Queimadas foram menos frequentes em projetos de crédito de carbono
Levantamento feito pela Folha aponta incidência de fogo menor em relação a um raio de 20 km ao redor
Pedro Lovisi
27/11/2024
Na maior parte dos projetos de crédito de carbono no Brasil o fogo em florestas ficou controlado durante as queimadas deste ano. Dos mais de 9 milhões de hectares de projetos, apenas 135 mil pegaram fogo, pouco mais de 1%.
O levantamento foi feito pela Folha a partir do mapa de projetos no Brasil elaborado pelo Idesam e de dados do MapBiomas e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Foram selecionados 125 projetos de crédito de carbono, e a partir dessa lista, a Folha analisou as áreas queimadas dentro e fora deles de janeiro a setembro deste ano. Para calcular o total de focos externos de calor, o levantamento filtrou uma área de até 20 quilômetros de distância.
Evitar o desmatamento em uma área florestal é a forma mais comum no Brasil de gerar créditos de carbono (um crédito de carbono equivale a uma tonelada de carbono absorvida da atmosfera ou que deixou de ser emitida). Os desenvolvedores de projetos precisam comprovar que sua presença foi crucial para impedir o desmatamento das árvores e, portanto, evitar as emissões de carbono.
Assim, em tese, os desenvolvedores precisam criar mecanismos para evitar o desmatamento, inclusive provocado por queimadas. Quando há desmatamento, as emissões são descontadas do saldo de créditos a serem comercializados. Um crédito de carbono proveniente desse mecanismo tende hoje a ser vendido por uma faixa de US$ 8 a US$ 20 (R$ 46 e R$ 115). As grandes multinacionais estão entre os compradores.
De acordo com o levantamento feito pela Folha, a maioria dos projetos conseguiu impedir grande quantidade de fogo em suas áreas. De janeiro a setembro, foram contabilizados cerca de 28,6 mil focos de calor no entorno dos projetos, sendo a maior parte em agosto e setembro. Dentro dos projetos, porém, foram 1.746 focos, apenas 6% do total.
Os dados de foco de calor levam em conta qualquer área em chamas com uma frente de pelo menos 30 metros.
Se não houvesse esforços de conservação nessas áreas, os focos internos de calor deveriam apresentar trajetórias semelhantes às dos externos, observa o economista e pesquisador do FGV Ibre Bráulio Borges. Embora não seja possível estabelecer uma relação de causa e efeito, os números do levantamento da Folha são um indício de que os projetos têm um papel de limitar o impacto desses incêndios, diz ele.
Dos cinco projetos que tiveram mais de mil focos de calor em seu entorno, apenas um teve grande dificuldade em controlá-lo, o Serra do Amolar, em Corumbá (MS) e Poconé (MT), no Pantanal. Nesse caso, foram 1.602 focos de calor externos e 384 internos, quase 24% na proporção. Os demais, na Amazônia, tiveram até 3%.
Além disso, dos 11 projetos que tiveram entre 500 e mil focos de calor em seu entorno, apenas dois tiveram quantidade de focos internos maior do que 10% do número de focos externos: o Asaga Amazonas e o Resex Rio Preto Jacundá, no Amazonas e em Rondônia, respectivamente. Os demais registraram proporções entre 0% e 7,92%.
Por outro lado, o levantamento detectou quatro projetos cuja quantidade de focos internos foi superior a 30% dos focos externos. Em um deles, o Ka'a Pyahu, no Maranhão, a proporção foi de 85,6%. O projeto, desenvolvido pela Biofix, teve 222 focos de calor em seu entorno e 190 dentro.
Em nota, a Biofix disse que o projeto está se preparando para a auditoria e certificação e que ainda não houve venda de créditos de carbono. "Ainda que o projeto esteja em desenvolvimento, realizamos monitoramento contínuo, promovemos ações como curso de formação de brigadistas de incêndio com a comunidade local que aconteceu esse ano e de fortalecimento de governança interna", afirmou.
Já o projeto Suruí Forest, em Rondônia, teve uma proporção de 68%. Gerido pela Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí em parceria com o Idesam, o projeto teve 128 focos externos de calor e 87 internos. "Esse fogo registrado é acidental, porque todo mundo estava queimando em volta do território para prejudicar a imagem do governo. Nossos 15 brigadistas indígenas reverteram a situação", afirma Almir Suruí, líder do povo Paiter Suruí.
Para além dos focos de calor, o levantamento também detectou a porcentagem de área queimada dentro de cada projeto. O Suruí, por exemplo, teve 3,56% de sua área consumida pelo fogo, e o Ka'a Pyahu, 5,66%. Os projetos Asaga Amazonas e Resex Rio Preto Jacundá tiveram 1,76% e 10,52%, respectivamente.
