Vida nova para o Parque Nacional de Itatiaia

O Globo, Rio, p.20 - 21/06/2009
Vida nova para o Parque Nacional de Itatiaia
Ato administrativo a ser assinado amanhã proíbe entrada de carros, regulariza trilhas e resolve questão fundiária

Tulio Brandão

O Parque Nacional de Itatiaia - o primeiro da história do país, com 72 anos - ganha amanhã um presente só comparável em importância ambiental ao decreto de sua criação, sancionado em junho de 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assinará um ato administrativo determinando a criação de uma série de medidas para revitalizar o parque, como a interdição para carros, o estímulo às práticas de arvorismo e canoagem e a criação de um centro universitário de estudos sobre biodiversidade. A decisão do governo resolve também o secular problema fundiário com moradores e hoteleiros da área de um ex-núcleo colonial que ocupa 1.800 dos 30 mil hectares do parque.
O governo vai iniciar um trabalho de médio e longo prazos para indenizar proprietários, oferecer aos idosos a opção de usufruto das residências e, no caso de dois dos cinco hotéis existentes no parque - Ypê e Donati - torná-los concessionários para usar o pagamento das concessões no abatimento das indenizações das propriedades e benfeitorias.
Minc quer transformar a unidade de Itatiaia num modelo a ser seguido por outras áreas protegidas brasileiras: - Vai ser o parque mais avançado do país, melhor até que o do Iguaçu (cuja gestão é considerada referência). Vou marcar a minha gestão pela revitalização dos parques, experiência já realizada em outros países com sucesso. Hoje, no Brasil, muitos deles estão malcuidados.
O ato administrativo será assinado porque, diz o ministro, é preciso decidir pela conservação do parque. Ainda assim, o governo federal realizará dentro de um mês uma audiência pública para, se for o caso, realizar pequenas mudanças consensuais no projeto. A decisão do governo deve provocar reações da Associação de Amigos de Itatiaia (AAI), formada por moradores, proprietários de casas de campo e de hotéis da área do ex-núcleo colonial. Hoje há 131 propriedades particulares no parque, ainda que apenas 15 delas, segundo o Instituto Chico Mendes (ICMBio), estejam efetivamente ocupadas por moradores.
Com o novo projeto, o governo enterra definitivamente a proposta feita pela entidade no fim do ano passado, de recategorização do ex-núcleo colonial para Monumento Natural, modalidade de unidade de conservação que, diferentemente do Parque Nacional, permitiria a permanência dos proprietários na área. No novo ato administrativo do ministro, o governo federal garante que o Parque Nacional de Itatiaia não será mais desmembrado.
A regularização fundiária será apenas mais um instrumento para o programa de recuperação da parte baixa do parque, que foi criado como um complemento ao Plano de Manejo da unidade. Na porta do parque, será instalada uma ampla infraestrutura de estacionamento para receber os visitantes, que não poderão mais entrar de carro. Será oferecido um serviço terceirizado de transportes. Dentro da unidade, o ICMBio fará ainda a concessão de três restaurantes, quatro lanchonetes, dois cafés e diversas atividades de ecoturismo, como arvorismo, canoagem, camping e um conjunto de chalés, como opção de hospedagem simples.
Pelo projeto, o antigo Hotel Cabanas, hoje de propriedade do Banco do Brasil, será transformado numa biblioteca de referência para estudo de questões ambientais. Já as instalações do Hotel Simon serão usadas para receber o Centro Universitário de Biodiversidade e Gastronomia. As duas casas serão mantidas pelo próprio ICMBio, que pretende usar essa estrutura para capacitar seu quadro de funcionários. Algumas casas próximas à universidade serão desapropriadas para servir de alojamento a mestrandos, doutorandos e professores.
O programa prevê ainda a regularização de trilhas. Entre elas, destacam-se um caminho suspenso por cabos na altura da copa das árvores, uma trilha desenvolvida para observadores de aves - o parque é considerado ponto obrigatório para "birdwatchers" - e ainda uma trilha íngreme, chamada de Três Picos, com 5,5km, considerada de nível mais difícil.
O diretor do parque, Walter Behr, comemorou a aprovação do projeto de revitalização:
- A notícia é histórica. Manter a integridade da unidade, especialmente na área onde Getúlio Vargas colocou a primeira pedra fundamental de um parque brasileiro, é um ato simbólico e histórico. Reafirma definitivamente a importância das unidades de conservação brasileiras.
Já a questão fundiária, de acordo com a ecóloga do ICMBio Lourdes Ferreira, coordenadora do projeto, será resolvida com programas de regularização da terra e de aproveitamento do patrimônio identificado. Ela explica quais serão os critérios de indenização, mas, para tranquilizar os proprietários, adianta que o processo de desapropriação pode durar pelo menos 50 anos:
- As propriedades próximas de áreas de pesquisa e visitação serão indenizadas prioritariamente. Além disso, o dono do lote pode se autodeclarar interessado na indenização. Esses também serão tratados com prioridade. Os lotes sem qualquer edificação também serão comprados rapidamente. Proprietários com multas ainda poderão abater essas dívidas na indenização. Quem não quiser negociar, simplesmente não será prioridade. No fim do processo, todos serão indenizados.
O governo federal vai propor a permanência de moradores de mais de 60 anos, que não queiram sair do parque, antecipando parte da indenização e permitindo, sob contrato, que eles usufruam da moradia enquanto viverem. Com a morte do morador ou a saída espontânea, a União toma posse imediata do terreno.

