Sol, praias, turistas e polemica

OESP, Cidades, p.C6 - 13/12/2004
Sol, praias, turistas e polêmica
Projeto de turismo do BNDES para Ilha Grande (RJ) agrada a caiçaras e atrai oposição de empresários e autoridades locais
Clarissa Thomé
O comerciante Elenilson de Araújo, o Mano, de 33 anos, nasceu na Praia de Japariz, na Ilha Grande. Há dez anos, virou dono de um dos cinco restaurantes do local, que funciona como ponto de parada obrigatória para os turistas que fazem passeios de barco. Há apenas 50 moradores na praia, que tem água encanada da nascente, energia elétrica e fossas sanitárias que mal atendem a quem mora ali. Na alta temporada, os cinco restaurantes chegam a receber 2.500 pessoas. Resultado: o esgoto transborda e corre a céu aberto. Os restaurantes que emolduram a praia escondem a lama preta, urubus e crianças com graves doenças de pele. "Às vezes, o cheiro fica tão forte que chega ao restaurante e o turista reclama", diz Mano. "A gente dá uma disfarçada e diz que jogaram bicho morto nos fundos."
Mano empolgou-se com o projeto apresentado no início do mês por técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em dois dias de encontro com moradores e comerciantes da ilha. O banco sugere a criação do sistema de hospedagem cama e café em pontos da ilha, permitindo aos caiçaras sobreviver do turismo, a abertura de um restaurante-escola administrado pela comunidade, para formar mão-de-obra e desenvolver a culinária local, e de um camping no Parque Estadual da Ilha Grande. Também propõe formas de distribuição do fluxo de turistas pela ilha. Além de oferecer R$ 20 milhões a fundo perdido para o saneamento ambiental - coleta de lixo, esgoto e distribuição de água.
Apesar do benefício que promete levar a moradores, o projeto de turismo inclusivo - desenvolvido pelo Instituto Virtual de Turismo (IVT), que reúne especialistas de universidades públicas -, provocou uma disputa política. A proposta esbarrou na resistência da prefeitura de Angra dos Reis, município ao qual a ilha pertence, e de donos de pousada e campings do Abraão, região que recebe 90% dos turistas. A prefeitura não só rechaça o turismo inclusivo como quer o fim da linha de barcas Abraão-Mangaratiba, o fechamento de dois terços dos campings, além de restringir o acesso à ilha.
"Vemos com reticência o turismo inclusivo. Se permitir que o ilhéu alugue o quarto, ele vai colocar beliche, vai desordenar o fluxo de turistas, porque nós não conseguiríamos controlá-lo", diz o secretário de Desenvolvimento Econômico de Angra, Manoel Francisco. Para ele, o acesso à ilha deveria ser feito somente por Angra dos Reis, acabando com a ligação para Mangaratiba. "Essa barca é prejudicial, traz o turista que faz daytour: ele passa o dia na ilha com seu isopor, não consome, faz o turismo predatório."
Francisco afirma que não quer elitizar o turismo, mas avisa que o programa de legalização dos meios de hospedagem, que começa no dia 15, não inclui os campings. "Quem acampa também não consome. Além disso, o camping desorganiza a possibilidade de as pessoas regularizadas ganharem com a hospedagem", diz o secretário, que se refere à ilha como "galinha dos ovos de ouro".
"A polêmica existe em virtude do interesse político e estão ignorando deliberadamente o que está escrito no projeto", afirma o coordenador do IVT, professor Roberto Bártolo. "Ou é desinformação ou má-fé. E a desinformação pode ser facilmente sanada."
O presidente do Conselho de Defesa da Ilha Grande (Codig), Alexandre Oliveira, ressalta que o projeto ainda está em discussão. "Propusemos algumas idéias e, estranhamente, poucas delas estão servindo para a prefeitura desqualificar todo o projeto. Espero que tudo isso seja contornado porque esta pode ser uma oportunidade única para a ilha."
Um pouco adiante de Japariz, na Praia de Bananal, Kiyoshi Nakamashi, o Preto, de 45 anos, observa as mudanças que ocorreram no local onde cresceu. Seu avô deixou Santos em 1933 para produzir a sardinha seca usada no missoshiro, tipo de sopa japonesa. A fábrica fechou em 1987, por causa da escassez do peixe. O galpão passou a ser usado por amigos que visitavam a ilha e virou a Pousada do Preto. No local, o pescado deixou de ser a principal fonte de renda e falta água nos verões mais secos. A luz chegou faz três anos, mas não há saneamento.
Mano critica o descaso das autoridades com praias como as de Bananal e Japariz. "Temos trilhas lindas, mas nunca recomendo aos visitantes porque dá vergonha desta situação. Faz mais de dez anos que a prefeitura tentou fazer alguma coisa por aqui."

Proposta de fechamento de campings recebe críticas
A intenção da prefeitura de Angra dos Reis de fechar dois terços dos campings da Ilha Grande e a resistência ao projeto do BNDES não agradou aos turistas. "Venho à ilha há 18 anos e quando estou com minha namorada fico em pousada. Mas também sou trilheiro e quando estou caminhando prefiro acampar", disse Lino Hicar, de 40 anos.
"Um projeto que integra a população nativa ao turismo e cria alternativa de renda serve para fixar as famílias e não abre espaço para grandes empreendimentos imobiliários. Acho que isso é o que está incomodando", diz o economista Eduardo Vianna, de 36 anos, que freqüenta a ilha desde 1989.
Essa tese faz sentido para o deputado federal Luiz Sérgio (PT-RJ), ex-prefeito de Angra dos Reis. Ele diz que a pressão imobiliária sempre foi muito grande na ilha. "Há um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro que mostra que a falta de atividade econômica é o fator primeiro que leva o nativo a deixar a ilha."
Para o dono do Emília Eco Camping, Nelson Palma, o projeto do BNDES preocupa quando propõe a criação de novas vagas de hospedagem. "O projeto não prevê número de leitos para cama e café. É o que couber na ilha. Isso vai provocar a desordem."
Em debate
Itens do projeto do BNDES
Cama e café: regulariza os leitos já existentes em casas de caiçaras e cria outros em pontos da ilha onde não há hospedagem (polêmico)
Restaurante-Escola: promove a culinária local, como o prato típico de peixe com banana verde, e treina mão-de-obra (polêmico)
Camping livre: cria área de camping no Parque Estadual da Ilha Grande, como já existe em parques nacionais (polêmico)
Hospedagem: Regularização dos meios de hospedagem não legalizados (consenso)
Receptivo: Criação do Centro de Recepção ao Turista (consenso)
Caminho Grande da Ilha: demarcação da trilha que circunda a Ilha Grande (consenso)
Georraferenciamento da Ilha: registro por imagens de satélite (consenso)
Capacitação: Formação de guias turísticos (consenso)

OESP, 13/12/2004, p. C6
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