Servidores enfrentam sol, chuva, doenças e até ameaças de morte para proteger reserva biológica em Rondônia

ICMBio - www.icmbio.gov.br - 15/08/2008
Durante mais de dois anos, eles enfrentaram todo tipo de adversidades - dormiram no meio do mato, andaram a pé longas distâncias sob sol ou chuva e correram riscos de contrair doenças. Encararam até ameaças de morte. Tudo para realizar uma das operações mais bem sucedidas na defesa das unidades de conservação federais: retirar do interior de uma reserva biológica (Rebio) em Rondônia cerca de três mil cabeças de gado de pecuaristas da região, que faziam do local um imenso pasto. Apesar das dificuldades, eles venceram. Hoje, a reserva está praticamente livre dos bois que destruíam a rica biodiversidade amazônica.

Eles são os integrantes da equipe da Rebio Jaru, um grupo de servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação que, longe da burocracia e dos gabinetes refrigerados de Brasília, cumprem com seriedade e dedicação a sua missão ambiental e social. Nesta entrevista, o chefe da Rebio, o biólogo e analista ambiental Juliano Rodrigue Oliveira, e a sua colega de equipe Simone Nogueira dos Santos, geógrafa e também analista ambiental, contam em detalhes como se deu todo o processo de retirada dos bois que punham em risco a integridade da reserva.

Como foi o trabalho? Essa operação teve um nome? Quando começou?

Na verdade, não há um nome formal porque não se trata de uma operação no sentido clássico, mas de uma etapa de uma atividade contínua que se seguiu ao processo de ampliação da unidade e que faz parte dos esforços pela regularização fundiária da Rebio Jaru. E não há uma data precisa. O trabalho começou em maio de 2006, estendeu-se pelos últimos 27 meses e ainda está tendo continuidade. A retirada do gado está ocorrendo desde meados de junho passado e deverá terminar até o final deste mês de agosto.

Qual o principal objetivo desse trabalho?

O objetivo principal é a retirada do gado bovino introduzido nos últimos dez anos na Rebio Jaru. Esse rebanho chegou a cerca de 2.800 a 3000 cabeças, de diversos proprietários.

Qual a abrangência?

A área ampliada da Rebio Jaru (Título Definitivo Bela Vista). Essa área de 60 mil hectares estava invadida em diversos pontos, com uso extensivo de pastagens, plantações de café e arroz totalmente irregulares. Cerca de 30 famílias moravam no local, sendo que a metade delas foi remanejada para assentamento do Incra ou para uma reserva extrativista estadual. Cerca de três famílias ainda moram no local e o restante abandonou a área por iniciativa própria.

Quais foram os resultados alcançados, apreensões, multas aplicadas, embargos?

Foram localizadas 42 pessoas, das quais 28 delas já não possuíam gado na unidade. Foram lavrados 24 autos de advertência e 24 notificações.

Como as equipes de fiscalização agiram ao longo do período em campo? Quantos fiscais e analistas envolvidos foram envolvidos? Como permaneceram instalados?

O trabalho vem se desenvolvendo ao longo dos últimos dois anos, quando foi decretada a ampliação da unidade. Neste período, foi instalada barreira fixa na entrada da principal via de acesso ao TD Bela Vista, a fim de prevenir a ocorrência de crimes ambientais em toda a área pertencente à Rebio Jaru. As equipes se revezam na barreira, sendo compostas de quatro policiais militares ambientais e dois a quatro servidores da unidade (analistas e/ou técnicos), que dormem em barracas, com diversos casos de malária, leishmaniose, risco de acidentes com serpentes, etc. Nem sempre é possível contar com analistas ou fiscais, dependendo do rodízio da equipe, de outras demandas da unidade e do trabalho que estiver sendo feito na barreira.

Como foram as articulações, a preparação?

Especificamente neste trabalho de retirada, foram realizadas reuniões envolvendo a Gerencia Executiva do Ibama em Ji-Paraná e a Rebio Jaru, a fim de definir claramente qual seria o procedimento mais adequado para a retirada do gado. Após dois anos de exaustivas reuniões, inclusive com os proprietários do gado, a equipe optou por notificá-los, dando prazo para retirada dos animais, bem como a lavratura de auto de advertência a fim de tipificar o crime ambiental que estava sendo cometido. Foram listadas pela Agência de Defesa Sanitária Agrossilvopastoril do Estado de Rondônia (Idaron) e equipe da Rebio Jaru 42 pessoas que teriam gado na unidade. Após diligências efetuadas pelos servidores, foi constatado que 28 indivíduos já não possuíam animais dentro da UC. Assim, o trabalho foi centralizado nos 24 proprietários que foram um a um notificados e advertidos. Este trabalho foi muito difícil, pois não tínhamos dados concretos da localização dos autuados, o que obrigou os servidores a percorrer os municípios de Ji-Paraná, Ouro Preto D’Oeste, Vale do Paraíso e Machadinho do Oeste. Nesta fase, houve algumas ameaças veladas.

