Área da Mata Atlântica deveria abrigar produção de hortigranjeiros e acabar com a importação de alimentos
Em tempos de aquecimento global, a devastação que avança sobre a Fazenda Frios, localizada em União dos Palmares, a 73km de Maceió, segue na contramão dos debates internacionais que priorizam a preservação da fauna, da flora e dos recursos hídricos em todo o mundo. Na área de propriedade do Estado e que abriga a Serra dos Frios, integrante da APA (Área de Proteção Ambiental) de Murici, focos de incêndio denunciam o desmatamento crescente e a vegetação nativa da Mata Atlântica cede lugar a pequenas roças e plantações de cana-de-açúcar.
Mas não é só o desmatamento que avança sobre a Frios. Nos últimos dois anos, a especulação imobiliária fez com que terrenos vendidos de forma ilegal façam do metro quadrado da área um dos mais caros do município. São lotes invadidos de forma aleatória por quem "primeiro chega" e ao contrário da tradicional luta por terra, os invasores não são sem-terra, mas pessoas abastadas, ricos enriquecendo ainda mais às custas de uma área pública.
Os terrenos invadidos estão sendo comercializados de forma indiscriminada. Lotes de 20x49 metros quadrados chegam a custar R$70 mil. "Basta uma entrada de R$ 20 mil e o restante pode ser parcelado em até cinco anos", oferece a "dona" do terreno. Ela se identifica como Edleuza, afirma possuir mais de 10 terrenos na Fazenda Frios mas diz que no momento está vendendo apenas dois.O segundo lote, de 10X49 metros, ela oferece por R$ 30 mil mediante uma entrada de R$ 10 mil ou R4 15 mil e o restante parcelado. Residente na própria localidade, Edleuza confirma que não possui escritura dos terrenos e revela que o negócio pode ser fechado no cartório de imóveis de União.
"Basta pagar uma taxa de R$ 50 e você adquire o termo de compromisso de compra e venda. Quando a área for legalizada é só registrar", garante.A legalização, ainda segundo ela, se dará quando a prefeitura concluir o projeto de transformação da área de zona rural para zona urbana. Mas o prefeito de União dos Palmares, Carlos Alberto Borba de Barros Baia, o Beto Baia, revela que a tal transformação, que chegou a ser cogitada na gestão de seu antecessor, Areski Damara de Omena Freitas Júnior, o Kil, não está entre as prioridades de sua administração.
"Até porque", explica, "a área pertence ao governo do Estado".Outro "dono" de lote que se identifica por Elias está vendendo um terreno de 20X40 por R$ 50 mil e a serem pagos em até dois anos. "Está todo murado", diz. Ele e Edleuza não são os únicos. Em qualquer site de classificados é possível encontrar anúncios de lotes à venda na Fazenda Frios. Há também imóveis prontos que estão sendo comercializados, mas a irregularidade mais gritante é a das chácaras, onde se cria até gado, enquanto outras são locadas para festas e outros eventos. Há também pontos comerciais, como bares e até motéis em funcionamento.
SONHO DESFEITO
Há 35 anos um projeto do governo do Estado pretendia transformar a Fazenda Frios no maior celeiro de hortifrutigranjeiros de Alagoas. O objetivo era acabar com a importação de frutas, verduras e legumes. Em 1980, foi criada com esta finalidade a Cidade Hortigranjeira de Alagoas S/A, uma empresa que teria a responsabilidade de gerenciar e escoar a produção de pequenos produtores rurais, muitos deles vivendo na área há décadas, que contariam com a assistência técnica do governo.
O sonho contudo não se concretizou e em 2008 a empresa terminou sendo efetivamente banida do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) por inatividade. Esquecida pelo poder público ao longo das últimas três décadas, a Fazenda Frios foi adquirida pelo Estado por desapropriação através do Decreto No 358 de 09 de julho de 1946.
De acordo com a Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas, a área é de aproximadamente 280 hctares. "Tendo em vista a escritura ser muito antiga, os confrontantes do terreno não são precisos, o que impossibilita uma delimitação exata da área", informou a Assessoria da Seplag, acrescentando que a Superintendência de Gestão Patrimonial da pasta está iniciando um trabalho de levantamento patrimonial, o que inclui a Fazenda Frios.
O DESMATAMENTO
Com sua vegetação nativa dando lugar a espaços cada vez maiores, a Serra dos Frios é alvo diário de pequenas queimadas. O que começou de forma quase sorrateira há cerca de cinco anos hoje é claramente perceptível por quem observa os contornos da serra. É a fumaça que denuncia mais um invasor e as pequenas roças ao longo de sua extensão. No sopé da serra, as árvores são derrubadas e a madeira comercializada no próprio município, em sua maioria junto a panificações.
