Índios e fazendeiros disputam terras na área do Parque Estadual do Rio Corrente.
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) esteve em Açucena (Vale do Rio Doce), na manhã desta terça-feira (19/3/13), para discutir a situação dos índios pataxós que vivem no Parque Estadual do Rio Corrente e estão em conflito com fazendeiros da região. Segundo denúncias, devido à disputa por terras, têm sido constantes as violações de direitos humanos dos cerca de 80 índios que habitam o parque.
A reunião, convocada a requerimento do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), foi realizada no Salão de Eventos da Prefeitura. Além de discutir o conflito agrário, Durval Ângelo aproveitou o encontro para debater também a situação do atendimento médico aos pataxós.
Além do deputado Durval Ângelo, participaram da reunião a prefeita de Açucena, Darcira de Souza Pereira; o cacique Baiara Pataxó; o vice-cacique Clemes Pataxó; o prefeito de Santana do Paraíso, Antônio Afonso Duarte; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, William dos Santos; o procurador da República em Ipatinga, Edmar Gomes Machado; a representante da Coordenadoria Regional da Funai, Caroline Willrich; e o chefe do escritório geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Edenilson Cremonini.
O parlamentar abriu a reunião informando que, há menos de um mês, foi procurado pela prefeita de Açucena, Darcira Pereira, que lhe informou sobre os conflitos na região, entre índios e fazendeiros e também entre índios e órgãos ambientais. Na ocasião, a prefeita lhe disse que dispunha de recursos do Estado para investir em saúde e educação na comunidade indígena, mas, devido a entraves burocráticos e legais, a prefeitura não tem podido agir.
De acordo com Darcira, a Prefeitura esbarra na questão da legalidade, devido a exigências do IEF, para poder investir na comunidade indígena. Mas ela acredita que a Comissão de Direitos Humanos vai conseguir intervir favoravelmente de forma a reduzir os conflitos e promover o diálogo entre as partes.
O procurador da República em Ipatinga, Edmar Gomes Machado, disse que os pataxós chegaram ao local estimulados pelo próprio IEF, após incêndio ocorrido em sua terra originária. Edmar destacou a importância de que a comunidade indígena tenha acesso à assistência médica e educacional e a saneamento básico, entre outros direitos. Defendeu um tratamento diferenciado para os índios, em razão do processo invasivo e agressivo sofrido pelas comunidades indígenas desde a chegada ao Brasil do homem branco. "É papel do Ministério Público Federal tutelar essas comunidades e garantir os seus direitos", disse.
Discriminação - A representante da Fundação Nacional do Índio (Funai), Caroline Willrich, reforçou que os pataxós sofrem uma grande discriminação por parte da sociedade, por falta de conhecimento da forma como a comunidade enfrenta seus problemas e convive harmoniosamente com a natureza. Segundo ela, nem os órgãos ambientais oficiais conseguem fazer um trabalho de preservação das terras como os índios. Ela defendeu ainda parceria da Funai com o IEF e outros órgãos ambientais, de forma a favorecer toda a sociedade.
O vice-cacique Clemes Pataxó relatou perseguições e pressões que vêm sofrendo os índios pataxós na região. Ele denunciou, inclusive, suposto atentado ocorrido há dois meses contra seu irmão, Cleidson Conceição, baleado por um desconhecido em condições ainda não esclarecidas.
O cacique Baiara Pataxó foi à audiência pública acompanhado de um grupo de índios pataxós, vestidos a caráter. "O índio é massacrado, discriminado e expoliado. A Constituição brasileira diz claro dos nossos direitos", afirmou. Falou da importância do apoio da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia. Disse que os índios não são invasores de terra, apenas desejam trabalhar e sobreviver.
O cacique relatou, também, episódios de supostas perseguição e ameaças por parte de homens armados. Segundo ele, obstruem a passagem das vias com toras de madeira e escrevem na terra que os índios são ladrões. Até as crianças são discriminadas na Escola Cristiano Machado, no distrito de Felicina, por alunos e professoras. Narrou que a diretora da escola onde as crianças e jovens índios estudam (doze, ao todo) teria afirmado que "a escola virou um inferno" depois que os índios se instalaram na região.