E após o vencimento do prazo para a retirada do gado, o que vocês fizeram?

Após o vencimento do prazo, os animais foram sendo retirados. Foi disponibilizada uma balsa para a travessia dos animais, cuja operação também ficou a cargo da equipe da unidade. Uma parte dos autuados vendeu o gado para frigoríficos ou outros produtores e outra parte o levou para outros pastos da região. Nesta etapa houve vários momentos de tensão, com a presença de vaqueiros, posseiros e muito gado nas proximidades do acampamento dos servidores da unidade. Os autuados impetraram mandado de segurança para tentar impedir a retirada do gado, mas tiveram seu pedido indeferido pelo Juizado Federal em Porto Velho, após contradita da unidade no processo.

Quais as principais dificuldades encontradas? Como elas foram superadas?

Enfrentamos todo tipo de dificuldades - ameaças explícitas e veladas por parte dos invasores; doenças e intempéries, pois as equipes permaneceram 24 horas por dia em acampamento sem as devidas condições, favorecendo a ocorrência de acidentes e doenças causadas por diversos tipos de insetos e animais peçonhentos ou não; dificuldade de manter as outras atividades da unidade, como apoio à pesquisa, educação ambiental e outras rotinas de fiscalização. Mas, embora tivéssemos tidos essas e outras dificuldades, os resultados que alcançados nos mostram que fomos vitoriosos quanto aos nossos objetivos.

No caso do gado apreendido, qual a destinação dada até o momento? Ou que será dada?

Felizmente, não foi necessário fazer a apreensão do gado. Se fosse, a proposta da Dijur de Porto Velho era de venda e depósito em juízo do valor da venda extrajudicial.

Como era a situação antes da operação? Está tudo sob controle?

Antes, tínhamos uma extensa área invadida, com diversos danos ambientais e sem possibilidade de controle efetivo. Os prognósticos eram de que iria piorar bastante nos anos seguintes, com a destruição de habitas importantes dos igapós do rio Machado e de ecossistemas dentro da unidade. Tínhamos graves problemas de queimadas no período de agosto a novembro, quando os invasores provocavam a queima do pasto, a fim de promover a regeneração da vegetação. Essa atividade criminosa era corriqueira, provocando danos irreparáveis à unidade. O processo foi longo e com certo custo, envolvendo principalmente pagamento de diárias para policiais militares que atuaram em apoio à UC. Mas a estratégia revelou-se acertada. Mesmo após a retirada completa do gado, ainda restarão tarefas importantes, como a regularização fundiária e a eliminação das espécies exóticas ainda existentes (capim, culturas agrícolas e animais domésticos, por exemplo).

Qual a situação atual?

Estamos na fase final da retirada do gado. Dos quase três mil bovinos, restam cerca de 30, ainda espalhados na reserva, que estão sendo localizados aos poucos pelos peões contratados pelos proprietários. Até o final deste mês de agosto, não deverá haver mais nenhum no interior da unidade. Porém o trabalho na barreira deverá ter continuidade, para evitar reinvasões e controlar o trânsito das poucas pessoas que ainda restam no local. Além disso, será necessário conduzir a recuperação da área, mediante pesquisas e ações de erradicação de espécies exóticas. Administrativamente, será necessário providenciar a continuidade do processo de desapropriação da área, com a indenização das terras e benfeitorias, além da demarcação e sinalização.

Quais parceiros vocês têm a destacar?

Por fim, é justo ressaltar que o trabalho, embora realizado integralmente pela equipe técnica da Rebio Jaru, contou com o efetivo apoio em campo do Batalhão de Polícia Militar Ambiental de Rondônia, com o apoio jurídico e administrativo da Gerência e da Superintendência do Ibama e da Coordenação do Bioma Amazônia, além da orientação do Ministério Público Federal. Quanto aos recursos financeiros utilizados (diárias, combustível, material de acampamento, oficina para veículos etc), vieram quase todos do Programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia), no qual a Rebio Jaru está contemplada.

E a nova gestão do Ministério?

Dentre outros fatores do sucesso da fase final do processo, a posse do novo Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e sua política de retirada de gado de áreas protegidas foram de grande importância para a conscientização dos pecuaristas de que a retirada deveria ocorrer e seria irreversível. Aguardamos a doação de madeira apreendida pelo Ibama para a construção de um barracão no lugar do acampamento, para dar melhores condições aos servidores. No futuro pretendemos construir uma base de fiscalização.
UC:Reserva Biológica

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