O Globo, Amanhã, p. 8-13 - 11/06/2013
O mapa da mina da proteção
Área da Serra da Mantiqueira evidencia como reservas particulares se tornam opção para preservar a Mata Atlântica e as fontes de água de Rio e São Paulo
Cleide Carvalho
cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br
Até o fim dos anos 90, o Pico das Agulhas Negras (2.791 metros) reinava absoluto como o ponto mais alto da Serra da Mantiqueira, a majestosa cadeia de montanhas que se estende pelos estados de São Paulo, Rio e Minas Gerais. Não se sabia que, a poucos quilômetros, estava outra montanha, mais alta ainda: a Pedra da Mina. Montanhistas abriram a polêmica ao comparar a altura dos dois e, com 2.798 metros de altitude, a Pedra foi reconhecida como mais alta. Ocupa o posto de quinto cume mais alto do Brasil e o maior de São Paulo desde 2004, quando a medição foi referendada pelo IBGE.
A dificuldade de acesso ajuda a manter o local protegido. O cume da Mantiqueira fica dentro de uma propriedade privada, a Fazenda Jaboticabal, onde o acesso é difícil. Desde que ganhou a fazenda do pai, 58 anos atrás, o agricultor e professor Ivan Jardim Monteiro e sua mulher, Luciana Maria, decidiram ocupar apenas um terço dos 891 hectares com criação de gado, plantações de milho e floresta de eucalipto. O restante tem sido mantido intocado. Apenas alguns montanhistas recebem o aval para acessar a Pedra por uma trilha que culmina num paredão de 100 metros de altura. Para se ter uma ideia do grau de dificuldade da escalada, alpinistas a enfrentam como treino antes de desafiar o Monte Aconcágua (6.962 metros) , nos Andes argentinos, a montanha mais alta das Américas.
A opção familiar de proteger a Pedra da Mina e o seu entorno está a caminho de ser oficializada. Em maio, foi aberta consulta pública para a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da Pedra da Mina. Ao optar pela preservação integral com a criação de uma RPPN, a família liberará as terras para pesquisas científicas, Educação Ambiental e aceitará fazer um plano de manejo para projetos de ecoturismo. Ao mesmo tempo, manterá a propriedade da área e afastará o risco de desapropriação.
José Sávio do Amaral Jardim Monteiro, advogado de 43 anos que tomou para si a tarefa de regularizar a situação da reserva, diz que o pai sempre preservou aquelas terras.
- Meu pai nunca mexeu em dois terços da fazenda. Sempre trabalhou a terra na parte menor, um terço, e dizia que era suficiente. Mesmo quando não havia regras ou discurso de proteção ambiental, ele já tratava o lugar como um santuário - afirma Monteiro.
A RPPN protegerá uma área de 632,82 hectares aos pés da chamada Serra Fina da Mantiqueira. A montanha é íngreme. Em alguns trechos da crista, a largura se reduz a menos de um metro.
A Pedra da Mina fica exatamente no limite da propriedade, na divisa com Minas Gerais. A montanha está a apenas 4,3 quilômetros de distância da tríplice divisa entre Rio, São Paulo e Minas Gerais, cujo marco oficial é o Pico Três Estados. O acesso é possível por trilhas que atravessam a Fazenda Jaboticabal, no município de Queluz (SP), e pelo município mineiro de Passa Quatro. Monteiro conta que a reserva abriga ainda outro tesouro entre as rochas: a nascente do Rio Claro, água limpíssima e transparente que brota a 2.500 metros de altitude.
- A rocha ali é alcalina, um tipo que limpa e purifica a água ainda mais. De tão límpida, a água ganha cores diferentes a cada período do ano. Às vezes é verde, outras azul, amarela ou, simplesmente, transparente - salienta Monteiro. A Serra da Mantiqueira, assim como a Serra do Mar, integra o bioma da Mata Atlântica. E está mais bem preservada. Em parte, a proteção pode ser explicada justamente pelas grandes altitudes e pela topografia difícil de ser vencida.
Em tupi, Mantiqueira significa montanha que chora, por concentrar enorme quantidade de nascentes e cachoeiras em suas encostas. Nascem ali riachos que formam rios que abastecem de água potável, por exemplo, o estado do Rio e todo o Vale do Paraíba. Um deles é o Rio Jaguari, um dos afluentes do Rio Paraíba do Sul.
Na "escalaminhada" da sede da fazenda até a Pedra da Mina a vegetação é densa e repleta de ipês, quaresmeiras e araucárias. Há ainda palmiteiros, bromélias, orquídeas e samambaias- rosa, todas espécies típicas da Mata Atlântica. Monteiro explica que a coloração rosa de algumas plantas advém da quantidade de oxigênio. A fauna também é rica. A mata abriga lobos guará, jaguatiricas e cachorros do mato. Ainda não foram feitos estudos específicos, mas a família Monteiro acredita que possa haver ali exemplares de macaco muriqui, o candidato a mascote das Olimpíadas de 2016 e espécie em extinção devido à caça e à extração ilegal do palmito juçara, sua principal fonte de alimento.
