Comunidades tradicionais reagem aos Impactos socioambientais no litoral do Piauí
Sem o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba-APA, o uso do território vem sofrendo impactos que comprometem a sustentabilidade da região, hoje, explorada de forma predatória. A conclusão foi observada durante o I Fórum de Território e Direitos das Comunidades Tradicionais do litoral do Piauí, realizado de 8 a 10 de novembro de 2017 na comunidade Pedra do Sal, em Parnaíba/PI, promovido pelas instituições socioambientais: Rede Ambiental do Piauí-REAPI e Comissão Ilha Ativa-CIA.
Os parques eólicos e a prática do Kitesurf, aliados ao turismo sem controle, a especulação imobiliária, a falta de aterros sanitários são os maiores impactos negativos atuais e vêm promovendo descaracterização dos ecossistemas marinho e costeiro. Os transtornos irreparáveis a fauna e flora e as comunidades tradicionais da Ilha de Santa Izabel, principalmente Labino e Pedra do Sal, sufocadas pelos aero- geradores próximos a seus quintais, traduz a falta de compromisso com os moradores, tanto pela empresa Ômega Energia quanto pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado-SEMAR, responsável por expedir a licença.
A fala da Secretária de Turismo do Município de Cajueiro da Praia, Tiara Ibiapina, ilustra bem o quanto os administradores estão equivocados em relação ao manejo do pequeno litoral. Realçando as qualidades do turismo praticado em Barra Grande, distrito do município Cajueiro da Praia, a secretária disse que por lá o turismo já está consolidado e que não faltam empregos aos nativos.
Porém informou que em alta temporada o pescador desaparece porque prefere pescar gringo quando se enrosca na corda do Kitesurf. Pagam R$ 30,00 pelo resgate. Já o dono da mais badalada pousada de Barra Grande, empresário Ariosto Ibiapina acrescentou que os pescadores estão virando pequenos empreendedores. "Eles constroem mais um quarto em sua casa com ar-condicionado para alugar ao turista".
Ambos não permaneceram no evento para ouvir as reações de pescadores, marisqueiros, catadores de caranguejo e demais nativos de outros distritos do litoral que se sentiram ofendidos com os depoimentos. Falaram que não querem ver suas profissões extintas, muito menos seus modos de vida e suas culturas desaparecerem. A maioria disse que jamais colocariam pessoas desconhecidas dentro de sua casa, convivendo da intimidade de sua família. Sobre pescar gringo, serviu de metáfora e deboche entre os mais de 50 pescadores presentes. Mostraram que sabem guardar culturas de seus antepassados como a dança do coco de praia, oficina ministrada pelo filho do território, Grajau e muitas outras danças deslumbrantes.
O mal das Eólicas
O debate sobre a energia dos ventos, eólicas, mostrou uma realidade dramática na vida das comunidades e que poucos sabem. Ao licenciar a empresa Ômega Energia, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado-SEMAR, validou a empresa a cercear o direito de ir e vir das pessoas as lagoas, aos carnaubais e aos cajueiros, importantes fontes de extrativismos explorados há séculos pelos nativos de forma sustentável e garantia certa de uma renda extra. Hoje essas áreas são vigiadas por seguranças da empresa.
As estórias narradas revelam violação de direitos humanos após a instalação dos aerogeradores, chamados por eles de cata-vento dentro das comunidades. Informaram que foram derrubadas perto de duas mil árvores e que até mesmo os insetos, impedidos de circular livremente por todas as áreas, se refugiaram em suas casas, sem contar o barulho das hélices em funcionamento.
A promessa de uma energia limpa e potente para as comunidades também não aconteceu. O pescador apelidado de Buchudo foi enfático se reportando ao Coordenador de Meio Ambiente da Ômega, Samuel Oliveira. "A eólica só trouxe prejuízo e raiva para nossa comunidade, não deixou nenhum benefício", disse, referindo-se à contrapartida (compensação) socioambiental da empresa, ainda desconhecida para a maioria. O gestor da empresa informou que está empenhado em dialogar e resolver conflitos.
Intensa também foi a discussão sobre a prática do Kitesurf na Pedra do Sal. A analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade-ICMBio, Patrícia Claro, apresentou trabalho sobre a expansão do esporte e suas consequências na região. Segundo ela, a prática vem desde 2010, em Barra Grande e atualmente se estende por toda APA do Delta promovendo impactos socioambientais preocupantes. Informou não haver ainda estudos científicos comprovando os danos, porém são muitos os depoimentos dos pescadores tradicionais sobre o desaparecimento de peixes de superfícies como tainha, saúna, curimã e tamatarana, ocasionado pelas manobras do kite na água.
Disse ainda que os praticantes não respeitam as bocas de barra, consideradas maternidade marinha. O presidente da Associação de Kitesurf do Piauí, Marcos Vinicius, defendeu os associados, número ínfimo em relação aos que frequentam as praias e admitiu que não tem como controlar o pratica do esporte por todo o litoral, já que não existe regulamentação, muito ao contrário, o Estado não só estimula, mas também financia campeonatos, a exemplo do que ocorreu este ano na Pedra do Sal, quando o ICMBio proibiu o evento, mesmo assim foi realizado com autorização do Governo.
Outro direito fundamental das comunidades, o acesso à terra também foi debatido com quem tem o dever de regularizar a situação, a Secretaria do Patrimônio da União-SPU, representada ali por Marconi de Macedo do Ministério Público Federal, com o Procurador Samuel Linhares, OAB, na figura do presidente da seccional de Parnaíba, José de Sousa Lima e ainda o representante da família Silva, detentora da maior fatia de terra na Ilha de Santa Izabel, Roberto Pilim.
O representante da OAB remete a culpa a SPU, que em sua visão, favorece mais aos ricos e citou alguns exemplos. Já o Procurador da República, Saulo Linhares, colocou atuação do Ministério Público Federal na região e disse que a instituição está à disposição para contribuir nas causas que ferem a dignidade humana e os recursos naturais protegidos por lei.
O melhor de todo Fórum foi a notícia da realização do Plano de Manejo da APA do DELTA (Parnaíba), previsto para se tornar realidade, com recursos da compensação ambiental das eólicas, já em 2018. O Chefe da APA, Daniel Castro, mostrou todos os benefícios que virão com o Plano de Manejo funcionando a contento, a expectativa é que todo ecossistema marinho recebam proteção.
O Fórum teve o apoio do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, Conselho Pastoral dos Pescadores, Grupo Cajuína, professores da Universidade Federal do Piauí-Parnaíba e da Rede de ONGs da Mata Atlântica, que foi representada por três entidades filiadas, REAPI, Comissão Ilha Ativa e SOS Natureza.
http://rma.org.br/noticias/comunidades-tradicionais-reagem-aos-impactos-socioambientais-no-litoral-do-piaui/
Mata Atlântica:Conservação e Manejo
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- UC Delta do Parnaíba (Federal)
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