A primeira iniciativa de preservação da Serra dos Frios ocorreu ainda em 1993, quando foi criada a Reserva Estadual de Preservação Ecológica. O Decreto 35.732 definiu como área de preservação 100 hectares da fazenda. Três anos depois, um outro decreto, o de número 37.004 repassou à Secretaria de Agricultura do Estado a responsabilidade sobre a fazenda até que, em 1997, através da Lei 5.907, foi criada a APA de Murici, na qual se insere a Serra dos Frios.
Decretos e leis, contudo, não têm conseguido proteger a área da devastação. Questionado há três semanas sobre a fiscalização da APA de Murici, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) informou, através de seu diretor de Unidades de Conservação, Ludgero Lima, que as denúncias de desmatamento e ocorrências percebidas pela coordenação da APA durante vistorias são apuradas e adotadas providências conforme a legislação ambiental em vigor. "O conselho Gestor da referida APA também tem contribuído no monitoramento e fiscalização da mesma. Com a mudança de governo, ocorreram também mudanças na Diretoria de Unidades de Conservação do IMA, na chefia da APA e de alguns conselheiros que foram substituídos.
Isso também fez com que desde janeiro último até a presente data estivéssemos impossibilitados de realizar as reuniões bimestrais, o que está previsto para acontecer no próximo mês de maio", afirmou em email encaminhado ao EXTRA pela Assessoria de Comunicação do IMA.Ainda segundo ele, o monitoramento é feito por um chefe da APA indicado pelo IMA para ficar responsável pelo monitoramento da mesma e pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), que indica um técnico para fazer parte do Conselho Gestor da mesma. Semanalmente são realizadas vistorias de rotina para atender demandas processuais e a qualquer momento em casos de denúncias.
Mas só depois de ser procurado pelo EXTRA, o IMA realizou uma operação de fiscalização na Serra dos Frios. Em release distribuído à imprensa através de sua Assessoria de Comunicação, informou que, no último dia 26, um grupo de 10 pessoas, incluindo membros de sua Unidade de Conservação, representantes da Sala Verde da Secretaria Municipal de Educação, da Associação de Apicultores e estudantes percorreu dois diferentes pontos verificando possíveis crimes ambientais.
"Segundo informação de Lana Navarro, chefe da APA de Murici, nos dois trechos percorridos foram encontradas manchas de desmatamento em fragmentos de vegetação da Serra dos Frios. 'Deixaram uma borda de mata para quem olhar de fora não perceber', comentou. Ela disse ainda que os pontos foram georreferenciados e será realizada uma operação maior, ainda sem data definida, com apoio do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), para identificar os responsáveis", afirma o release.Ainda de acordo com o IMA, a APA de Murici foi criada com a publicação da Lei Estadual 5907/1997, possui 116.100 hectares e abrange parte de 10 municípios: Messias, Murici, Branquinha, União dos Palmares, São José da Lage, Ibateguara, Joaquim Gomes, Colônia Leopoldina, Novo Lino e Flexeiras.
LEGALIZADOS
Na Fazenda Frios está também um dos hotéis ecológicos mais conhecidos de Alagoas, o Quilombo Park Hotel. De acordo com as informações obtidas pelo EXTRA, a propriedade teria sido legalizada mediante intervenção do secretário de Agricultura na gestão de Geraldo Bulhões (1991-1995) João Caldas.Parte da área original da fazenda também foi doada ao município para construção de um conjunto residencial. É onde hoje está situado o bairro Roberto Correia de Araújo.
A doação foi feita pelo ex-governador Divaldo Suruagy em sua primeira gestão (1975-1978). Contam os historiadores que o objetivo foi favorecer a campanha à Prefeitura de União dos Palmares do então candidato governista Manoel Gomes de Barros, vice de Suruagy no seu terceiro mandato de governador (1995-1997) e que o sucedeu após a renúncia no episódio que ficou conhecido como o 17 de Julho.
BR INVADIDA
Descrentes de que a duplicação da BR-104 se torne realidade no trecho que liga Alagoas a Pernambuco, comerciantes de União dos Palmares decidiram também ampliar seus negócios por meio de invasões. Em quase toda a extensão que liga o município às cidades de Ibateguara e Murici, não faltam estabelecimentos comerciais, inclusive postos de combustíveis. Todos já foram advertidos de que terão de desocupar a área, pertencente à União, mas, o que se vê é o aumento de invasões na faixa de domínio federal.
http://www.extralagoas.com.br/noticia/17245/esta-semana-nas-bancas/2015/05/14/especulaco-imobiliaria-e-desmatamento-devastam-terras-do-estado-em-unio.html
Mata Atlântica:Desmatamento
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