O Globo, País, p. 9-10 - 25/11/2012
Seca amplia geografia da devastação no Nordeste
Estiagem não se limita mais às áreas normalmente afetadas e chega até a municípios litorâneos do Maranhão
Cleide Carvalho
SÃO PAULO A falta de chuvas no Nordeste já não se limita ao antigo Polígono da Seca. Além de atingir uma área maior no semiárido nordestino e do Norte de Minas, a estiagem já chega a municípios da Zona da Mata e do litoral de alguns estados. O número de dias sem chuva aumentou em vários municípios e ela está mais irregular. Mais forte, dura menos tempo e sua infiltração na terra diminui. A mudança tem sido observada pela Defesa Civil e por meteorologistas que atuam nas áreas afetadas. Em 2005, o Polígono incluiu mais 103 municipios, alcançando 1.133, e o govermo recomendou não usar mais a figura para definir a área sujeita à seca.
Em Pernambuco, a seca é frequente no sertão e no agreste, mas oito municípios da Zona da Mata estão em situação de emergência devido à estiagem. No Maranhão, a estiagem chegou a municípios do litoral, como Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses, e Guimarães. Na Bahia, o número de cidades afetadas chega a 259, quase a totalidade dos 266 inseridos no semiárido. Entre os 125 municípios que estão em emergência devido à seca em Minas Gerais, há casos como o de Rio Doce, na Zona da Mata mineira, e Itinga, no Médio Jequitinhonha, que é cortado por dois rios, Itinga e Jequitinhonha, e quatro córregos. Onde a seca já era corriqueira, a situação se agravou. Em Mamonas, no Norte de Minas, pela primeira vez a barragem do Rio Cabeceiras, que abastece o município, secou. A saída foi retirar água de dentro do Parque Estadual Caminhos dos Gerais. Dos 539 reservatórios monitorados pela Agência Nacional de Águas (ANA), 234 estão com menos de 40% de água.
- A seca deste ano é mais severa do que as de 1983 e 1998, provocadas pelo El Niño, e abrange uma superfície de terras bem maior - diz Raimundo dos Anjos, do 3o Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia, em Recife.
Oceano mais frio alterou padrão de chuvas no NE
Número de dias de estiagem e com baixa umidade do ar aumentou
Além de atingir uma área maior, a seca deste ano no semiárido difere das anteriores. Enquanto as duas últimas grandes secas (1982/83 e 1997/98) foram provocadas pelo fenômeno El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, desta vez ela é motivada pelo resfriamento do Oceano Atlântico. Segundo Raimundo dos Anjos, do 3o Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em Recife, desde janeiro as águas do Atlântico estão mais frias, entre 1"C e 1,5"C abaixo da média. O resfriamento inibe a formação de nuvens e altera os sistemas que provocam chuvas na região.
- Nos últimos três anos aumentou o número de dias sem chuva e com umidade relativa do ar abaixo de 30%. Também aumentou a quantidade de lugares onde foram registradas taxas de umidade abaixo de 20% - diz Marcos Ortiz Gomes, diretor do Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas Gerais.
Rafael Schadeck, diretor do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), diz que, se forem confirmadas previsões de chuva abaixo da média até fevereiro, o problema persistirá em 2013.
Sem água, produção canavieira cai até 25%
Prejuízo no setor para a safra 2012-2013 em Pernambuco chega a R$ 500 milhões, estima sindicato
Gabriela López
RECIFE Conhecida pela cultura canavieira, a Zona da Mata de Pernambuco está sofrendo o flagelo da seca há oito meses: os canaviais verdes tornaram-se amarelos por causa do ressecamento da planta. Oito das 43 cidades decretaram situação de emergência: Cortês, Ferreiros, Macaparana, Pombos, Timbaúba, Carpina, Nazaré da Mata e Paudalho, sendo as três últimas já reconhecidas pelo governo federal. Esses municípios somam 23,4 mil pessoas prejudicadas pela estiagem, de acordo com informações da Coordenadoria de Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe).
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria e do Álcool de Pernambuco, Renato Cunha, a previsão mais otimista é uma redução de moagem de cana de açúcar entre 22% e 25% para a safra 2012-2013, que vai de setembro a março. Enquanto na temporada passada foram moídas 17,4 milhões de toneladas de cana, espera-se para este ano algo entre 13 a 14 milhões de toneladas.
- Alguns produtores fizeram barragens e estão tentando irrigar onde é possível, mas é uma irrigação que a gente chama de salvamento, ou seja, apenas para salvar a raiz da planta para a próxima safra - diz o dirigente do sindicato, que estima uma perda de R$ 500 milhões para o setor.
Falta de chuva leva 125 municípios a decretar situação de emergência
Barragem em Alagoinha tem pouca água e muito lixo nas margens
RECIFE- A seca é tão perversa em Pernambuco que até os municípios acostumados com longos períodos de estiagem estão sofrendo como nunca. A falta de chuva é considerada pelo governo estadual a pior em 40 anos, com 125 das 184 cidades em situação de emergência.
Em pé no meio de um buraco que até seis meses atrás era um açude, em Palmeirina, o agricultor Cícero Claudino da Silva, 54 anos, levanta os braços e conta que a água cobria todo seu corpo. Agora, restou um palmo de um líquido verde, impróprio para o consumo.
-Não chove há quatro meses. E mesmo as chuvas de junho foram mais fracas que as dos anos passados. Eu tinha 90 cabeças de gado, mas precisei vender 20 novilhas porque elas estavam morrendo de fome e sede. Elas não querem beber essa água que restou, e o capim e a palma que elas comem estão secos. Um animal que poderia vender por R$ 2 mil, estou vendendo por R$ 150, e é difícil achar quem queira - desabafa.
Na vizinha Alagoinha, a desolação é a mesma. O agricultor Antônio Almeida Santos, de 38 anos, viu sete vacas morrerem de fome. Ele tinha cerca de 70 animais e, agora, tenta garantir a sobrevivência de 44.
Os que não morreram ele vendeu para tentar diminuir o prejuízo.
A fazenda produzia 200 litros de leite por dia; hoje, são apenas 70 litros.
- Estou comprando água de carros-pipa e cana do Sul para tentar salvar os animais que restaram. O custo que eu estou tendo não paga nem metade das despesas - afirmou.
Além de animais, ele vendeu uma moto para tentar manter as contas da fazenda em dia.
Em uma das duas barragens da cidade, localizada no Sítio Barrinhos, ainda com alguma água, o lixo se acumula nas margens. O agricultor Claudomiro Galindo, 32 anos, não tem outra escolha a não ser tirar dali o abastecimento para a casa onde mora com a esposa e cinco filhos entre 2 e 8 anos, já que a água não chega na torneira há cinco meses. Dia sim, dia não, ele enche um tonel de 14 mil litros e leva de carroça até sua casa.
Ele produz milho e feijão, mas este ano nada rendeu.
- Eu tinha três burros que usava na venda da plantação, mas dois morreram de fome, por falta de ração.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoinha, Herunides Ferreira da Silva, conta que a maioria dos agricultores está vivendo do dinheiro de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Bolsa Estiagem.
O Globo, 25/11/2012, País, p. 9-10
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