Reserva é uma das maiores
O Brasil tem hoje 1.087 RPPNs, 748 delas no bioma Mata Atlântica.
- A reserva da Pedra da Mina está entre as três maiores da Mata Atlântica e tem três vezes o tamanho médio delas. Temos cidades em que a única área efetivamente protegida é uma reserva particular - diz Beto Mesquita, diretor do Programa Mata Atlântica da ONG Conservação Internacional.
Em 2012, a Mata Atlântica ocupava 1.315.460 quilômetros quadrados em 17 estados. Hoje, restam 8,5% de remanescentes de floresta, percentual alcançado com a inclusão de áreas no Piauí. Se forem somados remanescentes menores, acima de três hectares, o total sobe para 12,5%, o que mostra a importância da proteção. Em São Paulo, foram anunciadas apenas na primeira semana deste mês três RPPNs no bioma, num total de 56,37 ha, nos municípios de Tapiraí (Parque do Zizo), Atibaia (Jacu) e São José dos Campos (Muriquis). Outras duas que ainda buscam regularização, em Amparo e Pilar do Sul, têm, juntas, 72,54 hectares.
Na avaliação de Márcia Hirota, coordenadora do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, em São Paulo praticamente não há o que se desmatar, pois sobraram basicamente as áreas de relevo acidentado, como a Serra do Mar e o Vale do Ribeira. É também o caso da Serra Mantiqueira, onde a dificuldade de ocupação contribuiu para manter a vegetação nativa. Segundo informação da Fundação SOS Mata Atlântica, das 633 espécies de animais ameaçadas de extinção no Brasil, 383 ocorrem no bioma, onde o desmatamento interrompeu um ciclo de queda mantido desde 2008 e voltou a crescer no ano passado.
Para Jeferson Rocha de Oliveira, membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, a criação de novas reservas particulares é essencial para formar um corredor ecológico que refaça a conexão entre a fauna e a flora das serras do Mar e da Mantiqueira, passando pelo devastado Vale do Paraíba.
Em 2006, o Ministério do Meio Ambiente criou o Mosaico da Mantiqueira, englobando 38 municípios, entre eles Resende e Itatiaia (RJ). Os municípios paulistas estão justamente na faixa entre São José dos Campos e Queluz. O mosaico se integra ao Corredor da Biodiversidade da Serra do Mar, onde também estão constituídos o Mosaico Bocaina e o Central Fluminense - este último formado por 13 municípios do Rio, com 22 unidades de conservação.
- Hoje, 70% do que resta da Mata Atlântica estão nas mãos de particulares e conectar os fragmentos, ligando a Mantiqueira à Serra do Mar, é importantíssimo para promover o fluxo genético das espécies. Se persistir o isolamento, as espécies terão sérios problemas no futuro, pois o acasalamento ocorrerá entre membros de uma mesma família. Estamos conversando com vizinhos da Jaboticabal para incentivá-los a aderir ao mosaico de conservação na região - afirma Oliveira.
Criada em 2010, a Associação Corredor Ecológico Vale do Paraíba tem como objetivo o reflorestamento de 150 mil hectares de Mata Atlântica até 2020, conectando áreas de vegetação nativa preservada. Segundo a Fundação Florestal, órgão da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, o estado tem hoje 68 RPPNs instituídas, abrangendo uma área de 18.832 hectares.
De acordo com Oliveira, a modalidade pode ser incentivada com o pagamento por serviços ambientais, a exemplo do que é feito com proprietários que preservam nascentes de água.
- A criação de uma RPPN é uma decisão voluntária e eterna. Ao assumir este compromisso, os proprietários se comprometem com a preservação não apenas hoje, mas também pelas gerações futuras. É uma decisão importante e que precisa ser estimulada - defende Oliveira, acrescentando que, para o poder público, a vantagem é poder preservar sem ter de pagar pela desapropriação das terras.
Monteiro conta que o processo de criação da RPPN da Pedra da Mina foi iniciado em 2001, no âmbito federal. Neste meio tempo, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) chegou a cogitar a criação do que seria o Parque Nacional dos Altos da Mantiqueira, destinado a proteger florestas e campos de altitude, o que englobava a Pedra da Mina. A iniciativa federal, porém, não prosperou devido à oposição de 14 municípios que teriam áreas desapropriadas.
Mas a ideia da família de criar a reserva privada foi adiante e o pedido foi reapresentado na Fundação para Conservação e a Produção Florestal de São Paulo. Doze anos depois da primeira tentativa, Monteiro e sua mulher acreditam que, enfim, o objetivo de proteger a área herdada, sem abrir mão da propriedade, será alcançado. A intenção, diz ele, é investir em ecoturismo e, no futuro, sonha alto, compartilhar a beleza da paisagem com os novos visitantes.
O Globo, 11/06/2013, Amanhã, p. 8-13
UC:RPPN
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