Rio de Janeiro, sexta-feira 27, 9h. Céu azul, nenhuma nuvem no céu. O sol ainda nem bateu forte e os termômetros já marcam 34o. O dia para o carioca vai ser de calor intenso, praias cheias e de muito lazer à beira-mar. Mas não para Ricardo Calmon, chefe do Parque Nacional da Tijuca (PNT), e sua equipe. Para eles, o dia será de muito trabalho, como você verá a seguir nesta reportagem.
Conforme o combinado, o repórter encontra Ricardo na hora marcada em frente ao casarão do Parque Lage, no Jardim Botânico, que faz parte do Parque Nacional da Tijuca. Ele pede um instante enquanto fala pelo rádio-transmissor com um servidor que está na parte alta do Corcovado. Dá ordens para desligar a luz azul que mudou o visual do Cristo na noite anterior. A novidade foi uma invenção da RioLuz, empresa de energia local, que tomou a iniciativa sem consultar a direção do parque.
"Assim não dá, eles não podem fazer isso. O Cristo é um monumento referencial. Qualquer mudança a gente é responsável", reclama Calmon. Do outro lado, o servidor expõe a justificativa dada pela empresa: a nova iluminação seria uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, que será comemorado no dia 8 de março. "Tudo bem, a homenagem é bem-vinda, mas eles têm que acertar com a gente antes. Desliga, que eu vou conversar com eles", encerra a conversa.
VISTORIA - Como se vê, o dia já começou animado. Ricardo pede desculpas pela recepção meio atabalhoada e convida o repórter a entrar no carro do Instituto Chico Mendes. Ele mesmo assume o volante. Segue para o Silvestre, área na subida do maciço do Corcovado, no bairro de Santa Tereza. Vai iniciar os trabalhos com uma vistoria no prédio de um antigo restaurante no interior do parque, invadido por 21 famílias. O prédio fora evacuado nos dois dias anteriores, numa operação feita em parceria com a Prefeitura do Rio.
Os invasores ocupavam o prédio havia mais de dez anos. Moravam na mais completa precariedade. Aos poucos, o local vinha se transformando numa favela. O verde do parque dava lugar a montes de lixo, garrafas, sacos plásticos e até valas negras. Para completar, as famílias usavam água de uma captação ilegal, aproveitando tubulações da época do Império. Nas bicas rentes ao chão, faziam higiene pessoal, tomavam banho, lavavam roupas, pratos, cachorros. Toda a sujeira era despejada em meio à vegetação de Mata Atlântica que cerca a área. Um crime ambiental.
Para retirar os invasores, a direção do parque usou de muito tato. E paciência. Durante meses, cadastrou as pessoas, traçou o perfil socioeconômico de cada família e, por fim, as convenceu de que não poderiam permanecer na área, já que se trata de uma unidade de conservação. Feito isso, acertou com a Prefeitura a inclusão de todos no programa "Aluguel social".
Pelo programa, os invasores vão receber R$ 250 mensais para pagar aluguel de imóvel provisório até que a Prefeitura decida onde eles vão ficar definitivamente. Assim, a retirada foi pacífica. "Foi uma grande vitória. Desde que assumi a direção do parque, vinha tentando recuperar esse prédio", conta Ricardo Calmon, que está há dois anos na chefia do PNT.
MUDANÇA - Ao chegar ao velho prédio agora desocupado, Ricardo encontra fiscais da Prefeitura e servidores do parque, entre eles, Ozair Macedo, a Zazá, e Glaucio Maciel, do Núcleo de Educação Ambiental, que tiveram papel decisivo no trabalho de remoção. Há também alguns invasores que voltaram para recolher pertences. Uma mulher precisa de transporte para seus móveis. Os funcionários do parque providenciam um caminhão para a mudança.
Pouco depois, surgem no local o subsecretário de Ordem Pública da Prefeitura, Alexander Costa, e o subsecretário de Habitação, Pierre Batista. Eles se juntam aos gestores do parque e, ali mesmo, fazem um balanço da operação. Tudo deu certo. Resta lacrar o prédio com madeirite, para evitar futuras ocupações. A tarefa fica com o pessoal do PNT.
A partir de agora, a direção do parque vai se debruçar sobre o trabalho de revitalização do prédio. Há várias ideias. Uma delas é montar no local um misto de centro cultural e ambiental, com salas para exposições sobre a fauna, flora da região e cursos de formação de guias mirins e de agentes ambientais. Mas qualquer decisão, ressalta Ricardo, terá que passar pelo crivo da comunidade do entorno. "Ouvir os moradores é fundamental. Eles são parceiros da gestão do parque" , diz.
