Botos-cinza ameaçados na Baía de Sepetiba

O Globo, Rio, p. 16 - 16/02/2016
Botos-cinza ameaçados na Baía de Sepetiba
Eles são vítimas da pesca e ampliação de portos. Para MP Federal, espécie pode sumir da região em 10 anos

Vera Araújo

RIO- Os relatos de quem já assistiu à morte de um boto-cinza são idênticos: "quando caem na rede, eles choram que nem criança". E o lamento dos animais tem soado cada vez mais na Baía de Sepetiba, onde a mortandade da espécie Sotalia guianensis não para de aumentar. Há dez anos, viviam na região grupos de 200 a 300 botos, mas agora os bandos não chegam a ter 150 integrantes cada. Na lista de espécies brasileiras ameaçadas de extinção, o boto-cinza tem sido vítima da pesca: os animais ficam presos nas redes e não conseguem se desvencilhar. Segundo o Instituto Boto-Cinza (IBC), projeto que busca a preservação da espécie, somente no mês passado foram sete mortos.
A situação é tão grave que o Ministério Público Federal estima que, se nada for feito de imediato, em dez anos o boto-cinza desaparecerá de vez da região. Segundo o coordenador científico do IBC, Leonardo Flach, a Baía de Sepetiba é considerada a área com maior população da espécie no mundo (em outros países da América Central onde ela pode ser encontrada, não há dados). A população do animal, que já foi de 1.290 exemplares em 2002/2003 na Baía de Sepetiba (de acordo com o primeiro estudo científico publicado na época), atualmente, segundo o IBC, não chega a 800.
- Um outro fato está nos tirando o sono. O canal da Baía de Sepetiba será duplicado. Se hoje o tráfego de navios é de 1.800 por ano, a tendência é que esse número dobre. Haverá mais dragagens e explosões também. O fluxo será tão intenso, que os botos ficarão acuados. Os pescadores artesanais acabam sendo vítimas também, pois são empurrados para os estuários. Um outro problema é a pesca ilegal, feita com traineiras e suas imensas redes - alerta o biólogo Leonardo Flach, explicando que os botos perdem cada vez mais espaço no seu habitat, devido ao aumento dos empreendimentos portuários e das áreas de fundeio.
Na última quarta-feira, o Ministério Público Federal fez uma série de recomendações a 12 entidades públicas e privadas, para evitar a extinção do boto-cinza nas baías de Sepetiba e da Ilha Grande. A procuradora da República Monique Chequer, que assina a recomendação, deu um prazo de dez dias para que as medidas sejam tomadas. Ela recomenda, por exemplo, que haja fiscalização por parte do Ibama e da Polícia Federal. Já ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a procuradora sugere que ele seja mais rigoroso na concessão de licenciamentos. Segundo ela, o Inea faz, para todas as empresas, a mesma exigência: um monitoramento do boto-cinza, de maneira genérica. O Inea não avalia, de acordo com o MPF, a área impactada, o que torna ineficaz o monitoramento.
- A recomendação não tem caráter de sanção. Estamos marcando posição há bastante tempo, mas não temos visto qualquer ação efetiva, pelo contrário. Se todos os esforços derivados dessa recomendação não surtirem efeitos, o MPF tomará ações drásticas, responsabilizando criminalmente e também acusando de improbidade administrativa todas as autoridades envolvidas desde o início. Não basta boa vontade. Falta investimento material e humano - disse Monique.
De acordo com o documento do MPF, os problemas nas baías de Sepetiba e Ilha Grande começaram em 2010, quando teve início a ampliação de portos e estaleiros. Em Sepetiba, os anos de 2013, 2014 e 2015 foram responsáveis por 50% das mortes de botos-cinza registradas na última década: 170. Segundo o IBC, houve 82 notificações ano passado, mas apenas 71 carcaças de animais foram recolhidas.
- O número de mortes pode ser maior - disse Flach.

APA CRIADA EM MANGARATIBA NÃO CUMPRE PAPEL DE PRESERVAÇÃO
O alerta sobre o extermínio dos botos-cinza na Baía de Sepetiba foi dado pelo IBC em 2014 e provocou a criação, em 10 de julho do ano passado, da Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha Boto-Cinza, pelo município de Mangaratiba. Mas, segundo o Ministério Público Federal, ainda não foi composto um conselho para que, efetivamente, a APA cumpra o seu papel de preservação da espécie. Enquanto isso não acontece, os animais, que pesam em média 80 quilos, estão cada vez mais debilitados.
Segundo o coordenador científico do IBC, Leonardo Flach, as traineiras de pesca industrial recolhem toneladas de sardinhas e manjubas, peixes que fazem parte da dieta dos botos-cinza, prejudicando ainda mais os animais.
- A falta de planejamento para o crescimento da região está causando a extinção da espécie. Cabe às autoridades fazer um plano de gerenciamento costeiro - disse Leonardo.
O ex-pescador Guilherme Alves contou que deixou a atividade depois que arrastou um boto, sem querer, na sua rede:
- A gente vê os botos como nossa família. Eles nos acompanham na pesca desde a minha infância, nos distraem, fazem brincadeiras. Quando a rede arrasta um boto, só nos dá prejuízo, pois faz um buraco nela.

O Globo, 16/02/2016, Rio, p. 16

http://oglobo.globo.com/rio/botos-cinza-ameacados-na-baia-de-sepetiba-18680912
Biodiversidade:Fauna

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Mangaratiba
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.