Um promissor passeio pelos parques

Valor Econômico, Eu&Estilo, p. D4 - 16/10/2014
Um promissor passeio pelos parques

Por Jacilio Saraiva | Para o Valor, de São Paulo

A onça suçuarana e o tamanduá-mirim são mais do que bem-vindos nos parques nacionais, mas as unidades de conservação natural querem atrair uma nova "espécie" para seus domínios: o investidor privado. Em um encontro raro, gestores de complexos públicos como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e a Rota Lund, circuito de trilhas e grutas de Minas Gerais, dividiram, na semana passada, em São Paulo, a mesma mesa de debates com representantes do mundo financeiro.
"Estamos estudando novas oportunidades de negócios", diz Patrice Etlin, sócio da Advent International, durante o seminário Parques do Brasil, promovido pelo Instituto Semeia e Arq.Futuro. A Advent é uma gestora americana de fundos de "private equity" com US$ 32 bilhões em ativos sob gestão. Já investiu mais de R$ 130 milhões em parques no Brasil e sinaliza que o apetite pelo segmento não acabou.
O interesse dos investidores não é fisgado somente pelos gorjeios dos pássaros das matas tupiniquins. De acordo com dados do Semeia, organização não governamental que atua na transformação positiva de áreas protegidas, o Brasil tem 1,8 mil unidades de conservação (UCs) federais, estaduais e municipais espalhadas em 150 milhões de hectares - ou três vezes o território da França. Desse total, 22% são parques. "É preciso repensar os modelos de gestão e fazer desses locais fontes de riqueza para o país", diz Ana Luisa da Riva, diretora-executiva do Semeia.
Segundo cálculos do instituto, se o Brasil investir em projetos de infraestrutura nas zonas protegidas, o potencial de geração de renda ligada ao turismo do setor seria de R$ 53 bilhões em dez anos - mesmo valor do PIB do Mato Grosso do Sul. Mas, para atingir essa cifra, as áreas verdes vão precisar driblar problemas de financiamento e gestão.
As dificuldades de fluxo de caixa são as que mais atingem os parques, que sofrem da falta de recursos públicos. Não há registros sistemáticos sobre a verba aplicada nas UCs, mas o estudo "Unidades de Conservação do Brasil", lançado neste mês pelo Semeia, indica que R$ 331,6 milhões foram destinados em 2008 (último dado disponível), às UCs federais - não há estimativa para as similares estaduais e municipais. Dessa forma, os gastos por hectare em áreas protegidas no Brasil seriam 35 vezes menores do que os aportes conhecidos nos EUA ou 15 vezes mais magros que os recursos usados na África do Sul.
Na esfera dos recursos humanos, o Brasil opera com um funcionário para cada 18,6 mil hectares conservados, contra um profissional para 2,1 mil hectares nos parques americanos. "Das 28 guaritas de segurança que tínhamos, hoje são apenas nove", diz Rute Andrade, pesquisadora da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), que gerencia o Parque Nacional da Serra da Capivara.
O complexo de 129,1 mil hectares no Piauí, a 530km de Teresina, abriga mais de 1,3 mil sítios arqueológicos, a maioria com pinturas rupestres. Em 1991, foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Mesmo assim, as obras do aeroporto mais próximo, no município de São Raimundo Nonato, que poderia facilitar o acesso de turistas, se arrastam há mais de dez anos. Sabe-se que a presidente da Fumdham, a arqueóloga paulista Niède Guidon, costuma tirar dinheiro do próprio bolso para acelerar a finalização do terminal e honrar as contas do parque federal.
Em agosto, a União autorizou a criação de modelos de parcerias ambientais público-privadas (PPPs) com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A ideia é estruturar políticas que ampliem alianças com o setor privado e potencializem a exploração dos ativos das UCs federais. As PPPs já ocorrem em unidades em Fernando de Noronha (PE), Cataratas do Iguaçu (PR), Tijuca e Serra dos Órgãos (RJ).
"Não é razoável oferecer para os investidores parques sem um plano de manejo", diz Roberto Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente que gerencia as UCs do país. O plano de manejo é um documento que elenca as normas de uso dos terrenos. De acordo com o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), 84% dos locais criados há mais de cinco anos ainda não têm um plano.
Nas próximas semanas, o setor ganha um novo edital de PPP. A Rota das Grutas Peter Lund, em Minas Gerais, que reúne mais de 50 cavernas, vai oferecer uma concessão administrativa por 25 anos, com investimento privado avaliado em R$ 38 milhões. "O parceiro privado será responsável pela exploração comercial de uma área de 2,4 mil hectares", diz Cecília de Vilhena, da secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. "O Estado entra com investimentos de até R$ 14 milhões, ao ano."
Para Patrice Etlin, da Advent International, a isca para atrair novos investimentos será o modelo de negócios oferecido pelos complexos de conservação. "O que está sendo feito na Rota Lund pode servir de base para outras PPPs de parques estaduais", afirma o investidor. Etlin diz que vai analisar a proposta da operação mineira.
A Advent já aplicou mais de R$ 130 milhões em três ativos do setor, por meio de investimentos na Cataratas do Iguaçu S.A., concessionária que presta serviços em parques brasileiros, como Iguaçu e Fernando de Noronha. Também tem participação no consórcio Paineiras-Corcovado, no parque da Tijuca. "Esses locais recebem 5 milhões de visitantes ao ano", diz Etlin. A gestora é dona de fatias do Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), na varejista de moda Dudalina e na International Meal Company (IMC), dos restaurantes Viena. Na área de meio ambiente e turismo, fora do Brasil, investiu na organização Parques Reunidos, com sede na Espanha.
Para Pedro Passos, presidente do conselho do Semeia e sócio-fundador da fabricante de cosméticos Natura, os parques podem agir como eixos de desenvolvimento econômico nas regiões do entorno. Estudos mostram que municípios dotados de florestas ou monumentos naturais faturam 20% a mais no setor turístico do que cidades sem unidades de conservação. "A ampliação do investimento privado também vai ajudar na manutenção de mais parques", diz.
Excepcionalmente hoje a coluna de Jorge Lucki não é publicada.

Valor Econômico, 16/10/2014, Eu&Estilo, p. D4

http://www.valor.com.br/cultura/3736752/um-promissor-passeio-pelos-parques
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