Turismo na Ilha Grande

O Globo, Tema em Discussão, p. 6 - 04/12/2003
Turismo na Ilha Grande

Nossa opinião

Uso racional

Mesmo antes de estar concluído, já despertou uma forte onda de protestos o projeto da prefeitura de Angra dos Reis, incluído no novo plano diretor do município, de transformar a região da Praia de Dois Rios, na Ilha Grande, em área de turismo. Não há surpresa nisto: é perfeitamente compreensível que tenha causado grande desagrado aos ambientalistas a idéia de autorizar a construção de hotéis, marinas, resorts etc. na área onde ficava o antigo Presídio Cândido Mendes, e que hoje é região de preservação integral (o que significa que ali só é permitida a entrada de pesquisadores).

O projeto pode realmente ser equivocado, e até mesmo ilegal: segundo o Instituto Estadual de Florestas, responsável pelo Parque da Ilha Grande, a prefeitura de Angra não tem o direito de legislar sobre um solo protegido pelo estado.

No entanto, é também um equívoco a ser evitado a tendência dos ecologistas de considerar intocável qualquer reserva ambiental, qualquer ecossistema. É sempre uma política contraproducente, seja na Ilha Grande, seja na Amazônia, tentar colocar sobre a região que se quer preservar uma espécie de redoma. Porque esse tipo de estratégia apenas abre caminho ao pior tipo de devastação, que é o deixado pela exploração clandestina, por isso mesmo descontrolada.

Não há por que imaginar que a alternativa à preservação ambiental seja a especulação imobiliária desenfreada. Entre uma e outra há sempre o meio-termo da exploração racional - que permite aproveitar as riquezas naturais da região que se quer proteger sem degradá-la.


Outra opinião

Ameaça

Maria Andréa Loyola

Em outubro de 1994, após a desocupação e implosão da Colônia Penal Cândido Mendes, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) recebeu a cessão de uso, por 50 anos, de uma vasta área, que inclui o conjunto de imóveis do antigo presídio, com o objetivo de ali instalar um centro de estudos ambientais e tendo como uma de suas principais finalidades a preservação do ecossistema da Ilha Grande.

Ali, a Uerj instalou o Campus Universitário da Ilha Grande, onde foi criado o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (Ceads). Através de atividades de ensino, pesquisa e extensão deste centro, a Uerj contribui para um maior conhecimento da área, de suas espécies e de sua história e para o desenvolvimento sustentável da população, através de ações educativas e treinamento para o turismo ecológico.

Além disso, a Uerj vem recuperando e conservando imóveis, praças e logradouros públicos do local, tendo iniciado nas ruínas do antigo presídio a instalação de um Museu do Cárcere, com documentos e fitas com depoimentos gravados de presidiários, carcereiros, intelectuais e políticos que lá estiveram (Graciliano Ramos, Agildo Barata e Fernando Gabeira, entre outros). E em área ocupada pelo antigo pátio interno e pelos atuais escombros do presídio, um museu ao ar livre com espécies da flora local.

Assim, causou-nos profunda surpresa a Proposta de Revisão do Plano Diretor para o Município de Angra dos Reis, na qual a área cedida à Uerj é classificada como "Grupo de Interesse Turístico IT4... destinada ao turismo de veraneio de grande porte com área construída de mais de 1.000m², como resorts , shoppings, marinas, clubes esportivos, apart-hotéis, etc...", classificação que ofende a natureza do trabalho e o respeito de que a Uerj e outras entidades que lá atuam são merecedoras. Este espaço, aliás, situa-se no âmbito do Parque Estadual da Ilha Grande, unidade de conservação igualmente regulada por lei, sob a gestão do Instituto Estadual de Florestas.

Além disso, embora respeitando a vocação turística da ilha, a proposta ameaça a flora, a fauna, a população e a própria possibilidade de exploração do turismo ecológico na área, na medida em que não leva em conta a complexidade e a delicadeza de sua situação. Embora a prefeitura de Angra tenha prometido discutir a proposta, mantemos nossa preocupação - juntamente com os moradores e ONGs que atuam no local - com o futuro da ilha, uma das raras áreas ecológicas ainda preservadas de nosso estado.

Maria Andréa Loyola é sub-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj,

O Globo, 04/12/2003, Tema em Discussão, p. 6
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