros, dos quais 23 acolhem oficialmente visitantes. E, entre os "fechados" à visitação, estão Chapada Diamantina e Jericoacoara, freqüentados não oficialmente, sem taxa de entrada.
Segundo decreto de 1979, parques nacionais são áreas "dotadas de atributos naturais excepcionais, objeto de preservação permanente".
Com poucos funcionários, vários carecem de estrutura para receber o ecoturista. Nem todos têm plano de manejo e recebem 1 milhão de pessoas por ano, como o do Iguaçu.
O parque mais antigo é o de Itatiaia, na divisa de Rio, São Paulo e Minas. Com um décimo das visitas do parque do Iguaçu, receberá R$ 3,5 milhões de compensações ambientais (dinheiro de empresas que causaram danos ao ambiente)
Criado em 1937, mais de 50 anos após o primeiro parque norte-americano -Yellowstone, de 1875-, o Itatiaia surgiu na era Vargas. Dois anos mais tarde foi a vez do Iguaçu. Embora o turismo ecológico seja um dos que mais cresçam no Brasil, ainda há uma longa trilha para a exploração dessas áreas. O exemplo vem da Costa Rica, país com o tamanho da Paraíba, relativamente perto dos EUA, onde 23 parques geram US$ 6 milhões de bilheteria anualmente, e o turismo movimenta US$ 1,5 bilhão.
"Os parques brasileiros estão, na sua grande maioria, abandonados", afirma Maria Tereza Jorge Pádua, consultora da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do Sesc Pantanal (leia na pág. F4).
Confira nesta edição de Turismo características dos dois parques brasileiros pioneiros.


Para ambientalista, brasileiros não são amigos de parque
Maria Tereza Jorge Pádua diz faltar propaganda e plano de manejo, que possibilitem mais visitação

MARGARETE MAGALHÃES
DA REDAÇÃO

Os brasileiros visitam pouco seus parques por falta de propaganda e porque eles não estão implementados. "Os brasileiros ainda não são amigos dos parques." Essa é a opinião da engenheira agrônoma e preservacionista Maria Tereza Jorge Pádua, que trabalha há mais de 40 anos com parques nacionais. Pádua conhece os dois lados da moeda. Trabalhou no serviço público, no antigo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), de 1968 a 1981, e foi presidente do Ibama em 1992. Leia entrevista concedida à Folha.

FOLHA - Qual é a função de um parque nacional?

MARIA TEREZA JORGE PÁDUA - O objetivo precípuo de um parque nacional é proteger amostras de ecossistemas naturais, com toda a sua biodiversidade, não ou pouco alterados, importantes e relevantes no nível nacional, para fins de pesquisas científicas, educação ambiental e turismo ecológico. Para que uma área seja declarada parque nacional, precisa ser de bom tamanho para proteger a biodiversidade que encerra, e os ecossistemas devem ser naturais e abranger belezas cênicas relevantes para comportar a visitação pública. Sua criação é feita por decreto do presidente, e suas terras têm de pertencer ao poder público.

FOLHA - Por que no Brasil apenas 23 estão abertos à visitação?

PÁDUA - Porque não estão implementados. Isso quer dizer que muitos (50%) deles ainda carecem de regularização fundiária e 60% não possuem sequer planos de manejo. Tampouco têm infra-estrutura turística e funcionários para manejá-los adequadamente. Não têm recursos sequer para combustíveis e carecem de equipamentos básicos, como carros, rádios, computadores e material de escritório.

FOLHA - Por que os brasileiros visitam tão pouco seus parques?

PÁDUA - Porque não estão implantados. Porque não há suficiente propaganda. Muitos são bem visitados, como Iguaçu, Lençóis Maranhenses, Fernando de Noronha, Itatiaia, Serra dos Órgãos e Sete Cidades, entre outros. Mas, em geral, o brasileiro não sabe bem o que é um parque nacional e quer muito conforto, o que nem sempre é possível em áreas naturais remotas. Os brasileiros ainda não são amigos dos parques.

FOLHA - Como o governo tem tratado seus parques?