Encaminhamentos - O deputado Durval pediu para que sejam encaminhadas as notas taquigráficas a todos os órgãos e representantes presentes à mesa, à Funai nacional, ao Conselho Indigenista Missionário, à Diocese de Governador Valadares, entre outros órgãos. A comissão também vai encaminhar requerimento à Polícia Federal para abertura de inquérito visando apurar atentados contra os índios. A comissão também pretende marcar nova audiência pública, em Belo Horizonte ou Ipatinga, para dar sequência ao debate, em data a ser definida em abril. Além disso, vai propor a criação de um grupo de trabalho, coordenado pelo Ministério Público Federal, para debater o assunto e buscar um consenso.
IEF diz que terra ainda não pertence ao Estado
O representante do IEF, Edenilson Cremonini, negou que a terra seja do Estado, alegando que há posseiros na área,o que vem gerando conflitos. Segundo ele, a posse hoje é da empresa Aperan (antiga Acesita, hoje Arcelor Mittal), que alega ter repassado a área para o Estado por meio de um termo de ajustamento de conduta. Mas o Estado entende que isso não foi feito, porque a empresa não atendeu pré-requisitos que deveriam acompanhar a entrega das terras. O caso está sub judice. Contudo, conforme garantiu o deputado Durval Ângelo, a Comissão de Direitos Humanos vai apresentar denúncia ao IEF sobre a presença, no local, de cinco posseios que já teriam sido indenizados quando da criação do parque. E vai solicitar ao Minisério Público que fiscalize a retirada dos posseiros por parte do IEF.
Ainda segundo o representante do IEF, o órgão ambiental não impede que os índios plantem no local, apenas não admite queimadas e uso de máquinas, por conta da legislação de preservação ambiental que protege as unidades de conservação. Ele alega que na ocasião que o parque foi criado, não houve uma discussão prévia com índios e demais representantes da sociedade, o que acabou gerando uma série de conflitos. Mas disse acreditar que, com base no diálogo, será possível se chegar a um consenso, na regularização e redefinição do parque.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, William dos Santos, contestou o ponto de vista do IEF. Segundo ele, o Estado é de fato o dono das terras em disputa, e há uma diferença entre propriedade e posse. "A posse hoje é, de direito, dos indígenas". Lembrou que o parque foi criado por decreto e que algumas pessoas que ocupavam a área receberam indenização quando da sua criação. "Para ser proprietário, tem que ter documento, e eu duvido que a Aperan tenha esse documento. Trata-se de terra devoluta, isto é, do Estado. Se não fosse o decreto que criou o parque, a área seria passível inclusive de reforma agrária", concluiu.
O deputado Durval Ângelo afirmou que há uma dívida social com os indígenas. Por isso, na sua opinião, é tão importante a democratização do acesso à terra.
Sobre o parque - O Parque Estadual do Rio Corrente foi criado em 17 de dezembro de 1998 pelo Decreto 40.168. Localizado em Açucena, possui 5.065 hectares e abriga importantes remanescentes da Mata Atlântica. Segundo o IEF, ao qual o parque é subordinado, as capoeiras e matas abrigam mais de 20 nascentes de diferentes ribeirões e córregos, afluentes de importantes cursos hídricos, como o ribeirão São Mateus, o ribeirão São Félix e o córrego Porto Santa Rita, todos desaguando no rio Corrente, que por sua vez, deságua no rio Doce. O relevo é composto por pequenas colinas e morros de altitudes médias, variando entre 250 e 500 metros.
Na região podem ser encontradas espécies arbóreas típicas da Mata Atlântica, como ipê, quaresmeira, angico, sapucaia e, até mesmo, espécies em princípio de revegetação, como vinhático, cedro e jacarandá. A fauna é composta por espécies como mutum do sudeste, seriema, paca, capivara, jacu, raposa e outras que necessitam, prioritariamente, de ambientes florestais preservados para sua sobrevivência.
Comissão visita também Departamento de Polícia em Ipatinga
Encerrada a audiência pública em Açucena, a Comissão de Direitos Humanos segue para o município vizinho de Ipatinga, para uma visita ao Departamento de Polícia Civil. O objetivo é colher informações e solicitar agilização nas investigações sobre a morte do jornalista Rodrigo Neto de Faria. O jornalista vinha denunciando chacinas e assassinatos supostamente cometidos por um grupo de policiais da região e acabou sendo executado no último dia 8.
A visita está marcada para as 14 horas, e espera-se a presença da ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e dos presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil nacional e estadual, respectivamente, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Luís Claudio Chaves.
http://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2013/03/19_comissao_direitos_humanos_acucena.html
PIB:Leste
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