Feita a vistoria, Ricardo segue para o Hotel das Paineiras, na parte alto do maciço do Corcovado. A equipe do parque tem um projeto de revitalização do tradicional hotel, inaugurado em 1905, que já hospedou personalidades famosas como a atriz Sarah Bernardt e os presidentes Getúlio Vargas, Washington Luiz e Café Filho. Em 1969, o lugar serviu de concentração para a seleção brasileira de futebol que ganhou o tricampeonato no México um ano depois.
FIM DA BAGUNÇA - No caminho, Ricardo dá uma parada no ponto das vans que fazem o transporte de turistas até o Cristo. O serviço foi inaugurado no ano passado. Desde então, carro não sobe mais até o pico do Corcovado. Para chegar lá, as pessoas têm que pegar as vans credenciadas pela direção do parque. A mudança acabou com a bagunça que imperava no local. Agora, não há mais congestionamentos quilométricos e brigas por vagas. Além disso, parte da tarifa cobrada pelo transporte é reinvestida no parque. "Foi outro ganho nosso", contabiliza Ricardo, que já pensa em ampliar o estacionamento e oferecer mais serviços no local.
No Hotel das Paineiras, o chefe do parque se empolga. Depois de mostrar a exposição sobre o parque e a história do hotel, montada no andar térreo pelos servidores do PNT, Ricardo fala com entusiasmo sobre o concurso que vai escolher a melhor proposta de revitalização do local. O concurso será realizado em parceria com o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e será aberto a profissionais de todo o Brasil.
A idéia é transformar o hotel em um espaço que possa ser usado para pequenos eventos, convenções e até mesmo para hospedagem de turistas e moradores da cidade que queiram curtir o ar da montanha, no meio da floresta, com vista para o mar. Seria uma espécie de centro de lazer, com exposições, shows, bar, restaurante, café, lojas de souvenir e tudo o mais que proporcione conforto e diversão aos visitantes.
Sobre isso, o chefe do parque conversa com a representante do IAB que, de prancheta em punho, colhe dados técnicos sobre o prédio para incluir no edital do concurso. O documento está praticamento pronto. Para a realização do certame, falta apenas a liberação dos recursos para a organização e a premiação. Os custos não devem passar dos R$ 150 mil. O pedido já foi protocolado junto ao Instituto Chico Mendes.
OBRAS - Segundo Ricardo, logo após o concurso, será feito o estudo de viabilidade econômica do uso do hotel. Com base nisso, será aberto edital para a contratação de empresas interessadas em operar o empreendimento. A previsão é que as obras sejam iniciadas em maio do ano que vem.
Após o encontro no hotel com a representante do IAB, Ricardo segue para o ponto mais alto do Corcovado, onde fica a estátua do Redentor, uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno e maior atração do Parque da Tijuca. Lá, faz questão de mostrar como o pequeno estacionamento, que antes vivia entupido de carros e era praticamente intransitável, está hoje tranquilo. No local, só chegam as vans, que se limitam ao embarque e desembarque de passageiros. Tudo muito rapidamente. E o melhor: sem atropelos.
Calmon conta que a equipe do parque tem também um projeto para aproveitar melhor esse ponto. Prevê a ampliação da área de circulação de pessoas e da infraestrutura de uso público. Mas nada que estimule grandes concentrações de gente. A idéia é investir lanches rápidos, bares e umas poucas lojas de souvenir. Tudo para que as pessoas possam transitar com facilidade e ficar mais tempo no local, desfrutando da maravilhosa vista do alto do Redentor. "Aqui é um local de contemplação, não pode ser essa correria que é hoje", diz o chefe do parque. Nesse projeto, o PNT negocia o apoio da Fundação Roberto Marinho.
Já passa do meio dia. E o chefe do parque ainda tem muito ainda o que fazer. "Vamos até a sede, preciso resolver umas questões administrativas", comanda ele. No trajeto, o carro do ICMBio segue pela Estrada das Paineiras. São cerca de 20 quilômetros nas encostas do maciço do Corcovado até o Alto da Boa Vista, já perto da Tijuca. O visual é deslumbrante.
Toda cercada pela floresta, a estrada, asfaltada, está bem conservada. Durante o trajeto, é possível ver as pessoas caminhando, fazendo cooper ou se banhando nas duchas de água fria que descem dos morros. Aos domingos, o local fica fechado para o trânsito de veículos. E aí a farra fica por conta das pessoas que querem botar a forma em dia.
Na sede, no Alto da Boa Vista, Ricardo aproveita o almoço no pequeno restaurante ao lado da Cascatinha, uma cachoeira que é outra atração do parque, para dar um recado aos servidores que participaram da vistoria ao prédio desocupado no Silvestre. "Agora, vamos agir na Curva do Violão", anuncia ele. A Curva do Violão é um trecho da Estrada Velha da Tijuca, que margeia o parque, onde existe uma outra invasão. A direçãodo PNT já tem planos para retirar os invasores. "Vamos fazer nova operação em conjunto com a Prefeitura e a Polícia Militar".
