Depoimentos apresentados durante audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) nesta terça-feira, 27 de agosto, em Tucuruí, no Pará, provaram que a sociedade e a diretoria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) caminham em direções opostas na região. Enquanto a autarquia pretende fechar o escritório regional, órgãos públicos e organizações sociais reivindicaram não só a manutenção do escritório mas também sua reestruturação e modernização, para tornar a autarquia mais presente e eficiente.
Prefeitos, vereadores e secretários municipais de meio ambiente da região, representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), do Ministério Público do Estado, do MPF, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de comunidades extrativistas, ribeirinhas e de pescadores destacaram durante o evento que a permanência do Ibama é fundamental para a garantia do desenvolvimento socioambiental local.
Em vez de um órgão distante, que de vez em quando envie à região fiscais para multar quem infringir a lei, os cidadãos querem um Ibama que os ajude a elaborar projetos de pesca, turismo e extrativismo sustentável, que os apoie na obtenção de licenças ambientais e que cobre o cumprimento das ações de redução dos impactos socioambientais provocados pelos responsáveis pelos projetos grandes realizados na região, como hidrelétricas e rodovias.
Em resposta, o Ibama apenas disse que é necessário o fechamento do escritório, ora alegando dificuldades administrativas para a manutenção de servidores no município, ora dizendo que a redução dos índices de desmatamento na região justificaria a desativação da unidade. O Ibama argumentou, ainda, que a atuação do escritório é deficiente e que a mesma decisão vem sendo tomada em relação a unidades do Ibama em outros Estados da região norte do país.
A autarquia mais uma vez não apresentou resposta para a principal questão que o MPF vem fazendo desde o início do ano, quando começou a investigar a situação: há estudos que garantam que a saída do Ibama não trará prejuízos à defesa do meio ambiente na região?
Justificativas frágeis - Edevar Sovete, gerente do Ibama em Marabá, município para o qual a autarquia quer transferir as atribuições do escritório de Tucuruí, limitou-se a dizer que o licenciamento ambiental não será prejudicado porque atualmente a maioria dos processos de licenciamento é conduzida pela equipe do Ibama em Brasília, e que a permanência do escritório só inibiria as irregularidades ambientais cometidas no lago da usina hidrelétrica de Tucuruí se a equipe de fiscais pudesse ficar 24 horas de plantão no local.
O procurador da República Paulo Marques, promotor da audiência pública, afirmou ser óbvia a impossibilidade de realizar a fiscalização em todo o lago durante 24 horas por dia. No entanto, para Marques também é óbvia a constatação de que o atendimento a denúncias de irregularidades é muito mais eficiente se feito diretamente por uma equipe em Tucuruí e não por servidores de Marabá, principalmente tendo-se em vista dificuldades administrativas, como o pagamento de diárias e o tempo de deslocamento dos fiscais. "É melhor termos uma equipe que possa fazer fiscalizações imediatas e ações preventivas ou uma equipe que só possa fazer a repressão tardia às irregularidades?", questionou.
Sobre a alegação do Ibama de que a unidade será desativada por apresentar deficiências no alcance das metas estabelecidas, o procurador da República informou que foi enviado ofício à presidência do instituto com questionamento sobre quais medidas foram adotadas para corrigir tais deficiências. Para o MPF, o ofício não foi respondido pela autarquia de forma satisfatória.
"O MPF considera que a constatação da deficiência não pode ser suprida com a drástica medida da extinção do órgão", criticou Marques. "O momento é de chegada de órgãos federais na região, e não de saída", disse, citando a recente instalação de unidades da Justiça Federal e do MPF em Tucuruí.
Cobranças - As atribuições do Ibama são muito maiores que apenas combater o desmatamento, observou o procurador da República Felício Pontes Jr, citando a necessidade de providências para casos de desequilíbrios socioambientais provocados pelo reservatório da hidrelétrica de Tucuruí, como o impedimento à desova de certas espécies de peixes - e os consequentes impactos na alimentação de comunidades ribeirinhas - e os impactos decorrentes da emissão de gás metano pelo lago da hidrelétrica.
Pescadores participantes da audiência pública, como Ademar Ribeiro ou Aguinaldo Mendes, citaram casos em que a atuação do Ibama tem que deixar de ser apenas de repressão às irregularidades ambientais e passar a levar em consideração o contexto socioambiental responsável pela situação de miséria em que vivem as famílias da região. Eles pedem apoio a projetos de geração sustentável de emprego e renda no campo. "Se existe democracia, se existe igualdade, vamos nos unir, vamos nos juntar", pediu a representante da Associação de Mulheres de Nazaré dos Patos, do município de Breu Branco, Alice de Almeida Rodrigues.
