Um novo corredor verde

O Globo, Rio, p. 8 - 16/11/2009
Um novo corredor verde
Dez unidades de conservação se unirão para formar área florestal de 4 mil quilômetros quadrados

Tulio Brandão

Os fragmentos cada vez mais esparsos de Mata Atlântica do estado - cerca 20% da vegetação original do território - vão finalmente se encontrar, num enorme corredor verde.

Pequenas ampliações de três unidades de conservação e a criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), anunciadas pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Secretaria estadual do Ambiente, vão possibilitar a integração, numa faixa contínua, de mais de dez unidades de conservação entre as serras da Bocaina, no sul do estado, e a dos Órgãos, na Região Serrana. É o chamado corredor verde, que formará uma área protegida de quase quatro mil quilômetros quadrados - equivalente a mais de três vezes o município do Rio de Janeiro.

A criação do corredor verde traz diversos benefícios ao estado. O fortalecimento da vegetação protege nascentes e, por sua vez, o abastecimento de água da população e evita deslizamentos de solo diante das tempestades e outros eventos extremos previstos devido à iminência do aquecimento global. Ele favorece ainda espécies de mamíferos de médio e grande portes, como a onça-parda, que sobrevive apenas em grandes áreas de vegetação contínua.
Trajeto seguirá pela APA Guandu
Para o diretor de Biodiversidade de Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), André Ilha, duas pequenas ampliações de unidades de conservação, por decreto, serão fundamentais na criação do novo corredor verde: - Vamos fazer uma pequena ampliação na Reserva Biológica (Rebio) de Araras até a margem da Estrada do Rocio. A Rebio do Tinguá, do governo federal, será ampliada até a outra margem da via. A medida liga definitivamente as serras dos Órgãos e do Tinguá.

A conexão do Tinguá com o Sul Fluminense se dá por intervenção do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. O corredor verde seguirá pela APA Guandu, mas depende de duas outras ações, de acordo com o ministro: - Para a gente fechar definitivamente o corredor, faltam uma pequena ampliação do Parque da Bocaina e a criação da maior RPPN do Brasil, da Light. Aliás, eles prometeram criar e, até agora, não cumpriram. Vamos dar mais um prazo e, depois, caso a reserva particular não vá adiante, criaremos uma unidade de conservação ali. Quero ter o corredor verde todo fechado até o carnaval do ano que vem.

Minc admite que, depois de realizadas todas as ampliações e os ajustes legais para o corredor verde, estado e União terão que se esforçar para revitalizar vários trechos degradados das unidades.

- Agora, o corredor verde tem que ser "engordado" por árvores, implantado e fortalecido. Tudo para que seja possível atingir a meta de, em 15 anos, dobrar a área de Mata Atlântica do Estado do Rio. Vamos costurar, com linha e agulha ecológicas, esse avanço - promete ele.
Identificados animais em extinção
Os primeiros sinais de recuperação começam a aparecer na floresta. Este ano, o Inea implantou uma armadilha fotográfica no Parque Estadual dos Três Picos, que faz parte do corredor verde, para tentar flagrar espécies não avistadas normalmente. O equipamento - que dispara a foto quando um sensor acusa a presença de algum animal - registrou a imagem de uma onça-parda.

- Temos recebido relatos da existência de onças-pardas, sobretudo nas bordas do parque. Elas têm atacado rebanhos de ovelhas.

Mas registrar uma imagem desse animal é difícil. Fiquei emocionado quando recebi o material - contou André Ilha, lamentando, por outro lado, que não haja mais registro de onça-pintada nas unidades de conservação da Região Serrana.

Para a pesquisadora Ana Lúcia Camphora, as vantagens do corredor verde e de suas ampliações decorrentes são especialmente importantes para a população do estado:
- Os benefícios estão essencialmente associados à redução das vulnerabilidade locais a enchentes e quedas de barrancos, eventos extremos que poderão ocorrer com maior frequência com o aumento do índice de chuvas nos estados do Sudeste, como efeito das mudanças climáticas. A conservação também contribuirá para a qualidade das águas usadas no abastecimento humano e pela agricultura, além de restringir a ocupação irregular e de alto risco nessas áreas.

A coordenadora de Áreas Protegidas da ONG The Nature Conservancy (TNC), Analuce Freitas, apresentou um estudo da Universidade Gama Filho que identifica, numa das regiões protegidas do corredor verde, 22 espécies de répteis e anfíbios, 131 de aves e 46 de mamíferos. Entre elas, uma ave - a saudade-deasacinza, restrita a regiões entre 1.800 e 2.000 metros de altitude do estado - e cinco mamíferos (sagüi-da-serra-escuro, sauá, gato-maracajá, jaguatirica e gato-do-mato), que estão no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, do Ministério do Meio Ambiente, publicado em 2008.


Área do Tinguá vai virar um parque nacional

A Reserva Biológica (Rebio) do Tinguá, uma das principais unidades de conservação do país, será recategorizada, revelou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. O corpo técnico do ministério considera a modalidade de reserva biológica muito restritiva para a região. Minc vai transformar a unidade em parque nacional.

Dessa forma, ele pretende garantir a permanência do status de área de proteção integral - em que as áreas são desapropriadas e é proibida qualquer construção:
- A ideia é que, como parque, as pessoas possam usufruir mais daquela região, que é belíssima. Vamos combinar a preservação, que também é inerente ao parque, com o ecoturismo. É uma forma de desenvolver Tinguá. Ao mesmo tempo, no meio da área protegida, manteremos um trecho intocado, fechado ao público, com acesso permitido apenas a pesquisadores.

Apesar de a Rebio Tinguá ter acesso restrito a fins científicos, vem sendo, ao longo de sua história, alvo constante de caçadores, de palmiteiros e do desvio de suas águas para a construção de piscinas artificiais para lazer e pesca. Por conta das ilegalidade, as operações policiais na unidade são constantes. No dia 9 de outubro, seis pessoas foram presas numa ação da Polícia Federal de repressão à caça e ao comércio ilegal de animais silvestres. Outro problema recorrente da unidade é o lixo depositado no seu entorno.

Criada por um decreto de 1989, a área protegida fica no limite norte da Baixada Fluminense, a 70 quilômetros da capital e a 16 quilômetros do município de Nova Iguaçu. Ela abriga diversas espécies da fauna e flora da Mata Atlântica. Destacam-se árvores como jequitibás e sapucaias. Entre os animais, o mais celebrado da unidade é o sapo-pulga, menor anfíbio do mundo já descrito por pesquisadores.

O Globo, 16/11/2009, Rio, p. 8
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