Ferrovia abandonada no município de Avaí pelo Dnit e ALL põe recursos hídricos e solo da região em risco
A aproximadamente 40 quilômetros de Bauru, no município de Avaí, está localizada a Reserva Indígena Araribá, que abarca a aldeia Indígena Kopenoti, de etnia Terena, e a aldeia Nimuendaju, de etnia Guarani. Sobreposta à Terra Indígena encontra-se a Área de Preservação Ambiental do Rio Batalha, abrangendo 1.940 hectares. O Rio Araribá, afluente do Rio Batalha, encontra-se bastante assoreado. Grandes áreas da bacia hidrográfica Tietê-Batalha são vulneráveis ao desenvolvimento de processos erosivos (e, portanto, de assoreamento) devido ao avançado processo de degradação de suas matas ciliares. Mas no caso do Rio Araribá, de aproximadamente seis quilômetros de extensão, a situação é ainda pior. O processo erosivo, de tão avançado, já constitui uma voçoroca bem no meio da Terra Indígena.
No início do século XX, foi construída a ferrovia Noroeste, que cruza o rio Araribá passando por dentro da Terra Indígena. A própria construção da ferrovia já causou enorme impacto à população nativa, devido ao desmatamento e ao afastamento da vida selvagem que poderia trabalhar positivamente para a regeneração do bioma por meio da dispersão natural de sementes.
Os quase 100 anos de uso da ferrovia, com a trepidação constante, fizeram com que boa parte do solo fosse sendo pouco a pouco depositado na beira do rio. A desativação da ferrovia foi um processo lento e progressivo. O fim da trepidação dos trens seria positivo para o meio ambiente. Mas, ao mesmo tempo o abandono da infraestrutura, de responsabilidade da América Latina Logística (ALL) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), deixou a área sem a manutenção ecológica necessária à regeneração da mata, que poderia deter o processo erosivo já iniciado. Mesmo sem trepidações, a voçoroca continua a avançar para os dois lados da área da obra principalmente pela ação das águas de escoamento superficial, que não contam mais com a mata ciliar para sua contenção. No atual estágio do processo erosivo, seriam necessárias intervenção e manutenção humanas para impedir que o buraco continue a engolir o solo e que essa terra seja levada para o leito do rio. No entanto, com a desativação da ferrovia, a área foi abandonada pela ALL e pelo DNIT que não tomaram as medidas necessárias para deter o processo.
O glossário ambiental da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, CETESB, define a voçoroca como o último estágio da erosão. O termo regional, de origem tupi-guarani, é usado para denominar sulco grande, especialmente os de grandes dimensões e rápida evolução. A voçoroca é uma área degradada, ou seja, que sofreu impacto de forma a diminuir muito ou mesmo impedir sua capacidade de regeneração através de meios naturais.
Manutenção e reparos periódicos poderiam ter evitado o "buraco"
A construção de uma ferrovia tem impactos ambientais inerentes ao meio físico onde se instala. Uma forma de amenizar os impactos é prevê-los antes da execução da obra. Dispositivos hidráulicos como drenagem superficial, bueiros e galerias podem ser eficientes para precaver processos erosivos. Eles têm a função de captar, disciplinar e conduzir as águas superficiais para locais convenientes, impedindo que a obra tenha interferências negativas sobre o regime de escoamento superficial. Mas esses dispositivos precisam de reparos e manutenção constante, ainda que nenhum trem passe pelos trilhos. Segundo Anézio Coelho de Souza, engenheiro agrônomo e técnico da Fundação Nacional do Índio, Funai, o buraco em Araribá se desenvolveu devido à falta de manutenção na ferrovia.
"Os responsáveis pela manutenção da via férrea deveriam fazer roçada e capina do mato que cresce ao longo dos trilhos. Deveriam também fazer a limpeza e reparo constante das calhadas de escoamento de enxurradas. É preciso ainda fazer a correta manutenção das estruturas que quebram a energia do escoamento da água no final das calhas", explica Anézio.
Vidágua e Funai visitam local
A alça de acesso que liga a rodovia AVI 040 ao início da voçoroca encontra-se no quilômetro 4,2. Entrando por esse caminho, logo se lê uma placa improvisada indicando "buraco", bem ao lado da estrada, que fica paralela à ferrovia. Se o processo erosivo não for detido, a estrada usada pelos indígenas pode acabar engolida pela voçoroca em pouco tempo, dependendo da intensidade das chuvas.
No dia 1o de março de 2012, o Instituto Ambiental Vidágua visitou o local acompanhado pela Funai. Na ocasião, toda a área da voçoroca foi percorrida e fotografada. O professor de Ciência Humanas e morador da aldeia Tereguá Erickson Sebastião Cruaia, da etnia terena, falou ao Vidágua sobre os problemas que o avanço da voçoroca tem causado à comunidade da região: "Sou usuário da estrada, uso aquele caminho para ir para minha casa. Nossa produção de agricultura também passa ali. Se não tomarem uma providência, com o tempo já não tem mais estrada. Complica para nós, como agricultores e como usuários também". Ele conta que à noite a situação piora por causa da neblina, que prejudica a visibilidade, aumentando o risco para quem passa pela estrada. "Se vem um carro mais acelerado, como uma ambulância de socorro que passa com urgência, é fácil cair no buraco". Peruas escolares também utilizam a via. Cansados de esperar uma providência dos responsáveis pelo problema, os próprios índios começaram um trabalho de tentativa de contenção da erosão. Eles instalaram poleiros artificiais em locais estratégicos ao longo da voçoroca.
A técnica consiste em oferecer um local de descanso entre um voo e outro a animais dispersores de sementes, principalmente aves, com a finalidade de acelerar o processo de sucessão vegetal no local. "Estamos tentando reflorestar perto do rio e do buraco, mas precisamos de um trabalho maior para proteger a beirada e fazer a terra parar de cair dentro do rio, que antes de assorear tinha peixe e era área de lazer das crianças indígenas".
O trecho do rio Araribá que fica próximo à voçoroca recebe grande quantidade de terra, que desliza do buraco e se deposita ali.
Entulho e sujeira dos vagões abandonados, e pedras e ferros que descem da linha do trem também vão parar no rio. O solo foi bastante degradado, prejudicando o costume terena de trabalhar com argila. "É da nossa cultura trabalhar com argila, fazer panela, prato, costume terena mesmo. Já não se encontra mais argila ali..." lamenta Erickson.
Descaso não é novidade
No dia 24 de fevereiro deste ano, foi publicado na imprensa local uma matéria sobre a retirada de vagões da área indígena em Avaí pelo Dnit. Em dezembro de 2011, o Dnit retirou 74 vagões e outros equipamentos ferroviários que estavam abandonados na aldeia indígena Araribá desde setembro do ano anterior. A remoção dos equipamentos do local havia sido determinada em liminar da 1ª Vara Federal de Bauru, concedida em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal em junho de 2011. Na ocasião, o MPF solicitou que o Dnit não deposite de maneira indevida bens de sua propriedade em locais não apropriados.
Os indígenas aguardam que o Dnit retire todo o equipamento relacionado à via férrea para que a gleba seja reintegrada com agricultura, ou indenize a área ocupada pela sua estrutura que hoje atravanca e intercepta todos os fluxos naturais na Terra Indígena.
http://www.redebomdia.com.br/noticia/detalhe/19146/Vocoroca+ameaca+Terra+Indigena+Arariba
PIB:Sul
Related Protected Areas:
- UC Rio Batalha
- TI Araribá
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