Tatu-bola ganha área de preservação

O Globo, Sociedade, p. 28 - 10/09/2014
Tatu-bola ganha área de preservação
Estado de Pernambuco cria refúgio na caatinga para o animal, cuja imagem foi muito usada na Copa do Mundo, o que, segundo ambientalistas, não fez diminuir seu risco de extinção

Letícia Lins

RECIFE - A emoção já passou, os turistas se foram, e ficaram apenas as lembranças dos 64 jogos que ocorreram nos meses de junho e julho no país. O Brasil ainda lamenta a derrota de 7x1 para a Alemanha. Mas do Fuleco, coitado, ninguém fala mais. Só que o animal que inspirou o mascote da Copa do Mundo, mesmo longe da Fifa, acaba de marcar um golaço em Pernambuco. E´que está sendo implantado em plena caatinga, o Refúgio de Vida Silvestre Tatu-Bola. Vem a ser a maior área de preservação do estado.
A criação da unidade acaba de ser aprovada pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, e está dependendo apenas da assinatura do governador João Lyra Neto (PSB) para sair do papel. A previsão da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade e do Palácio do Campo das Princesas é que o decreto formalizando o projeto seja publicado até o final desse mês. O Refúgio se estenderá por 110 mil hectares no semiárido, abrangendo três municípios pernambucanos: Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, todos no sertão do São Francisco.
Hábitat sumindo
Nada menos de 83% do território pernambucano estão incluídos em área de caatinga, mas de acordo com a Semas, só restam 45% da cobertura original do bioma no estado, motivo pelo qual o tatu-bola está cada vez mais raro. O Centro de Recuperação de Áreas Degradadas da Caatinga (Crad) da Universidade Federal do Vale do São Francisco, calcula que 50% do hábitat do tatu-bola foram perdidos ao longo da última década.
A espécie é considerada "em perigo" pelas instituições governamentais e há quase dez anos não é vista em Pernambuco. Professores da Univasf, Renê Geraldo Cordeiro Silva Júnior e José Alves de Siqueira Filho, comemoram a criação do Refúgio. Eles vêm lutando pela implantação de uma área de preservação há um ano. Siqueira é um dos três autores de artigo publicado na revista científica "Biotropica", no primeiro semestre do ano passado, sugerindo que a cada gol marcado na Copa, fossem preservados mil hectares de caatinga, o habitat do "Tolypeutes tricinctus", que passou a ser conhecido como Fuleco devido ao evento esportivo mundial.
Nada, no entanto, foi feito nesse sentido, e a caatinga nem constou nos projetos que foram beneficiados pela Fifa para compensação de carbono da Copa do Mundo. O biólogo e o veterinário lamentam que o mascote tenha sido esquecido, poucos meses após o encerramento do campeonato mundial, e que não tenha recebido a devida atenção durante sua realização.
- O tatu-bola nem apareceu na abertura da Copa do Mundo. A imagem do animal foi muito utilizada na propaganda do evento, mas não foi destinado um só centavo para ajudar na sua preservação - reclama Siqueira.
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Comportamento deixa animal indefeso
Eles lamentam que o tatu-bola, que se alimenta de raízes e cupinzeiros, esteja sumindo. A previsão é que se nada for feito, o animal desapareça por completo da natureza em cinco décadas. Em um ano de andanças pelo interior, os dois pesquisadores só viram dois exemplares no meio da caatinga.
- Um macho foi observado no Boqueirão da Onça, na cidade de Sento Sé, na Bahia. O outro, uma fêmea, avistamos na Serra da Capivara, no Piauí. O tatu-bola tem uma característica que o deixa completamente indefeso. Quando vê o predador, fecha a carapaça, e vira uma bola hermética, tornando-se presa fácil dos caçadores. Quando o peguei, ele tremia de medo nas minhas mãos. Senti uma emoção tão forte que chorei - relata Renê, que depois soltou a fêmea que encontrou na Serra da Capivara.
Também conhecido como tatu-bola do nordeste, o animal é a menor, menos conhecida e única espécie de tatu endêmica no Brasil, de acordo com os pesquisadores. Eles informaram que a espécie só corre na caatinga e no cerrado, região onde o seu espaço vem sendo ocupado por plantios de cana de açúcar.
Segundo o Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, Carlos André Cavalcanti, o fato de a área de preservação em Pernambuco ser um refúgio (e não um parque) vai tornar a implantação mais barata, porque não haverá necessidade de desalojar os moradores da zona demarcada. O parque teria que ser uma área pública. O perímetro conta com assentamentos oficiais e lotes privados. Os lavradores poderão continuar exercendo suas atividades agrícolas e explorando recursos naturais. Mas terão que se adequar a um plano de manejo. Portanto, caça, queimadas e outras iniciativas que ameacem a biodiversidade local serão tratados como crimes ambientais. Os moradores da região vão passar por capacitação para preservação do tatu-bola e para a prática de agricultura orgânica, inclusive apicultura e cultivo de plantas medicinais no perímetro em questão.
Aumento de proteção da caatinga
Com a criação do Refúgio, sobe de 0,2% para 1,2% o percentual de área de preservação da caatinga. Entre os seus sete objetivos, encontra-se o de "proteger a área de ocorrência do tatu bola, diminuindo a pressão pela caça, reduzindo a perda do habitat e favorecendo o repovoamento". Para ações no local, a Univasf já garantiu a aprovação de projetos avaliados em R$700 mil (no Edital Proext 2015, financiado pelo Ministério da Educação e Cultura). Conforme os pesquisadores, os valores serão utilizados em educação ambiental no Refúgio, e em seu entorno. Eles agora lutam pela implantação de uma reserva biológica (Rebio), que deverá servir de base a órgãos públicos, para viabilizar realização de pesquisas científicas, educação ambiental, prática de turismo ecológico.
Em maio do ano passado - no calor da Copa do Mundo - o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) aprovou o Plano de Ação Nacional (PAN) para preservação do tatu bola, que prevê implantação de 38 intervenções em defesa da sobrevivência do animal.
A Fifa não deu recursos para conservação e preservação do tatu-bola. O diretor de Responsabilidade Social da entidade, Frederico Addieche, chegou a oferecer R$300 mil à Associação Caatinga, que tem sede no Ceará, e luta pela preservação do animal. Mas o Secretário Geral da ong, Rodrigo Castro, rejeitou a oferta, por considerá-la irrisória.
Quanto ao ICMBio, informou que o objetivo do Pan é tirar o tatu-bola da categoria de em perigo para vulnerável, mas que só em 2015 fará o primeiro monitoramento. Entre outras medidas em implantação, encontra-se revisão dos registros de ocorrência, busca de parcerias, criação de campanha com o tatu bola como símbolo de defesa da caatinga, e elaboração de protocolos de destinação e manutenção de cativeiros para estudos biológicos. Pretende ainda incentivar reservas particulares, em áreas de ocorrência. Segundo o ICMBio, o local onde havia maior concentração era o oeste baiano (750 indivíduos), mas a população vem sendo dizimada com o avanço da monocultura de grãos.

O Globo, 10/09/2014, Sociedade, p. 28

http://oglobo.globo.com/sociedade/tatu-bola-ganha-area-de-preservacao-13886003
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