Entre os quatro que mais pegaram fogo, está o Serra do Amolar, que também está na lista dos que menos conseguiram controlar os focos externos de calor. O projeto, desenvolvido pelo Instituto Homem Pantaneiro, teve 35,16% de sua área queimada.
Segundo Angelo Rabelo, presidente do instituto, entre maio e junho o Exército da Bolívia manejou fogo para queimar lixo na reserva de San Matías e provocou incêndios na região, que voltaram meses depois.
"Fizemos uma linha de defesa de 14 quilômetros para segurar esse fogo que estava avançando, porque havia baixíssima umidade, inexistência total de chuva e temperaturas acima de 40oC. E quando isso tudo vem atrelado ao vento, as condições ficam extremamente adversas para se ter um resultado eficiente", diz. O projeto, segundo ele, conta com satélites e brigadistas.
Dos projetos analisados, o que teve a maior área queimada foi o Serenity Valley, desenvolvido pela Ambipar no Pará. O fogo atingiu 39% da área do projeto, queimando 20,5 mil hectares. A Ambipar também é desenvolvedora do Resex Rio Preto Jacundá.
A Folha pediu uma entrevista para a empresa -uma das maiores do mercado- para entender o que provocou o fogo nas regiões, mas a companhia enviou apenas uma nota.
"Os projetos estão localizados em regiões próximas a atividades agropecuárias, que, infelizmente, têm sido associadas a desmatamentos ilegais, com o uso do fogo como prática", diz. "Além disso, o clima atípico deste ano, caracterizado por longos períodos de estiagem, altas temperaturas e ventos intensos, contribuiu significativamente para a propagação dos incêndios", afirmou.
Entre os quatro que mais registraram queimadas estão também os projetos Araguaia Bocalon (36%) e Itamarati (32,12%), desenvolvidos por NovaAgri e Future Climate, respectivamente, em MT.
Em nota, a Future Climate disse que rescindiu o contrato do projeto em outubro, uma vez que a Verra, principal certificadora do mercado, deixou de aceitar áreas de cerrado não florestal. "A Future Climate atuava como proponente, responsável pelo desenvolvimento dos documentos técnicos e pela análise de viabilidade, bem como pelo registro do projeto junto ao Verra. A conservação das áreas é de responsabilidade do proprietário da terra", disse.
Já a NovaAgri afirmou que o projeto foi atingido por um incêndio de grandes proporções que começou em uma área externa, de origem ainda desconhecida. "Apesar de ter atingido uma grande extensão na região, ainda preservou boa parte da área do projeto, graças ao sistema de monitoramento por satélite, pois foi possível tomar ações com agilidade e combater as chamas", acrescentou.
O levantamento, segundo especialistas, aponta para a necessidade de alguns projetos reforçarem seus mecanismos de monitoramento do fogo, ainda que algumas situações sejam incontroláveis.
O projeto Ahu, desenvolvido em MT pela Carbonext, por exemplo, teve 1,39% de proporção entre focos internos e externos e 1,37% de área queimada. O número, segundo Danilo Carneiro Valente, analista sênior da Carbonext, só não foi maior devido à operação feita pela empresa, que reúne softwares, aplicativos de monitoramento, caminhões-pipa e uma equipe de 15 brigadistas.
"A gente vinha acompanhando o fogo durante todo esse processo, mas em quatro dias ele avançou mais de 30 quilômetros, atravessando a estrada e adentrando parte da propriedade. Mas conseguiu ser uma porcentagem mínima muito por conta da atuação que a gente teve ali", disse Valente.
Para Thiago Metzker, doutor em biologia e diretor do grupo MYR, áreas que possuem projetos de créditos de carbono têm salvaguardas mais eficazes para controlar incêndios. "Para registrar os créditos, esses projetos têm que demonstrar salvaguardas, como brigada, equipamentos e canais de comunicação, coisas que o entorno e demais áreas não possuem", diz.
"A partir desse levantamento é possível dizer que o mecanismo auxiliou, mas não que ele realmente segurou todo o fogo", afirma Karoline Brasil, consultora do Idesam. Sobre as pressões externas, André Vianna, diretor técnico do Idesam, complementa: "É como qualquer programa onde existe pagamento por resultado. Você pode até trazer explicações externas que justifiquem, mas o que importa é que a promessa não foi entregue."
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/11/queimadas-foram-menos-frequentes-em-projetos-de-credito-de-carbono.shtml
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