OESP, Vida, p. A24 - 05/12/2012
Ação liberta quase 400 tartarugas na região amazônica
Com apoio do Ibama e do ICMBio, policiais federais em Roraima utilizaram barcos de pesquisadores para surpreender caçadores
Sergio Torres, Enviado especial
BOA VISTA - Uma ação inédita que resultou na apreensão de quase 400 tartarugas vivas de espécies ameaçadas de extinção, entre elas a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), acaba de ser concluída pela Superintendência da Polícia Federal (PF) em Roraima.
Os animais seriam vendidos em Boa Vista e, principalmente, em Manaus. A carne da tartaruga é apreciada na região amazônica. O consumo aumenta no Natal, pois é hábito local preparar na ceia pratos à base de tartaruga.
A quantidade de animais encontrados e a crueldade com que eram tratados pelos caçadores, chamados de tartarugueiros, surpreendeu os dois delegados e seis agentes federais deslocados para a região do Baixo Rio Branco, afluente do Rio Negro, formador do Rio Amazonas.
As maiores tartarugas, com peso entre 50 kg e 65 kg e idade presumida de 100 anos, ficavam fora da água, com o casco para baixo, imobilizadas. As menores, amontoadas às dezenas em currais improvisados na mata, estavam sem acesso a alimento e água.
A equipe da PF, que teve o apoio de um profissional do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e outro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), devolveu ao Rio Branco e afluentes 362 tartarugas vivas. Foram achados 16 animais mortos em consequência dos maus-tratos.
Os policiais queimaram sete embarcações, grande quantidade de redes de pesca e material variado em acampamentos abandonados às pressas pelos tartarugueiros. Sete deles foram presos, mas já estão soltos, após pagamento de fiança no valor de 1 salário mínimo.
A expedição partiu de Boa Vista em embarcação utilizada por pesquisadores, jamais por fiscais e policiais. A intenção era manter sigilo, já que a presença de grupos de fiscalização costuma ser rapidamente disseminada ao longo do Rio Branco.
A estratégia foi vitoriosa. Os tartarugueiros foram surpreendidos em vários trechos ribeirinhos, na altura dos municípios de Caracaraí e Rorainópolis, em margens opostas do rio. São áreas no sul de Roraima, quase na divisa com o Amazonas, que deveriam ser de acesso restrito, pois banham dois santuários naturais, o Parque Nacional do Viruá e a Estação Ecológica de Caracaraí.
Batizada de Operação Pimenta - homenagem a José Santos, o Zé Pimenta, um estudioso dos quelônios da Amazônia, assassinado em 2006 por tartarugueiros -, a ação foi realizada em duas etapas. A última delas, de oito dias, terminou anteontem.
Extinção
Chefe do grupo de policiais que percorreu o Baixo Rio Branco, o delegado Alexandre Saraiva, superintendente da PF no Estado, previu que, no ritmo atual da caça clandestina, a tartaruga-da-amazônia estará extinta naquela região em, no máximo, 20 anos. Nas redes de malha grossa, os "capa-sacos", também ficam presos botos e peixes maiores, o que torna a mortandade ainda maior.
"A tartaruga-da-amazônia e o tracajá são espécies condenadas, pois os caçadores pegam, além dos animais, os ovos, para consumo próprio. Recolhemos 700 ovos nos acampamentos dos criminosos. Aquilo é terra de ninguém", declarou o delegado.
Nesta época do ano, as tartarugas estão "assoalhando", expressão empregada na região para designar a procura dos melhores bancos de areia, os tabuleiros, para desovar. Daí a facilidade com que os caçadores localizam os ovos, já que as desovas ocorrem nos tabuleiros mais altos, escolhidos pelos animais por ficarem mais longe da água.
Ameaçados de extinção, animais sofrem maus-tratos
BOA VISTA
A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e o tracajá (Podocnemis unifilis) constam em anexos da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) como animais ameaçados. Captura, posse, transporte e comércio são proibidos por lei federal. A Cites é um dos acordos ambientais mais importantes do planeta. O Brasil é signatário desde 1975.
A população de quelônios amazônicos "vem declinando ano após ano, tendo por principal causa a captura em grande quantidade para fins de atender o mercado ilegal de carnes exóticas", acusa o relatório da Operação Pimenta.
As investigações indicam que, em Manaus, cada tartaruga-da-amazônia custa, inteira, R$ 500. Só o lote localizado pelos agentes federais poderia render aos traficantes de animais perto de R$ 400 mil. O que torna a caça das tartarugas mais grave é que os animais adultos podem desovar de 100 a 150 ovos, uma vez por ano, o que mantém "em níveis equilibrados a população das tartarugas-da-amazônia na região do Baixo Rio Branco", informa o relatório da Superintendência da PF.
As tartarugas "sofrem intenso estresse", continua o documento. "As tartarugas pequenas, tracajás e outras espécies menores são depositadas em cercados temporários em grande quantidade, uma em cima da outra, privadas de água e alimento, no meio da lama e excrementos dos próprios animais. As adultas e corpulentas também são privadas de água e alimentos e são viradas de costas para baixo, posição em que (....) não conseguem se desvirar sozinhas em terra e que acarreta sofrimento, pois, por causa de seu grande peso corporal e ausência de esqueleto interno, as vísceras, órgãos e músculos se descolam para baixo, comprimindo o pulmão do animal, causando asfixia, que muitas vezes leva a óbito", diz o texto. / S.T.
OESP, 05/12/2012, Vida, p. A24
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,acao-liberta-quase-400-tartarugas-na-regiao-amazonica-,969392,0.htm
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,ameacados-de-extincao--animais-sofrem-maus-tratos-,969396,0.htm
Amazônia:Biodiversidade
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