Sobrevivência de um paraíso

JB, Outras Opiniões, p. A9 - 20/12/2003
Sobrevivência de um paraíso

Sérgio Ricardo M. de Almeida
Presidente da TurisRio

A Ilha Grande, no litoral Sul do Estado, é um dos maiores santuários ecológicos do país. Numa área de 193 quilômetros quadrados, em meio a cenários de rara beleza, coexistem ecossistemas de grande valor para a ciência. Essa rica biodiversidade, que ainda abriga rios e cachoeiras de águas cristalinas, é um repositório de espécies vegetais e animais. Na Ilha Grande, encontram-se ainda sítios arqueológicos com sambaquis de 3.000 anos, cujos achados continuam fornecendo pistas sobre a origem dos primeiros índios que habitaram a região. Sua preservação é, assim, vital para a integridade dos nossos sistemas ecológicos e o equilíbrio biológico da região, alem de representar campo de pesquisas científicas em várias especialidades.
Por reunir tantas belezas naturais num ponto privilegiado do litoral fluminense, esse patrimônio cedo se transformou num paraíso turístico, atraindo crescentes levas de visitantes. Como era previsível, houve uma explosiva especulação imobiliária, seguida de preocupante expansão da ocupação irregular do solo. A situação se agravaria após a abertura da Rio-Santos, na década de 1970, e a desativação do presídio no início dos anos 90. O acesso facilitado atraiu novos contingentes e desde então tem havido um crescimento incontrolável do turismo de massa. Uma das conseqüências, além da constante agressão ao meio ambiente, foi a quase extinção das antigas populações caiçaras locais, descendentes de primitivos índios e colonizadores portugueses.
No momento, ONGs, organismos ligados ao meio ambiente e a Uerj, que ali desenvolve vários pesquisas, mobilizam-se contra um projeto recentemente anunciado pela Prefeitura de Angra dos Reis propondo a construção de um complexo turístico com hotéis, marina, shopping center e restaurantes na área do presídio demolido. O projeto, no entanto, esbarra em muitos obstáculos. Para preservar esse precioso patrimônio existe rigorosa coleção de instrumentos legais. São leis específicas e complementares, com intervenções dos três níveis de governo, além de diferentes órgãos, agentes e serviços ligados ao meio ambiente e à pesquisa universitária. E uma legislação complexa e detalhista, que, por um lado, dá a necessária sustentação jurídica e amparo legal ao status protecionista e preservacionista da ilha e, de outro, conduz não raro a controvérsias e conflitos de jurisdição.
Essa legislação criou diferentes modalidades de unidades de conservação, por sua vez submetidas a diferentes categorias restritivas de ocupação e uso. Algumas tão severas, como a relativa a reservas biológicas que, aplicadas ao pé da letra, vedariam até a presença de pesquisadores. A legislação impede, por exemplo, qualquer empreendimento que interfira nos ecossistemas da ilha. No entanto, essa área de preservação ambiental, com acessos vulneráveis e precária vigilância, mesmo protegida por um verdadeiro escudo de leis e regulamentos, não está imune às agressões. Sem infra-estrutura, carente de meios de hospedagem adequados, a ilha é pouco a pouco solapada por um turismo predatório. Em toda parte, são visíveis os sinais de degradação ambiental. Nos fins de semana e, principalmente nos grandes feriados, esse paraíso transforma-se num grande acampamento que, ao se levantar, deixa atrás uma esteira de poluição e destruição.
Problemas antigos, acrescidos agora da polêmica que se prenuncia acirrada com o pretendido resort, oferecem oportunidade única para um grande debate. O turismo tornou-se a principal atividade econômica da Ilha Grande. No entanto, diante do rigor da legislação ambiental e considerando os danos que a atividade desordenada tem causado ao meio ambiente, torna-se urgente estabelecer um modelo capaz de conciliar o santuário ecológico com o paraíso turístico. A Ilha Grande tem diante de si um dilema. Tolerar o turismo predatório, que a levará inevitavelmente à ruína total, ou optar por um turismo planejado sério e responsável, que poderá significar a redenção da economia local. Haverá sensível elevação da qualidade da mão-de-obra e ampliação da geração de emprego e renda. Com os modernos recursos tecnológicos hoje empregados no manejo e controle da área ambiental, bem como as técnicas inovadoras do setor de construção civil, é possível compatibilizar idéias e objetivos aparentemente tão conflitantes.

Sérgio Ricardo Martins de Almeida é presidente da Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro

JB, 20/12/2003, Outras Opiniões, p. A9
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