O Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, tem 3,867 milhões de hectares, território superior ao da Bélgica, por exemplo. É a maior unidade de conservação do mundo em área de floresta tropical, seguida do Parque Nacional Salonga, da República Democrática do Congo (antigo Zaire), com pouco mais de 3,6 milhões de hectares.
O engenheiro florestal Christoph Bernhard Jaster é o chefe do PARNA desde setembro de 2003, mesmo ano em que concluiu seu Doutorado na UFPR. Mestre em Ciências Florestais Tropicais, título obtido em Goettingen, Alemanha, em 1996, trabalhou como consultor na área ambiental no Paraná e em outros estados do Brasil - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins - até que, em julho de 2002, foi aprovado no concurso do Ibama. Tomou posse no cargo em maio de 2003. Nesse caminho, foi obrigado a abrir mão da cidadania alemã, já que, para ocupar cargos públicos no Brasil, é preciso ser brasileiro nato ou naturalizado.
Rompendo vínculos existenciais, posto que a Alemanha não permite cidadania dupla em determinadas situações, ganhou grandes e desafiantes responsabilidades ao assumir a missão de comandar as atividades desenvolvidas no Tumucumaque. Toda a região, conhecida como Escudo das Guianas, foi classificada como de importância biológica extrema, sobretudo no que se refere à conservação da biodiversidade da Amazônia Brasileira.
Entrevistado por ambientebrasil, ele fala um pouco sobre o cotidiano em meio à floresta e sobre os rumos do Parque.
ambientebrasil - Quais são os maiores desafios na sua rotina como chefe do maior parque de floresta tropical do planeta?
Christoph Jaster - Em resumo, posso dizer que o desafio maior é fazer com que o PARNA Montanhas do Tumucumaque cumpra os objetivos para os quais ele foi criado no menor prazo possível. Como Parque Nacional, ele deve, além de proteger a biota, oferecer oportunidades para a prática de pesquisa científica, educação ambiental e visitação pública, conforme claramente colocado na lei. No entanto, um outro objetivo é cada vez mais evidente: o de promover o desenvolvimento regional, trazendo benefícios mais diretos às comunidades do entorno da UC.
A proteção de uma área dessa magnitude certamente traz benefícios globais, dificilmente mensuráveis, mas nem por isso menos importantes. Mas não é justo que quem tenha que oferecer a contrapartida para tais benefícios ecológicos globais sejam as populações rurais do entorno da UC, em razão das restrições que a área protegida lhes impõe.
ambientebrasil - Isso pode ser contornado de que maneira?
Christoph - Precisamos encontrar um caminho viável que seja ambientalmente correto e socialmente justo. Cumprindo esta meta, estaremos contribuindo substancialmente para a melhoria da imagem das UCs e de toda a política ambientalista nacional e internacional, uma vez que ainda sentimos forte resistência por parte de alguns setores. Não se pode alcançar os objetivos do Parque tendo toda a opinião pública voltada contra a causa ambiental. Achamos e defendemos a possibilidade do PARNA se tornar um instrumento para o desenvolvimento regional, através da geração de empregos diretos e indiretos (especialmente pela implantação de um programa de visitação pública), renda e, assim esperamos, melhoria das condições de vida da população local.
Em função de tudo isso, eu diria que a carga de responsabilidades e atribuições, e com isso os desafios da função de chefe de Unidade de Conservação, são por demais diversificados. Isso é exatamente o que faz com que este trabalho seja tão interessante. Eu me encontro na privilegiada situação de ter assumido uma unidade de conservação (UC) recém criada. Dessa forma podemos sentir mais diretamente os sucessos (e também os insucessos) do nosso trabalho e também determinar o rumo das coisas. É como na educação de um filho. O que lhe ensinamos durante sua fase inicial de desenvolvimento é o que irá caracterizá-lo para o resto de sua vida, fazendo com que ele seja um ser humano de valor ou não.
