Um caminho pelo verde

O Globo, Rio, p. 8 - 02/12/2013
Um caminho pelo verde
Após 25 anos de embargos ambientais, estrada-parque entre Paraty e Cunha é pavimentada

PAULO ROBERTO ARAÚJO
pra@oglobo.com.br

Ele bateu na porta de sete governadores e chegou a fechar a Rio-Santos, há 20 anos, quando pouco se ouvia falar em manifestações de protesto. Conhecido como Comendador Conti, o empresário Antônio Conti, de 82 anos, agora está feliz: 63 anos depois que começou sua luta e 25 anos após o início dos embargos dos órgãos ambientais, começou a pavimentação da Estrada-Parque Paraty-Cunha, com 9,6 quilômetros, que liga o Rio a São Paulo pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina, na região da Costa Verde Fluminense. Com custo de R$ 85 milhões e piso de pequenos blocos de concreto, as obras da rodovia ficarão prontas no fim do ano que vem. A estrada é parte da RJ-165 (Paraty-Cunha) e rota de fuga em caso de acidente nas usinas nucleares de Angra dos Reis. Por isso, a Eletronuclear liberou 80% dos recursos. O restante é pago pelo estado.
Antigo trajeto dos índios guaianazes e de tropeiros, rota do Caminho do Ouro e do tráfico de escravos, a Paraty-Cunha, mesmo em condições precárias, era a principal via de ligação da Costa Verde com o rico Vale do Paraíba paulista. A estradinha, íngreme e sinuosa, deixou de receber manutenção regular em 1971, quando passou a integrar o Parque Nacional da Serra da Bocaina. Há 25 anos o estado tenta fazer a obra, que só obteve licença ambiental há pouco mais de um ano. Graças a um acordo de cooperação entre os governos fluminense e paulista, foram pavimentados os outros 11,4 quilômetros da RJ-165 (até o entroncamento com a estrada-parque) e a SP-171, que liga Cunha a Guaratinguetá. O trecho do parque ficou no meio, sem pavimentação.
- Os órgãos ambientais foram radicais - lamenta Antônio Conti. - Impediram o progresso e o direito de ir e vir de milhares de fluminenses, paulistas e mineiros. Antes da criação do parque tinha até uma linha de ônibus que ligava Paraty a Guaratinguetá.
Conti, natural de Paraty, fundador do jornal mais antigo da cidade, ganhou o título de comendador, concedido pela Câmara Municipal, há 15 anos, por causa da sua luta pela abertura da Paraty-Cunha.
As perneiras (para evitar mordidas de cobras) usadas pelos 250 homens que trabalham no Consórcio Serra da Bocaina mostram que a obra foge da normalidade. Técnicos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do próprio consórcio tocam em paralelo 19 programas de gestão ambiental. O técnico de segurança no trabalho Darcy Abranches vai a cada canteiro de obra e reúne os trabalhadores para os Diálogos Diários de Segurança e de Meio Ambiente. Todos são orientados a não deixar resíduo de lixo ou entulho ao longo da obra, a preservar a vegetação e a ter muito cuidado com as cobras e outros animais venenosos. Uma veterinária está sempre a postos.
- No dia 21 de novembro, um colega que trabalhava na abertura de um bueiro junto à estaca 384 por pouco não pisou numa jararacuçu de quase dois metros. Chamamos a veterinária. Ela capturou a cobra e a soltou na mata - recorda o mestre de obras Gilmar Miranda.
O presidente do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ), Henrique Ribeiro, informa que já estão sendo montadas as dez zoopassagens (bichodutos) para os animais cruzarem a estrada, cinco subterrâneas (em células de concreto de dois metros por dois metros) e cinco aéreas.
- Essa obra é de vital importância para os dois estados, sobretudo na área turística. Estaria pronta há anos se não fossem as exigências dos órgãos ambientais, que estamos cumprindo em respeito do plano de manejo. A obra é difícil, porque o terreno é muito acidentado e no local chove muito. Tem o segundo índice pluviométrico do Brasil, ficando atrás apenas da Amazônia - explica.
Fundador do Instituto EcoBrasil, a primeira ONG de ecoturismo sustentável do Brasil, Roberto Mourão defende estratégias para "filtrar" o fluxo de veículos quando a estrada estiver pronta. Em sua opinião, o trecho da rodovia só poderá ficar aberto durante o dia e apenas será permitida a passagem de veículos leves e utilitários de até quatro toneladas.