PÁDUA - Mal, muito mal. Estão, na sua grande maioria, abandonados. O orçamento é o pior das três últimas décadas, e estão sendo propiciadas invasões e toda sorte de degradação, devido ao abandono, à falta de funcionários no campo e de recursos financeiros.

FOLHA - Quais modelos de parque funcionariam para o Brasil?

PÁDUA - O turismo é a atividade que mais cresce no mundo e, dentro dele, o ecoturismo. Os parques enriquecem a região onde estão e o turismo nacional, pois os visitantes gastam com passagens, combustíveis, hotéis, equipamentos etc. Assim, são, em alguns países, a indústria mais rentável, como Costa Rica, Quênia, Tanzânia e Botsuana, entre outros. O Brasil tem vários modelos de área protegida que funcionam muito bem, como o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), o Iguaçu, a RPPN do Sesc no Pantanal mato-grossense. Temos bons modelos, não precisamos copiar ninguém.


OUTRO LADO
Ministério quer triplicar visitantes

DA REDAÇÃO

Mauricio Mercadante, diretor de Áreas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, afirma que o governo planeja aumentar as visitas aos parques, nos próximos três anos, de 2,8 milhões para 10 milhões.
Nos últimos três anos, o Ministério do Meio Ambiente criou mais de 15 milhões de hectares de novas unidades de conservação e "vem dando atenção à gestão das unidades já existentes", diz o diretor. Segundo Mercadante, "o Ibama dispõe hoje de R$ 280 milhões gerados pela compensação ambiental para investir nos parques e em outras unidades de conservação". Com os recursos, o órgão está criando um programa para aumentar o número de turistas: "O Ibama vai qualificar a estrutura de visitação em 22 parques".


Itatiaia faz 70 anos e enfrenta desafios
Com áreas em estado precário, reserva recebeu R$ 3,5 milhões para melhoria de sua infra-estrutura

DA REPORTAGEM LOCAL

O Parque Nacional de Itatiaia completa 70 anos em 2007 e pela primeira vez em décadas receberá R$ 3,5 milhões de investimentos para melhorar a infra-estrutura básica da área de quase 30 mil hectares, que poderia ser mais bem aproveitada pelo visitante se houvesse melhor sinalização e trilhas em condições de uso.
O desafio é "recuperar e modernizar" o parque, afirma Walter Behr, chefe do primeiro parque nacional brasileiro -à frente do Itatiaia desde 2005.
O programa foi lançado pela ministra Marina Silva no dia 12 de abril e será finalizado até 14 de junho de 2007. Investimento proveniente de recursos de compensações ambientais, R$ 2,5 milhões serão destinados para a renovação da infra-estrutura básica, o que significa pintura, recuperação das partes hidráulica e elétrica, compra de equipamentos e mobiliário, troca do telhado. Uma faxina total na sede do parque e no centro de visitantes.
"Há muito tempo não há uma reforma. Décadas, eu diria, sem revitalização e modernização da estrutura", diz Behr.
O restante, R$ 1 milhão, será dividido entre a sinalização e o material de divulgação (R$ 500 mil) e uma segunda etapa da revitalização do acervo e da exposição do centro de visitantes.
"A idéia é que o processo de revitalização dê as condições para que o parque possa começar a se organizar."
Segundo Behr, investimentos em parques têm retornos econômico, social e ambiental garantidos. "Países que descobriram isso, como Costa Rica e Equador, se deram bem."
Na parte baixa do parque, a mais visitada e com entrada em Itatiaia (RJ), com cerca de 80 mil visitas anuais, há duas ou três cachoeiras atualmente que têm acesso para visitantes. Também há um museu e um auditório, que precisam de reforma. Na parte alta, com portaria em Itamonte (MG), faltam sinalização e revitalização das trilhas.