Os desafios do nosso trabalho também permeiam situações normais do cotidiano, relacionados com o ambiente de trabalho, com o trabalho em equipe, com o enfrentamento de entraves burocráticos e administrativos, normais em muitas repartições públicas, com questões trabalhistas e políticas, que muitas vezes ameaçam a satisfação pessoal e profissional. Passam também pela disponibilização de recursos e também por procurar motivação para enfrentar justamente estes desafios da função. Este último ponto se sustenta principalmente na grandeza da missão que nos foi confiada, que vale qualquer sacrifício para que possamos atingir as metas.
ambientebrasil - E quais são as maiores vitórias?
Christoph - Posso dizer com segurança que o processo de implantação da unidade, que faz com que o PARNA realmente exista na prática e não apenas no papel e que cumpra seus objetivos, está em pleno andamento. Conseguimos realizar uma série de atividades. Cito duas das mais importantes: a recriação e adequação do Conselho Consultivo do PARNA, tendo em vista que o primeiro CC foi criado de forma totalmente inadequada e irregular, fadado ao insucesso. O CC da unidade é o principal intrumento para propiciar a gestão participativa do Parque Nacional, permitindo que diversos setores da sociedade civil e do poder público possam opinar sobre questões relativos à UC.
ambientebrasil - Essa participação não está diretamente associada à imagem da Unidade de Conservação?
Christoph - Sim. Um ponto muito relevante é a maior aceitação da UC por parte da população e afirmo que isso é fruto de uma política de transparência de ações que viemos desempenhando, através de divulgação direta do nosso trabalho e um contato mais direto com a população local. Ainda temos muito que evoluir nesse aspecto, mas as pessoas já estão mostrando um maior reconhecimento do nosso trabalho. Estão vendo esta outra faceta das atividades e atribuições do Ibama, tão bonita e desafiadora, muito diferente da imagem negativa de órgão repressor e punidor que, infelizmente, ainda impera na maior parte do país. Durante a primeira fase de nosso trabalho, há cerca de dois anos, ainda enfrentávamos fortes resistências e desaprovação generalizada, mas as coisas estão muito melhores agora. A intensa divulgação das questões relativas ao Tumucumaque tem criado um sentimento de orgulho e responsabilidade por parte da população local, o que é extremamente positivo.
É preciso mencionar que o fato de trabalharmos na maior UC de Proteção Integral do Brasil e na maior área protegida de Floresta Tropical do Planeta, ao invés de dificultar nosso trabalho pelas dimensões físicas da área, tem se revelado uma condição extremamente favorável. Através deste apelo contamos com o apoio financeiro de diversas fontes e da interação positiva da comunidade ambientalista nacional e internacional.
ambientebrasil - Com dimensões de tal magnitude, a proteção aos limites do parque não se torna uma tarefa hercúlea, a princípio inviável?
Christoph - A dificuldade de proteção em função das dimensões físicas da área é um aspecto relativo. Mais relevante é o grau de pressão antrópica a que uma área está sujeita. O Amapá tem apenas 530 mil habitantes, concentrados na capital, às margens do Rio Amazonas, e na faixa litorânea. O Parque Nacional do Tumucumaque é muito distante dessas aglomerações e praticamente inacessível, o que lhe confere um elevado grau de proteção e integridade ambiental. Sua região de entorno é ocupada pelas mesmas florestas quase intactas que também caracterizam seu interior. Vivemos, portanto, em um cenário relativamente tranqüilo, o que nos dá tempo de elaborar um programa de proteção eficiente, tendo em vista que os recursos financeiros já se encontram disponíveis. É claro que são verificadas interferências antrópicas pontuais, principalmente em função do garimpo irregular no interior do Parque, mas com relação à sua área, esta atividade representa um impacto ainda pequeno.
