O Projeto Corredor das Onças, uma iniciativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), desenvolvido conjuntamente pelo Instituto de Biologia (IB) e pelo Instituto de Economia da Unicamp, pretende implantar na Região Metropolitana de Campinas (RMC) corredores ecológicos, cujo principal objetivo é proteger as onças, bem como outras espécies que ocorrem regionalmente. A ideia, conforme a professora Eleonore Setz, uma das pesquisadoras envolvidas na iniciativa, é promover a ligação entre duas importantes unidades de conservação federais, a Mata de Santa Genebra e o Matão de Cosmópolis, classificada como Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), por meio da recomposição das Áreas de Preservação Permanentes (APPs), reservas legais e fragmentos florestais remanescentes. "Com isso, garantiríamos o trânsito discreto e seguro dessa fauna, sem que ela tenha que passar por áreas urbanizadas e deparar com pessoas ou tráfego de veículos", afirma a docente do IB.
Segundo a professora Eleonore, o trabalho vem sendo desenvolvido de forma multidisciplinar. Além dela e de Márcia Rodrigues, chefe da ARIE Matão de Cosmópolis e pós-doutoranda do IE, participam a pesquisadora Jeanette Miachir, do Jardim Botânico de Paulínia, o professor Lindon Matias Fonseca, do Instituto de Geociências (IG), e o professor Ademar Romero, do IE, coordenador do projeto. Submetido a um edital do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) para pagamento por serviços ambientais, o projeto foi aprovado no primeiro semestre deste ano. "A partir do levantamento de mamíferos e de vegetação nos fragmentos florestais remanescentes e o consequente mapeamento, teremos os dados no marco zero do projeto, antes da reconexão, de modo a poder avaliar no futuro e eficácia do corredor. Em paralelo, será realizado o levantamento das propriedades e seus usos atuais, para que possa ser calculado o custo de oportunidade a ser pago aos proprietários rurais que cederem parte de suas terras para a implantação do corredor. Essa é uma medida importante, pois promoveria um maior envolvimento da sociedade na iniciativa", acredita a docente do IB. Também será realizado um cadastro das possíveis fontes de financiamento, por exemplo, empresas com interesse em selos de biodiversidade.
Em 2002 uma aluna de doutorado da professora Eleonore registrou, por meio de uma armadilha fotográfica, a presença de uma onça-parda na Mata Ribeirão Cachoeira, localizada no distrito de Sousas, em Campinas. Depois deste, outros registros foram feitos. "Em seguida, outros orientandos meus começaram a estudar os fragmentos florestais da Área de Proteção Ambiental [APA] de Sousas e Joaquim Egídio com o intuito de investigar a presença da onça-parda e de outros felinos e identificar seus padrões de circulação. A chegada da Marcia Rodrigues, seu levantamento de felídeos na região e seu empenho na ligação das duas UCs federais concretizaram o projeto de circulação dos felinos, além de ampliar a área e trazer novos temas e especialistas que possam contribuir para a viabilização dos corredores", detalha a docente.
E qual é a importância de se constituir um espaço para a circulação das onças? A professora Eleonore explica que esse animal é fundamental para o controle da fauna e manutenção da biodiversidade na região. Por ser o mais poderoso no ecossistema considerado, ele preda animais que, caso se multiplicassem em excesso, poderiam trazer problemas de saúde para a população da região. Entre essas presas do felino estão capivaras e tatus, hospedeiros do carrapato causador da febre maculosa e do protozoário provocador da leishmaniose, respectivamente. "Além disso, outros animais importantes, alguns ameaçados de extinção, vivem sob a 'inspeção' da onça parda. Entre eles podemos citar o gato maracajá, o gato-do-mato pequeno e o jaguarundi. Desse modo, protegendo a onça-parda nós estaremos 'abrindo um guarda-chuva' para proteger também esses outros bichos", acrescenta.
Se fosse traçada uma linha reta entre a Mata de Santa Genebra e o Matão de Cosmópolis, esta teria 22 quilômetros de extensão. A professora Eleonore lembra, no entanto, que o corredor não será linear. Ademais, diz a professora da Unicamp, o trecho não deverá ser criado de uma só vez. A ideia é implantá-lo em etapas. A primeira fase consistiria na ligação do Matão de Cosmópolis com a Mata da Meia Lua, situada em Paulínia. Esse segmento tem cerca de 10 quilômetros de extensão. "Depois, faríamos a ligação com a Santa Genebra e, na medida do possível, com outras áreas verdes da RMC igualmente importantes", diz a professora Eleonore. De acordo com ela, esses pontos passíveis de integrar o Corredor das Onças detêm, além de uma fauna diversificada, uma importante flora, além de inúmeros cursos d'água, entre eles os rios Atibaia e Jaguari. "Trata-se de um ecossistema fundamental para a região e seu abastecimento de água", sentencia.
