A exemplo do Brasil, que tem um "arco de fogo" no contorno leste da floresta amazônica, o estado de Roraima também ostenta o seu "arco do fogo", no limite oste/sul de sua região central de cerrado, ou "lavrado", como é conhecida localmente. Estendendo-se desde o município de Pacaraima, no alto das serras do norte, até o município de Bonfim, fronteira leste de Roraima com a República Cooperativista da Guiana, essa faixa de transição entre o cerrado e a floresta estende-se por mais de 500 quilômetros, ocupada por fazendas, assentamentos agrícolas e por algumas terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação. Na maior parte, é a zona de expansão da fronteira de ocupação agropecuária do Estado. Aí, a "ferramenta fogo" é largamente utilizada para "limpar" a terra para agricultura ou para pasto. Mas quase sempre o fogo é usado sem as precauções necessárias para que uma simples queimada não se transforme num imenso e sem controle incêndio florestal.
Brigadas
Cinco municípios roraimenses têm territórios nessa faixa de transição e, neles, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama treinou e implantou brigadas de combate a incêndios florestais. Desde o final do ano passado, esses grupos especializados em combater incêndios florestais, tanto em matas quanto em cerrados, quando necessário, são acionadas pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais - Prevfogo, para prevenir ou combater diretamente o fogo em zonas rurais.
Os municípios de Pacaraima, Amajari, Alto Alegre, Mucajaí e Cantá foram escolhidos para sediarem as brigadas por apresentarem condições favoráveis aos incêndios florestais. Entre os critérios técnicos que os elegeram, encontram-se o número de focos de calor registrados nos últimos três anos, a quantidade de áreas protegidas pela União em seu território (unidades de conservação, terras indígenas, matas ciliares, etc), a quantidade de áreas com remanescentes florestais e o histórico de incêndios florestais do município.
As brigadas são compostas por 28 pessoas, cujas atividades são administradas por um gerente que responde por elas junto à Coordenação Estadual do Prevfogo, em Boa Vista. Cada uma é constituída por quatro pelotões de sete brigadistas, liderados por um deles, que se revezam no combate.
Predominantemente, são constituídas por indivíduos afeitos ao trabalho braçal pesado. "Garotinho da cidade não aguenta o tranco, não!", garante um agricultor que integra uma brigada pela terceira vez. A seleção para o treinamento de brigadista exige plena forma física e habilidade no manuseio de ferramentas agrícolas. Basicamente, o combate ao fogo no campo envolve trabalhos com enxada, pá, foice e machete, além de pesados "abafadores" (placas de material incombustível, flexível, dotadas de um longo cabo de madeira que são usadas para bater na vegetação em combustão) e de "bombas costais", uma espécie de mochila contendo 20 litros de água, transportadas por vários quilômetros até o local do incêndio.
A presença de mulheres brigadistas acentuou-se neste ano, ao contrário dos anteriores, quando a presença feminina era quase inexistente em função do preconceito de que "bater fogo é trabalho de macho". Naturalmente, para as mulheres acabam recaindo as tarefas menos penosas, mas não menos importantes para o sucesso do grupo em combate.
Indígenas
O indígena Bernardino Sales Ribeiro é um dos chefes da brigada de Pacaraima, baseada na localidade de Sorocaima, ao norte da Terra Indígena de São Marcos. Juntamente com Arlinson Silva, ele lidera 12 outros brigadistas, na maioria "parentes" que buscam debelar os vários incêndios que surgem na região, resultantes das culturais queimadas promovidas pelos indígenas para implantar novas roças. Por suas peculiaridades culturais, essa brigada é menor e suas ações concentram-se em sua própria região.
Em ação desde 14 de dezembro, a "brigada indígena" está enfrentando o verão mais difícil dos últimos anos. "Além de muitos fogos pequenos, já tivemos dois grandes, em Xanadu e Curicaca", afirma Bernardino, referindo-se a micro-regiões do norte da TI São Marcos. As ações do grupo se dão de forma quase autônoma. Preventivamente, acompanhando processos de queimadas e de combate direto ao fogo, atendendo às solicitações da população indígena afetada.
Estiagem
Segundo previsões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, o verão em Roraima ainda reserva um longo período de estiagem, agravada pelo fenômeno El Niño que se desenrola no Oceano Pacífico. Pelo menos até meados de abril, não deverão ocorrer significativas precipitações no Estado, agravando o quadro de seca intensa que já se verifica em algumas regiões, inclusive com incêndios florestais de grande porte e morte de gado por sede. A previsão desse quadro climático feita no final do ano passado pelo INPE foi o que levou o Ibama a preparar-se para o pior, em Roraima, treinando e implementando brigadas nos cinco municípios mais suscetíveis a incêndios florestais.
As brigadas operadas pelo Prevfogo têm a função específica de preservar áreas sob proteção federal, são acionadas segundo estritos critérios técnicos e operam em consonância com o Comitê Estadual de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, presidido pela Fundação Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, que engloba mais de uma dezena de organismos e autarquias municipais, estaduais e federais que se ocupam das atividades agropecuárias em Roraima.
Ao nível do Estado, o combate aos incêndios florestais é encabeçado pela Defesa Civil e Corpo de Bombeiros Militar, a quem compete preservar o patrimônio da população roraimense das ameaças do fogo. Como integrante do Comitê, o Ibama tem uma "atividade técnica suplementar" no combate aos incêndios por parte dos órgão estaduais, como define coordenador Estadual do Prevfogo, o analista ambiental do Ibama Joaquim Parimé.