Modelo
"O parque tem todas as condições de ser um parque-modelo, um parque de ponta no Brasil", diz Behr.
Embora o chefe de Itatiaia não tenha a pretensão de ter um parque no nível dos norte-americanos, para ele, há exemplares na América Latina muito bem estruturados, como o Galápagos, no Equador, o Torres del Paine, no Chile, e os parques na Costa Rica.
O parque chileno, segundo Behr, passou de 8.000 visitantes por ano para 80 mil em uma década após planejar um sistema de travessia, no qual o turista pode pernoitar no trajeto e atravessar uma região.
Em Itatiaia, hoje não há condição de abrir trilhas de travessia. "Temos que arrumar o que está aberto. O famoso Abrigo Rebouças está num estado lastimável", diz Behr. (MM)

Quedas deslumbram olhos em Foz do Iguaçu
Número de visitantes aumentou 42% entre 2002 e 2005, de cerca de 765 mil para mais de 1 milhão

GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM FOZ DO
IGUAÇU (PR)

O trajeto de 1,5 km pelo chão de concreto, úmido mesmo em dias mais secos, em seu leve declínio vai se moldando ao abismo, com visão panorâmica para a imensa cortina de água das cataratas do Iguaçu, a maior do mundo, em extensão. Descendo por ele, ouvem-se o rufar das quedas, o som de animais, pássaros e, principalmente, sente-se o cheiro de mato.
Em determinado ponto, sobre uma ponte de madeira, os respingos se avolumam e viram nuvens, encharcando grupos de turistas, gente vestida dos pés à cabeça.
De todo o aparato turístico criado em torno do Parque Nacional do Iguaçu, essa trilha para as cataratas continua sendo o ponto fundamental, motivo para deslumbrar os olhos de centenas de milhares de turistas que passam lá anualmente.
Mas ao fenômeno visual das quedas hoje acrescenta-se uma lista de passeios de barcos, bicicleta, jipes e até helicóptero, num clima de falsa aventura que às vezes faz lembrar os rituais de parques aquáticos, com grupos conduzidos por guias, romantizando a adrenalina de uma volta em bote inflável ou de uma pegada de onça-pintada no concreto.
O Parque Nacional do Iguaçu, fundado em 1939, se equipou para receber melhor seus turistas e reverter a queda no movimento sentida desde o final dos anos 90. A implementação, por meio de parceria entre o Ibama e concessionárias, de atividades ligadas aos recursos naturais da região, como safáris e rapel, e uma estratégia mais afinada de divulgação do destino pelas Secretarias Municipal e Estadual de Turismo deram resultado: de 2002 para o ano passado, o número de visitantes que passaram pelas cataratas cresceu 42%, de 764.709 para 1.084.239. Estrangeiros dão volume ao grupo: 57.626 espanhóis, 38.199 norte-americanos e 22.638 ingleses estiveram no parque em 2005.
A melhoria se faz notar para quem não passa pelo parque há mais de quatro anos. No fim da passarela principal foi instalado um elevador com vista panorâmica; a pouco metros dali, um deque ambienta os entornos de uma praça com restaurante, lojas, postos de informação e um cyber café, no ponto mais alto das quedas; o pouso do vôo de helicóptero foi retirado de dentro da área de proteção ambiental, por conta do impacto do barulho das hélices; cinco passeios realizados pela mesma empresa, a Macuco Ecoaventura (www.macucoecoaventura.com.br), possibilitam visitas a lugares do parque antes pouco explorados; e o sistema de transporte agora adota ônibus circulares de dois andares e não-poluentes.
A impressão é que a administração passou por uma espécie de amadurecimento. Além dessa estrutura, as estratégias educativas implementadas pelo Ibama, por meio de placas e panfletos, parecem funcionar: não se vê sinal de lixo deixado por turistas, o que nos anos 90 era comum, e dificilmente alguém alimenta um animal.
O quati, uma espécie de roedor, por exemplo, pode ser visto por toda a região das cataratas e chega tão próximo dos turistas que, conta-se por lá, já roubou a carteira de couro de uma mulher inglesa.
Com seu jeito molengo, o quati é o símbolo do parque. Faz as vezes de mestre-de-cerimônias, celebrando um ponto de equilíbrio, hoje visível, entre a exploração do turismo e a preservação da natureza.

FSP, 25/05/2006, Turismo, p.F2, F4-F5, F8
UC:Parque

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