Emenda que prevê redução de 20% em área do Parque Nacional de São Joaquim gera polêmica

Diário Catarinense - http://dc.clicrbs.com.br/ - 16/05/2017
O Parque Nacional de São Joaquim, unidade de conservação administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na serra catarinense está no centro de um debate. Os limites do local, criado em 1961, começaram a ser discutidos em 2001 e a história ganhou um novo capítulo recentemente, com uma emenda apresentada pelo Fórum Parlamentar Catarinense que quer alterar o traçado da unidade. Se aprovada, a medida reduzirá mais de 10,3 mil hectares, ou 103 quilômetros quadrados, do espaço - área equivalente à do município de São José e duas vezes a extensão de Balneário Camboriú.

A alteração prevista corresponde à perda de 20% do território de 49,8 mil hectares. A votação da emenda foi adiada no Plenário da Câmara dos Deputados por falta de quorum. A medida provisória 756/2016, com a emenda referente ao Parque Nacional de São Joaquim, precisa passar pelo plenário da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal para então seguir para sanção presidencial.

O parque, que engloba parte dos municípios de Bom Jardim da Serra, Grão Pará, Lauro Müller, Orleans e Urubici, foi criado em decreto de 1961, mas o texto não definia exatamente as coordenadas da unidade, o que seria resolvido em um projeto de lei apresentado em 2001 no Congresso Nacional. O tempo de 15 anos até que se tornasse lei reacendeu o debate em 2016.

Um dos pontos polêmicos da lei é que o novo traçado inclui áreas ocupadas por agricultores que até então não faziam parte da área de conservação. Erionei Mathias, presidente da Associação dos Moradores do Morro da Igreja - entidade que engloba os municípios envolvidos - reclama que esses limites foram alterados sem discussão com a comunidade em audiência pública.

- Para se ter uma ideia, esses agricultores tinham áreas indenizadas que neste novo limite ficaram fora da unidade de conservação. Essa lei causou inúmeros conflitos em todas as cidades - defende.

Um dos moradores que sofreu com as mudanças em 2016 foi Denilson de Oliveira, proprietário do restaurante e da hospedagem Cascata Véu de Noiva, em Urubici. O morador explica que o limite do parque passava a cerca de um quilômetro da propriedade. Mas com a lei, segundo ele, passou a fazer parte da área protegida:

- O meu terreno tem 25 hectares, vivo da agricultura. Construí isso em 2003, quando a gente veio para cá e começou a lapidar. Eu não sei porque hoje estamos dentro de um parque nacional, não sei de onde tiraram isso.

Bernardo Brito, coordenador de Criação de Unidades de Conservação do ICMBio, explica que no "processo de articulação política para a definição dos limites constantes na lei foram excluídas algumas áreas e incluídas outras propriedades, o que deveria ter sido verificado pelo próprio Congresso Nacional". A partir daí, o ICMBio e o Fórum Parlamentar Catarinense começaram reuniões para buscar uma solução, porém não chegaram a um consenso.

Neste ano, o assunto voltou à tona quando o Fórum Parlamentar Catarinense aproveitou a tramitação da medida provisória 756/2016, que trata de delimitações em um parque no Pará, para apresentar uma emenda com um novo traçado para o Parque Nacional de São Joaquim. Os autores da proposta justificam a medida como forma de solucionar todo o impasse, já que os novos limites deixariam de fora as áreas dos agricultores. Ambientalistas e o ICMBio, porém, contestam a forma como o processo foi conduzido, sem discussão prévia.

* Colaborou Gabriele Duarte

Potencial energético e sobreposições de áreas estão entre as razões para as mudanças

Segundo justificativa do Fórum Parlamentar Catarinense, aproximadamente 2,5 mil pessoas foram atingidas pelos novos limites do parque em 2016, principalmente pequenos produtores. O senador Dalírio Beber (PSDB), que na época da apresentação da emenda era coordenador do Fórum Parlamentar Catarinense, afirma que o objetivo é estabelecer contornos levando em conta as atividades econômicas desenvolvidas nos arredores, assim como o potencial de energia eólica da região, principalmente em áreas nas encostas da serra. O parlamentar defende que a emenda não irá reduzir a área, mas voltá-la a um traçado mais próximo de 1961:

- Sempre se levou em conta a possibilidade de não inviabilizar a instalação de mais torres de geração de energia eólica. Além disso, se considerou que esse parque é motivo do desenvolvimento econômico devido ao público que vai visitar a serra catarinense _ acrescenta.

Parlamentares também afirmam que a emenda quer corrigir a sobreposição da unidade com áreas do Parque Estadual da Serra Furada, criado em 1980. A Fundação do Meio Ambiente (Fatma), em parecer, explica que nos limites estabelecidos em 2016 foram englobados cerca de 1.150 hectares do Parque Estadual. Essa área corresponde a 86% do território do parque, com 1.330 hectares. A Fundação é favorável à correção dessa área sobreposta.

A deputada federal Carmen Zanotto (PPS), que fez parte da Comissão Mista que apreciou a medida provisória, reforça que a emenda quer apenas corrigir o que foi estabelecido em 2016. Carmem cita que além do Parque Estadual, a área do Ecomuseu Serra do Rio do Rastro, em Lauro Müller, também teria área sobreposta ao parque. O prefeito da cidade, Valdir Fontanella (PP), diz que a lei de 2016 incluiu 44% do território do município - além do Ecomuseu também acrescentou áreas produtivas de Lauro Müller. O prefeito cita que o museu foi criado em 2013 para "preservar ambientalmente a encosta da serra" e que faz divisas com Bom Jardim da Serra, Treviso e Orleans. A área é de 6,2 mil hectares.O ICMBio confirma que em 2016 foram sobrepostas terras do parque nacional com o estadual e com o Ecomuseu.