Márcia Rodrigues, do ICMBio, destaca que o estabelecimento do corredor por intermédio da recomposição das APPs, reservas legais e fragmentos florestais remanescentes não é tão complexo assim. "Na realidade, isso pode ser feito apenas com o cumprimento do que determina o atual Código Florestal. O que nós estamos fazendo, na realidade, é exigir que a legislação seja obedecida", sustenta. Na relação do que deve ser realizado está, por exemplo, a recuperação das matas às margens de rios e córregos. Conforme a especialista, o avanço da urbanização e do desmatamento não somente está interferindo no habitat de animais, como também tem aproximado a comunidade deles.
Não por outra razão, estão ocorrendo cada vez mais episódios de bichos atropelados por automóveis e caminhões. Nos últimos seis meses, aponta ela, quatro onças-pardas foram colhidas por veículos, uma foi morta provavelmente por caçadores e a ossada de outra foi encontrada. Como se não bastasse, também estão aumentando os relatos de pessoas que vivem na zona urbana que dizem ter avistado esse tipo de felino. Em um dos casos mais recentes, dois filhotões de onça-parda foram vistos circulando, por volta das 8 horas da manhã (horário de verão), no playground de um condomínio de alto padrão localizado às margens da Rodovia D. Pedro I. O "passeio" dos felinos foi registrado pelas câmeras de segurança do empreendimento.
O episódio, conforme Márcia Rodrigues, assustou os moradores. "É natural que eles tenham ficado sobressaltados. Entretanto, precisamos lembrar que nós é que estamos invadindo o espaço desses animais. Também é bom esclarecer que não estão surgindo cada vez mais onças como algumas pessoas imaginam. Nós não temos uma superpopulação desses felinos. O que ocorre é que eles circulam muito e podem ser vistos em diferentes pontos. Outro aspecto importante de ser ressaltado é que em cerca de 300 anos de convívio dos seres humanos com essa espécie, não há um registro sequer de ataque por parte dos animais na nossa região. Claro que as pessoas precisam ter cuidado, mas não podemos criar um clima de temor entre elas", considera.
O projeto do Corredor das Onças ganhou força com o apoio do Ministério Público Federal (MPF), que abriu um inquérito civil em abril deste ano. O procurador Paulo Gomes convidou empresas da região para participarem do esforço de forma espontânea. A proposta é fazer com que elas se interessem, adotem ou ajudem a financiar medidas para a recomposição das matas ciliares e dos fragmentos remanescentes. "A ideia é que, depois disso, caso fique constatado que o corredor esteja de fato beneficiando as onças e outros animais, estas empresas tenham direito de receber uma espécie de selo verde, que demonstraria o empenho delas na preservação da onça", acrescenta a professora Eleonore.
De acordo com a docente do IB, o projeto também necessita da adoção de uma ação educativa junto a segmentos da população, para esclarecer as pessoas sobre a importância desse tipo de iniciativa. A professora Eleonore diz que ainda não há prazos definidos para a conclusão do projeto e nem tampouco para a efetivação do Corredor das Onças. "Neste inicio de projeto estamos avaliando a qualidade dos fragmentos, tanto da fauna de mamíferos como da vegetação, para assim priorizarmos sua conexão. Quanto à recomposição das matas, isso demanda tempo. Depende de vários fatores, entre eles que espécies vegetais serão utilizadas, dado que umas crescem mais rapidamente do que outras", esclarece.
A onça-parda
A onça-parda é um animal que ocorre desde o norte do Canadá até o sul do Chile. Em países em que não convive com a onça-pintada, pode atingir até 120 quilos. No Brasil, como as espécies se sobrepõem, a onça-parda tem, em média, 60 quilos. Trata-se de um felino ágil e forte, e muito discreto. Sua dieta é composta basicamente por mamíferos. Entre suas presas estão capivara (normalmente filhotes ou animais velhos), tatu, lebre e gambá, este com menos frequência. Sua pelagem varia do castanho-avermelhado ao cinza-azulado, sendo esbranquiçada no focinho, garganta, peito, ventre e na parte interior das patas. O tempo de gestação é de aproximadamente 95 dias, ao fim do qual nascem de dois a quatro filhotes. Estes apresentam pelagem pintada, que desaparece em torno dos seis meses. Os filhotes acompanham a mãe por mais de um ano, aprendendo assim a caçar.
Matéria publica originalmente no Jornal da Unicamp No 515
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Biodiversidade:Geral
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