- A estrada é linda. Preocupa-me o fluxo turístico dos excursionistas (turista que não pernoita). Eles gastam pouco, deixam lixo, superlotam os atrativos turísticos e afastam quem vem para ficar nos meios de hospedagem. É o que está acontecendo em Trindade, que fica superlotada nos feriadões - comentou o ambientalista, que tem vários projetos de pesquisa em Paraty.
Aberta para tráfego de carroças de burro em 1932, a Paraty-Cunha é a segunda estrada-parque do estado: a primeira é a Capelinha-Visconde de Mauá, em Resende, inaugurada no fim de 2011, mas que não tem as restrições de um parque nacional. Dos mirantes, alguns a 1.400 metros de altura, é possível ver belas paisagens da Mata Atlântica intacta, com a Baía da Ilha Grande e a histórica Paraty ao fundo. Já foram catalogadas 31 espécies de mamíferos ao longo do trecho em obras. São onças, macacos bugios, preguiças, cotias e uma infinidade de pássaros, alguns endêmicos (que só ocorrem ali). Nas margens da estrada, no alto da serra, foi encontrado um sítio arqueológico do Caminho do Ouro que foi cercado e será preservado.
Obras vão exigir interdição
O piso de blocos de concreto foi indicado para desestimular o excesso de velocidade e evitar acidentes. Gueber Barbosa é da terceira geração de uma família que mantinha um comércio na Ponte de Cimento, no meio da Paraty-Cunha. Ele lamenta a queda do movimento, depois que a estrada ficou intransitável:
- Eu atendia a muitos motoristas de veículos de carga que levavam mercadorias para Paraty e aos paratienses que iam fazer comprar ou buscar os bons hospitais do Vale do Paraíba.
O início das obras, no entanto, foi o suficiente para que começasse a aumentar o tráfego de veículos. E alguns motoristas ignoram as placas de advertência sobre os perigos e riscos de interdições demoradas, aproveitando a melhoria feita no piso para permitir a passagem dos tratores, caminhões e veículos leves da obra.
Engenheiro do DER responsável pela obra, Renato Romero diz que foram feitos abrigos especiais para que a chuva (quase que diária na região) não atrase o cronograma das obras, que está na fase de serviços de drenagem, corte de pedras e instalação das zoopassagens. Serão construídas duas pontes e feitas 17 obras de contenção de encostas. Antes da conclusão da obra, contudo, a estrada terá de ser totalmente interditada:
- Não se pode assentar o tipo de piso, intertravado, com tráfego na estrada. É diferente do asfalto, que permite a passagem por uma pista.
O andamento das obras é monitorado diariamente pela equipe da UERJ e pelo biólogo Luciano Paulo da Silveira, coordena o Programa Ambiental da Construção, tocado pela Construtora Metropolitana e pela Geomecânica (que faz as obras de arte especiais), que formam o Consórcio Serra da Bocaina.
- Não me recordo de uma mata tão fechada e bonita quanto esta ao longo da Paraty-Cunha. A nossa missão é reduzir ao máximo o impacto ambiental. Acreditamos que não
Hoteleiro e ex-prefeito de Paraty, José Cláudio de Araújo diz que a pavimentação da Paraty-Cunha vai provocar uma grande transformação na economia e no turismo da Costa Verde, que já recebe muitos turistas do Vale do Paraíba paulista.
- Ficaram discutindo durante três anos o impacto que a estrada traria a um rato do mato. Paraty sofre com a realidade de ter a maior parte da sua área controlada pelos órgãos ambientais e do patrimônio - lamenta.será grande, porque monitoramos cada metro da estrada. - diz o biólogo Luiz Felipe Hermes da Fonseca Cardoso, que coordena o Programa Básico Ambiental da Uerj.
Técnico da Embraer e morador de Guaratinguetá, em São Paulo, Reinaldo Brosler confirma a previsão do hoteleiro:
- Além de ser mais uma bela rota pra chegar à praia, a estrada vai fazer bem pra toda esta região -- previu.

O Globo, 02/12/2013, Rio, p. 8

http://oglobo.globo.com/rio/apos-25-anos-de-embargos-ambientais-estrada-parque-entre-paraty-cunha-pavimentada-10938752
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