A falta de solução de questões socioambientais coloca em risco a sobrevivência de moradores da região não só por problemas como a escassez de recursos naturais como também por conflitos sociais gerados pela falta de atuação de órgãos governamentais. O presidente da associação da Reserva Extrativista (Resex) Ipaú-Anizinho, em Baião, Elias Gomes, por exemplo, denunciou na audiência que está ameaçado de morte por denunciar irregularidades ambientais na Resex.
A secretária de meio ambiente de Novo Repartimento, Gizele Ramos, observou que a desativação do escritório do Ibama está sendo anunciada justamente no momento em que municípios da região estão tentando deixar a lista negra do Ministério do Meio Ambiente, que relaciona os municípios da Amazônia com maiores índices de desmatamento.
"Então nós temos uma grande contradição: quando mais se precisa do Ibama, o Ibama quer se retirar do município", criticou a secretária. Produtores rurais dos municípios citados na lista têm menos acesso a linhas de crédito para atividades agropecuárias e a programas governamentais como os de regularização fundiária, de recuperação de solos e de capacitação.
Para o promotor de Justiça Francisco Charles Pacheco Teixeira, a saída do Ibama de Tucuruí é "inimaginável". Segundo ele, as reivindicações apresentadas na audiência pública mostraram que, em vez do fechamento do escritório, Tucuruí precisa ter um dos escritórios mais estruturados do país, dada a diversidade e dimensão dos problemas socioambientais da região.
Para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), a desativação do escritório do Ibama em Tucuruí é "inaceitável", ressaltou a representante da Sema na audiência, Mariana Bogéa de Souza. Segundo ela, essa é opinião do próprio secretário estadual de Meio Ambiente, José Alberto da Silva Colares. "Na região há questões ambientais pendentes de resolução há 20 ou há até 30 anos e cuja solução não pode demorar ainda mais. Esse é o momento das instituições federais, estaduais e municipais darem-se as mãos, trabalharem de modo conjunto, articulado", disse a representante da Sema.
Dados confirmados - Depoimentos de participantes da audiência pública também confirmaram uma série de informações levantadas pela investigação do MPF, como a falta de fiscalização de atividades que podem gerar o assoreamento de rios.
Segundo representantes da Eletronorte, desde 2008 a concessionária de energia vem tentando refazer convênio que dá suporte logístico e estrutural ao Ibama, sem sucesso.
De acordo com as investigações do MPF, o Ibama ainda não foi fechado mas é como se já tivesse sido, dada a tamanha precariedade da estrutura do órgão em Tucuruí. O transporte de correspondências para outras unidades da autarquia, por exemplo, muitas vezes é feito em veículos particulares de servidores porque a autarquia não possui viatura própria em funcionamento.
Sobre a alegação do Ibama de que um dos motivos do fechamento do escritório é a redução do desmatamento na região, o secretário de meio ambiente de Tucuruí, André Luís Fontana, enfatizou que o desmatamento só foi reduzido porque quase não há mais o que desmatar. Assim, essa redução não justifica a desativação do escritório. Pelo contrário: mostra o quanto é necessário o trabalho de promoção do reflorestamento de áreas degradadas, observou Fontana.
Segundo Wellington Hugles, vice-presidente da associação dos moradores da Vila Permanente, hoje mais de 20 veículos estão parados em um dos pátios da autarquia por falta de manutenção e há denúncias de que nenhum computador da unidade funciona.
Entenda o caso - A investigação do MPF sobre o fechamento do escritório do Ibama foi aberta em abril deste ano. Em julho, o MPF recomendou à autarquia que essa decisão não seja tomada sem que antes existam estudos que garantam a inexistência de prejuízos ao meio ambiente decorrentes da desativação da unidade em Tucuruí. O Ibama já informou, por meio de sua superintendência no Estado do Pará, que entende não haver motivos para o cumprimento da recomendação do MPF. Na última terça-feira, 27 de agosto, o MPF promoveu audiência pública sobre o tema. As manifestações apresentadas servirão como base para a tomada de novas providências pelo MPF.
Imagens da audiência pública - http://goo.gl/rWyG1i
http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2013/em-audiencia-publica-regiao-de-tucurui-se-opoe-a-fechamento-do-ibama
Política Socioambiental
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Ipaú-Anilzinho
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.