Agricultores e entidades que representam moradores da região apoiam o traçado da emenda. Erionei Mathias, presidente da Associação dos Moradores do Morro da Igreja, foi um dos que participou das reuniões em Brasília entre ICMBio e Bancada catarinense:

- Se precisa criar unidade que se pague as indenizações e não prejudique os pequenos agricultores. Além disso, se já tem uma área preservada não precisa ter outra por cima, isso é um erro. Existe um grande equívoco: estão querendo preservar e esquecendo dos seres humanos que estão lá - defende.

Brito destaca que o ICMBio considera importante a discussão sobre os limites do parque, mas "que deve ser conduzida sem atropelos, com a realização de consultas às populações locais e amplamente debatida".

Ambientalistas questionam emenda e criticam redução

Para entidades e ambientalistas, o problema na proposta de redução da área do Parque Nacional de São Joaquim começa no fato de ser uma emenda a uma MP que trata de delimitações no Pará. A gerente da ONG SOS Mata Atlântica, Erika Guimarães, destaca que o foco da MP é a alteração de limites e categorias de unidades de conservação na região de Jamanxim, no Pará, e "não há nenhuma justificativa plausível para a inclusão de uma emenda que trata do Parque Nacional de São Joaquim, já que não há urgência justificada e não houve debate com a sociedade:

_ O importante é destacar que a desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica. E esse processo deve ser sempre acompanhado de debate e escuta da sociedade a quem esse patrimônio pertence. Portanto propor a redução de 10 mil hectares de um parque em Santa Catarina por meio de uma Medida Provisória cujo foco é a revisão de limites de UCs amazônicas é inaceitável.

Os parlamentares, no entanto, se defendem e dizem que assim como a MP, a emenda trata de um parque nacional, pois isso não é matéria estranha.
Erika acrescenta que a emenda é um retrocesso para a conservação de um patrimônio natural e para a legislação ambiental e acrescenta a importância do parque para SC e para o país:

- Ele protege formações importantes como matas de araucárias - espécie ameaçada de extinção - campos de altitude e Mata Atlântica, além de abrigar nascentes de rios importantes para o Estado, como o Pelotas e o Tubarão, uma área extremamente relevante para a recarga de aquíferos na região Sul do Brasil, ou seja, áreas sensíveis e estratégicas, que devem ser protegidas.

A bióloga e coordenadora adjunta do Instituto Socioambiental (ISA), Nurit Bensusan, também critica a maneira como foi a proposta e acredita que o reajuste dos limites em 2016 pode ter levado a população a acreditar que esses limites eram flexíveis, o que reacendeu a discussão.

- O potencial turístico do parque é impressionante, de paisagens belíssimas e de acesso razoavelmente fácil, diferentemente de outros parques do Sul. É uma pena a população dessa região não perceber o potencial turístico que o parque tem. Além disso, em termos de conservação da mata atlântica, o Parque de São Joaquim é fundamental. A gente tem poucos fragmentos de mata com a integridade biológica que São Joaquim tem. Essa paisagem com as araucárias está desaparecendo.

Brito do ICMBio afirma que a emenda leva em conta apenas a questão fundiária e que o traçado proposto retira áreas que apresentam "alta relevância ambiental pela presença de espécies ameaçadas e migratórias".

- Além disso, algumas regiões como os alagados são extremamente frágeis que precisam da manutenção de seu regime hídrico para a sua conservação plena, além de áreas de florestas de araucária, espécie ameaçada de extinção, que estão sendo excluídas para beneficiar proprietários sem qualquer justificativa ambiental.

LINHA DO TEMPO

1961

O parque é criado pelo decreto 50.922, de 6 de julho de 1961 que diz que "terá área aproximada de 49.300 hectares", abrangendo terras de abrangendo terras dos municípios de São Joaquim, Urubici, Bom retiro e Orleans.

2001
O na época deputado federal Antônio Carlos Konder Reis apresentou o PL 4589/2001, que dispõe sobre os limites e a demarcação do PNSJ. Na justificativa, diz que o projeto de lei cumpre duas finalidades: acelerar a implantação do Parque Nacional de São Joaquim, pois não teve sua área definitivamente marcada, nem os proprietários foram indenizados, e a segunda é de caráter econômico e social, já que algumas áreas do parque se desenvolveram na pecuária e fruticultura.

2016
O PL 4589 que começou a tramitar em 2001 é aprovado. A lei 13.273, de 15 de abril de 2016, altera os limites do Parque Nacional de São Joaquim. Fecha uma área total aproximada de 49.800 hectares.

2017
Tramita a Medida Provisória no 756, de dezembro de 2016, que altera limites de parque nacional no Pará. O Fórum Parlamentar Catarinense apresenta uma emenda que altera os limites do Parque de São Joaquim. A justificativa se baseia em correção do traçado apresentado em 2016. Cita que "fez-se inclusões de glebas de terras, incluindo sem o devido processo legal muitas famílias de agricultores, fruticultores e agropecuaristas. A Lei vigente afeta ainda, empreendimentos turísticos em franca expansão e também a viabilidade de aproveitamento eólico". Além disso, estabelece a alteração do nome para Parque Nacional da Serra Catarinense, já que o município de São Joaquim não faz mais parte da área. A unidade, se aprovada a emenda, passa a ser de 39.405 hectares.



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