Outras condicionantes podem ser consideradas de suma importância para a proteção da UC: a existência de terras indígenas adjacentes ao Parque. Na ocasião da criação da UC, os índios foram os únicos atores a favor da iniciativa, pois viam no Parque uma proteção adicional para os limites de suas próprias terras. Da nossa ótica, o inverso também procede, dessa forma cultivamos um contato positivo e uma política de boa vizinhança com os indígenas da região.
Um terceiro aspecto é o fato do Tumucumaque estar localizado junto à fronteira internacional com a Guiana Francesa, o que traz um desafio adicional na questão de sua gestão, pois precisaremos agir conjuntamente com os franceses, no sentido de uma gestão binacional da região da fronteira. Atualmente esta região é uma linha neutra, na qual é difícil aplicar a lei e os instrumentos de proteção e controle. Mas o que, primeiramente, pode parecer difícil de ser realizado, por outro lado também poderá abrir novas oportunidades de gestão ambiental.
ambientebrasil - Como é formada a sua equipe?
Christoph - Atualmente a equipe de servidores do quadro do órgão é formada por quatro analistas ambientais e um técnico administrativo, além de pessoal de apoio terceirizado. Todos os analistas ambientais foram empossados em função do concurso público do órgão de 2002, assumindo o cargo entre novembro de 2002 e agosto de 2003. Nossa equipe, portanto, é muito nova. Evidentemente o número de integrantes da equipe ainda está muito aquém da real necessidade. Porém, através da realização do próximo concurso público do Ibama e por meio de contratações temporárias, podemos tentar adequar a equipe à demanda por recursos humanos. Naturalmente as cinco pessoas da equipe do Parque não trabalham sozinhas, pois temos todo o corpo do Ibama-AP e do Ibama-Sede em Brasília na nossa retaguarda. Numa extensão desse pensamento, há também as forças policiais (Federal, Militar, Agências de Inteligência) e armadas (Exército e Aeronáutica), instituições de pesquisa e desenvolvimento, que podem ser direta ou indiretamente envolvidas nas questões do PARNA.
ambientebrasil - À época da criação do Parque, em 2002, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que estava criando o Grupo de Trabalho Tumucumaque, composto por entidades públicas federais, estaduais e municipais e organizações não governamentais. Que atividades o Grupo está desenvolvendo hoje?
Christoph - O GT do Tumucumaque atualmente está desativado. Esteve atuante durante a fase de criação do Parque Nacional, alertando sobre a forma de como o processo vinha sendo conduzido e cobrando uma maior participação popular no mesmo. Desde então, alguns setores, entre eles o próprio Ibama, manifestaram o desejo e a intenção de reativação do GT, consolidando também nestas frentes o conceito de gestão participativa. De certa forma, o Conselho Consultivo do PARNA irá em maior ou menor grau preencher esta lacuna.
ambientebrasil - Há pesquisas em curso hoje na área do Tumucumaque?
Christoph - Sim. Através de uma parceria com a ONG Conservação Internacional do Brasil e com o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá - IEPA -, estão sendo realizadas pesquisas científicas para fins de levantamentos da Biodiversidade do Estado, tendo previsto para o Tumucumaque um total de cinco expedições, das quais duas já aconteceram. Para o corrente ano são previstas mais duas, com a última a ser realizada no primeiro semestre de 2006.
Tais expedições abordam aspectos da biodiversidade de peixes, mamíferos (incluindo morcegos), aves, répteis, anfíbios e crustáceos, além de vegetação, para o qual uma equipe multidisciplinar, composta de especialistas das citadas áreas temáticas, técnicos do Ibama, auxiliares de campo e barqueiros, permanece em campo por aproximadamente duas semanas em diferentes pontos da unidade. O material coletado é depositado na coleção do IEPA e as informações obtidas subsidiarão a elaboração do Plano de Manejo do Parque.
ambientebrasil - O Plano de Manejo está em que pé?