PARCERIAS - Ações compartilhadas como essas, entre o PNT, o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal do Rio, têm sido cada vez mais comuns. De 15 a 18 de fevereiro, por exemplo, policiais do Batalhão Florestal da Polícia Militar e fiscais do ICMBio fizeram uma incursão em diversos setores do parque, como a Vista Chinesa, Paineiras, Parque Lage, Corcovado e nas trilhas.
Durante a operação, o grupo desmontou jiraus e acampamentos utilizados por caçadores e apreendeu armadilhas. "Ações como essa são muito importantes, pois além do aspecto coercitivo, transmitem uma visão positiva para a opinião pública, que passa a visualizar uma harmonia entre as instituições e nota que o parque ganha mais estrutura e segurança", diz o analista ambiental Henrique Zaluar, que coordenou as ações.
A operação, que teve o objetivo de combater os ilícitos ambientais, vai se estender por todo o ano de 2009. Isso é fundamental num parque como o da Tijuca, que fica em área urbana e sofre pressão humana por todos os lados. Para se ter uma idéia, a direção do parque mapeou recentemente 15 pontos de invasões dentro dos 3.972 hectares da unidade. "Nossa meta é zerar esse número até o fim do ano", afirma Ricardo.
Após o almoço, o chefe segue para a sua sala de trabalho. Antes, lembra de outro projeto que está sendo gestado pela equipe do parque: o de construção de um centro de visitantes na Cascatinha, ao lado do Casarão, como é chamada a sede administrativa. A base do centro seria o prédio onde hoje está instalada a biblioteca. O local já oferece um pequena estrutura para receber as pessoas.
Além das estantes de livros para consulta, os visitantes têm acesso a uma exposição sobre a fauna da região e podem assistir a vídeos sobre projetos desenvolvidos no parque, como o de restauração dos monumentos da Floresta da Tijuca e o de "Água em unidades de conservação", que envolve a comunidade na proteção do parque.
MONUMENTOS - O projeto de restauração de monumentos é muito importante. Resgata a história dos tempos de formação da Floresta da Tijuca, fruto de um reflorestamento promovido à época do Segundo Reinado, quando se tornou patente que o desmatamento, provocado pelas fazendas de café, estava prejudicando o abastecimento de água potável da então capital do Império. A missão foi confiada ao major Archer, da Polícia Militar, que iniciou o trabalho com seis escravos em 1861. Foram plantadas 100 mil mudas em 13 anos, principalmente espécies nativas da Mata Atlântica.
Tudo isso deu-se em terras de gente da nobreza da época, como o Conde de Bonfim, o Visconde de Bom Retiro e o Visconde de Taunay. Junto com a família imperial, eles costumavam se reunir no Alto da Tijuca para tomar café, montar a cavalo, bailar e ir às missas. Como herança desses tempos, surgiu no local um circuito cultural de muito valor, que inclui a Ponte Job de Alcântara, os portões de Vladimir Alves de Souza, fontes com azulejaria portuguesa, a Capela Mayrink e a Fonte Wallace. Todos esses monumento estão sendo restaurados.
Na sua sala, depois de despachar com os auxiliares, falar ao telefone com várias pessoas e preparar no computador documentos oficiais com demandas sobre o parque, Ricardo Calmon se dá por vencido. Antes de ir embora, lá pelas 18h, reúne-se com Rogério Rocco, ex-superintendente do Ibama no Rio, que deve assumir nos próximos dias a Coordenação do Instituto Chico Mendes na região.
Na saída, com o dia ainda claro, o carro do chefe cruza com jipes de empresas de turismo que levam grupos de estrangeiros para o Bom Retiro, área dentro do parque onde se pode matar o calor com um refrescante banho de cachoeira. "Aqui é assim. Não para de chegar gente. É turista o ano todo", constata Calmon, ao calcular que o Tijuca é o parque nacional mais visitado do País, até mesmo que o de Foz de Iguaçu, onde ficam as famosas Cataratas.
Pelos números de Ricardo, são cerca de 2.000 turistas/dia pelo acesso rodoviário ao Cristo e outros 1.800/dia pelo acesso ferroviário (o trenzinho que sai da estação do Cosme Velho). Isso sem levar em contar a visitação na Floresta da Tijuca, no Parque Lage, na Pedra da Gávea, na Vista Chinesa, na Pedra Bonita, nas Paineiras, locais que recebem gente todos os dias e são abertos ao público sem contagem e sem cobrança de ingressos.
Portanto, para oferecer um bom atendimento a toda essa gente, só há uma receita: muito trabalho. Mesmo em dias ensolarados, como esta sexta-feira, em que o bom mesmo era estar à beira da praia, curtindo as delícias do mar.
Ascom/ICMBio
(61) 3316-1970
UC:Parque
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