CONCESSÕES DEVEM MODERNIZAR TAMBÉM NORONHA, SERRA DOS ÓRGÃOS, JURUBATIBA E TIJUCA

O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) pretende repetir no Parque Nacional de Itatiaia a experiência bem-sucedida do Parque do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, que há duas décadas vivia uma situação insustentável, com a superlotação de suas estradas, atropelamento de animais e serviços de má qualidade. Com um novo Plano de Manejo, uma série de contratos de concessão de serviços e investimentos que chegaram a R$ 100 milhões em dez anos, a unidade de conservação foi transformada. Ganhou um amplo estacionamento, um sistema interno de transporte, um moderno centro de visitantes, trilhas que podem ser percorridas a pé, de bicicleta ou de carro elétrico, passeio de barco no Rio Iguaçu, rafting, escalada e rapel, sobrevoo panorâmico e um completo serviço de alimentação e lojas.
O resultado pode ser observado pelo número de visitantes. Passou de 700 mil, na década de 90, para 1,154 milhão, em 2008.
- A maioria das pessoas nem sabia que estava num parque nacional, por falta de informação. Toda a estrutura serve ao propósito de proteger as cataratas e 185 mil hectares de Mata Atlântica preservada, além de fazer o visitante saber por que é importante preservar o meio ambiente - diz o coordenador-geral de visitação e negócios do ICMBio, Júlio Gonchorosky.
Nos próximos dois meses - portanto, antes de Itatiaia - o Parque de Abrolhos, na Bahia, será modernizado com concessões de serviços. Ainda estão na lista do ICMBio os parques de Fernando de Noronha, Chapada dos Guimarães (Mato Grosso), Anavilhanas (Amazonas) e Lençóis Maranhenses (Maranhão), além de Itatiaia, Serra dos Órgãos, Jurubatiba e Tijuca (Rio).

Uma disputa antiga
Parcelamento de lotes agravou problema

A questão fundiária do exnúcleo colonial do Parque Nacional de Itatiaia remonta ao início do século passado. Em 1908, para estimular a colonização européia nas serras fluminenses, o governo federal subsidiou a agricultores 1.300 hectares de terras para o cultivo de produtos de países frios, como uva. A iniciativa não deu certo e, em 1914, o governo federal extinguiu o núcleo - dando direito aos moradores de venda dos lotes - e, na exuberância verde da região, criou uma reserva florestal. Em 1927, aquele remanescente de Mata Atlântica ganhou o status de Estação Biológica e, dez anos mais tarde, o então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto de criação do Parque Nacional de Itatiaia, o primeiro da história do país.
A briga começa no surgimento de uma unidade de conservação de proteção integral sem a exclusão nem a desapropriação das terras do ex-núcleo colonial - algumas já tinham sido vendidas a outros proprietários.
Nas décadas seguintes foram realizados sucessivos parcelamentos dos lotes - inicialmente de 20 hectares - para a construção de residências de veraneio, tornando mais difícil a relação entre a unidade de conservação e o parque. Em 1982, o parque foi ampliado para 30 mil hectares, mas uma área do exnúcleo foi excluída.
Atualmente, segundo documento do Conselho Gestor do Mosaico da Mantiqueira - conjunto de unidades de conservação que inclui o Parque de Itatiaia -, a área total do ex-núcleo é de 1.870 hectares, sendo que 97,7% em Mata Atlântica. A maior parte da área do ex-núcleo, 54%, é constituída por lotes públicos. Do total de 32 lotes particulares, 12 não estão ocupados por qualquer edificação. Os 32 lotes, no entanto, se dividem em 131 propriedades, devido ao parcelamento. De acordo com o conselho, apenas 15 delas são ocupadas por particulares residentes no parque. O restante é de casas de campo ou de veraneio. O documento diz ainda que muitas casas estão ilegalmente construídas em Área de Preservação Permanente.

O Globo, 21/06/2009, Rio, p.20
UC:Parque

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Itatiaia
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.