Christoph - Se encontra em fase de elaboração. Algumas atividades tiveram prioridade, principalmente a recriação do Conselho Consultivo, o que levou praticamente um ano, pois este deverá ser integrado em algumas etapas da elaboração do Plano de Manejo. Atualmente estamos consolidando as informações que irão subsidiar este trabalho. Aspectos da biodiversidade serão atendidas pelas expedições. Estudos sobre os meios físico e sócio-econômicos também estão em vias de serem executados e estudos complementares serão desenvolvidos mediante contratação de consultorias. Nossa previsão é que o Plano de Manejo do Parque estará sendo concluído no início de 2006. A sua implementação deverá ocorrer na seqüência.
ambientebrasil - O senhor participou do grupo que auxiliou o Governo Francês a implantar uma unidade de conservação na Guiana Francesa?
Christoph - A proposta da criação do "Parque da Guiana" é bastante antiga, cerca de 13 anos, mas a mesma ainda não foi consolidada. A comissão responsável pelo processo está empenhada na coleta das informações necessárias, procurando envolver de forma participativa os atores sociais afetados. Atualmente há divergências quanto ao limite Norte da UC e há resistências por parte de alguns políticos locais. No entanto, o processo de criação está bastante amadurecido e a liderança política francesa manifestou o desejo e a necessidade de consolidar o processo, havendo uma previsão para que no final de 2006 o parque esteja criado.
Em abril, participamos de uma oficina técnica de planejamento em Brasília para a gestão conjunta da região fronteiriça. Promovida pelo MMA, estiveram presentes ainda técnicos do Ibama e uma delegação franco-guianense. A partir deste tipo de iniciativa, estaremos estreitando os laços com os nossos vizinhos franceses, mesmo havendo dificuldades nesse momento para implantar na prática ações de cogestão.
ambientebrasil - Em 2003, quando essa parceria se estabeleceu, foi dito que a proposta era envolver também o Suriname nesse projeto, de modo a transformar a região em um grande corredor de ecoturismo. Isso se concretizou?
Christoph - Estamos cientes da importância do envolvimento também do Suriname nessa política ambiental transfronteiriça, no entanto este contato ainda não ocorreu. Por outro lado, o Suriname já está interagindo com a Guiana Francesa em assuntos ambientais, precisamos, portanto, fechar este triângulo de relações, a favor da criação e implantação de mecanismos de proteção e gestão ambiental que se estendem além das fronteiras internacionais. Se conseguirmos cumprir as metas propostas, esta região do Escudo das Guianas, em conjunto com as demais UCs amapaenses, integradas pelo conceito do Corredor de Biodiversidade do Amapá, pode se tornar uma imensa área protegida e um incentivo de propagação para outras regiões do globo.
ambientebrasil - Praticamente na mesma ocasião, o WWF-Brasil anunciou que disponibilizaria US$ 1 milhão para Tumucumaque, recursos a serem usados na demarcação da área, elaboração do plano de manejo, implementação de infra-estrutura básica e aquisição de equipamentos. Essa verba chegou?
Christoph - O WWF é um dos doadores do Programa ARPA - Áreas Protegidas da Amazônia -, nosso principal instrumento financiador. Através de linhas paralelas de disponibilização de recursos por parte do WWF - Brasil, a equipe do PARNA está realizando uma série de atividades, mas como estes recursos são liberados conforme a demanda, acaba sendo difícil citar valores. Fato é que o PARNA do Tumucumaque encontra-se em uma situação extremamente privilegiada com relação a recursos, uma vez que, além do Programa ARPA, ainda contamos com outras parcerias, como com a CI- Brasil e a GtZ, a agência de cooperação técnica alemã. Esta é uma situação praticamente sem precedentes no cenário ambientalista nacional e podemos afirmar que estamos com a faca e o queijo na mão, podendo vislumbrar um futuro promissor na gestão desta Unidade de Conservação.
(Mônica Pinto-Ambiente brasil-Brasília-DF-22/05/05)
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