De outra parte, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio mantém em suas unidades de conservação igualmente brigadas de combate aos incêndios florestais que se ocupam da preservação dos territórios dessas unidades e das áreas que lhe são lindeiras. São os casos da Estação Ecológica de Maracá (entre Amajari e Alto Alegre), da Floresta Nacional de Roraima (em Alto Alegre), da Estação Ecológica de Caracaraí e do Parque Nacional do Viruá, ambos no município de Caracaraí. Em crises intensas, esses efetivos poderão reforçar o combate em outras regiões, a critério da autoridade ambiental federal.
Equipamentos
O técnico ambiental Marivaldo Santos Santana tem décadas de experiência em combate a incêndios florestais em todo o país. Ele veio de Brasília especialmente para renovar o Rodofogo, deixando-o apto para ser utilizado em qualquer local acessível por terra. O caminhão é equipado para transportar até 22 brigadistas em ambiente confortável que lhes serve também de local de repouso durante o combate às chamas. Todo o equipamento e ferramental necessário ao trabalho dos brigadistas são nele transportados, incluindo barracas, cozinha de campanha e suprimentos alimentares e de primeiros socorros. "Só precisamos de água", garante Marivaldo. "Temos todo o necessário para acampar e combater em qualquer local durante vários dias".
O técnico acompanhou o combate no município do Amajari e ficou satisfeito com o que viu. "A maioria dos brigadistas de lá é remanescente de brigadas anteriores. Têm muita experiência, sabem o que fazem. Isso dá qualidade ao trabalho de combater o fogo".
Outras nove viaturas do tipo pick up com tração nas quatro rodas estão dispostas nos acampamentos regionais do Prevfogo. Completam a "frota" um outro veículo do mesmo tipo, especialmente equipado para a função de posto de comando, e um helicóptero Bell modelo LongRanger IV com capacidade para transportar sete tripulantes e passageiros ou um "helibalde" (bolsa com capacidade para 560 litros de água para ser lançada sobre o fogo). Essa aeronave comumente executa missões de reconhecimento, transporte e resgate de brigadistas em locais de difícil acesso, entrando em combate direto quando as condições são favoráveis ao seu desempenho (fácil acesso à água, fogo em vegetação baixa), em apoio ao trabalho feito em terra. Mais um helicóptero deverá chegar ao Estado nos próximos dias.
Os brigadistas e seus equipamentos são acionados pela coordenação do Prevfogo quando da ocorrência de incêndios nas áreas que lhes são afetas. Detectada a presença de foco de calor, via um boletim diário emitido pela Gerência de Monitoramento por Satélite do Prevfogo, em Brasília, é acionado o helicóptero para verificação in loco. Constatadas a ocorrência de fogo, suas circunstâncias e a necessidade de combate, deslocam-se os recursos necessários para combatê-lo. No mês de janeiro, foram detectados pelos satélites do sistema norte-americano NOAA 47 focos de calor nos cinco municípios mais críticos: Alto Alegre, um; Amajari, 33; Cantá, quatro; Mucajaí, um; e Pacaraima, oito.
Autuações
As ações de proteção do Ibama não se restringem à prevenção e ao combate aos incêndios florestais. Envolvem também, e sistematicamente, a fiscalização e a autuação de infratores, no que o helicóptero é de grande valia para identificar e medir as áreas atingidas. Encontrar e contornar o perímetro de locais degradados, seja por fogo ou desmate, é "a maior moleza", admite um fiscal do Ibama após usar o helicóptero para registrar em seu GPS os limites exatos de uma área sinistrada. De posse das coordenadas geográficas, utiliza-se o software "TrackMaker" para calcular em hectares a superfície atingida. Esses cálculos fazem parte do relatório da fiscalização do Ibama que acompanha o trâmite da multa e servem para delimitar a área a ser embargada para atividades econômicas.
Inicialmente, o proprietário ou responsável pela área degradada é notificado para dar explicações sobre o ocorrido à fiscalização do Ibama, oportunidade em que apresenta preliminarmente seus argumentos, lhes são informados os resultados das investigações e ele é notificado sobre o embargo da área em questão. Com isso, fica impedida toda e qualquer atividade econômica no local e passa a tramitar o processo de autuação e multa, ao qual o penalizado tem acesso e possibilidades de recursos. Ao responsável por um incêndio florestal é imputada multa no valor de R$ 1.000,00 por hectare queimado.
Num recente caso no município de Amajari, mais de 2.400 hectares de cerrados e florestas foram queimadas, o que inclui boa parte de uma fazenda de onde se originou o incêndio. A brigada do Amajari levou mais de dez dias para controlar o sinistro. O proprietário dispôs instalações de sua fazenda para abrigar os combatentes, cedendo-lhes um aprisco recém construído para acampamento. Igualmente, providenciou água gelada, café e contribuiu na alimentação dos brigadistas.
Sala de Situação
Na próxima semana chegará a Boa Vista um assessor técnico do Ministério do Meio Ambiente para implantar uma "Sala de Situação" que coordenará as atividades de prevenção e combate aos incêndios florestais em Roraima. A ação do MMA se dará em parceria com o Corpo de Bombeiros Militar - em cujo quartel será implantada a Sala de Situação -, com a Defesa Civil no Estado e com os demais organismos envolvidos no processo.
Essas informações foram trazidas pelo coordenador de Planejamento e Administração Nacional do Prevfogo, José Lázaro de Araújo Filho, recém chegado à capital para acompanhar os trabalhos do orgão no Estado. De acordo com Lázaro, com a implantação da Sala de Situação nos Bombeiros, "as atividades precípuas do Prevfogo se mantêm inalteradas. Além de cuidarmos das áreas sob proteção federal, seremos um dos participantes nos esforços coordenados pelo MMA para controlar os incêndios florestais em Roraima".
UC:Geral
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