Debaixo da poluição da Baía, natureza surpreende

O Globo, Rio, p. 14 - 26/09/2017
Debaixo da poluição da Baía, natureza surpreende
Documentário revela riqueza animal nas águas sujas, repletas de raias e até cavalos-marinhos

Guilherme Ramalho

A Baía de Guanabara não está morta. Pelo contrário, debaixo de suas águas poluídas, há verdadeiros santuários marinhos. Raias, corais, botos, caranguejos, polvos e tartarugas lutam diariamente para sobreviver em meio a toda carga de sujeira que chega dos 16 municípios do seu entorno. Esses heróis da resistência revelam uma biodiversidade que muita gente julga perdida, e que agora é revelada pelo biólogo marinho Ricardo Gomes. Ele mergulhou durante um ano e meio em vários pontos do estuário, reconhecido pela ONU como Paisagem Cultural da Humanidade, e registrou imagens deslumbrantes, que resultaram no documentário "Baía Urbana".

Exibido em julho na abertura da primeira Conferência sobre os Oceanos da ONU, em Nova York, o filme chega agora ao Brasil. Sua estreia será amanhã, no Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo, numa sessão organizada pelo festival de cinema Filmambiente, que será realizado em novembro.

SETE ESPÉCIES DE RAIAS

Do costão do Pão de Açúcar, passando pelas ilhas de Paquetá e do Governador, até a Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, Gomes registrou a diversidade de raias, um dos principais atrativos do turismo subaquático do mundo. Hoje, no local, há sete espécies formalmente registradas em publicações científicas, o que coloca a Baía de Guanabara como a sexta do mundo e a primeira do Brasil com a maior biodiversidade de elasmobrânquios (grupo que reúne raias e tubarões), segundo uma pesquisa feita pelo Instituto de Biologia da UFRJ. Uma vitória para uma baía cuja promessa de despoluição já atravessou sete governos e nunca chegou perto de ser cumprida.


Apesar de resistência, quantidade de botos passou de 800 para 30
Biólogo diz que Rio perde por não explorar potencial turístico

Rodrigo de Moura
Professor do Instituto de Biologia da UFRJ

Enquanto lança o "Baía Urbana", realizado com o apoio da ONU e da Oceanpact, empresa que combate danos de desastre no mar, Gomes já começou a fazer, por conta própria, as filmagens de seu próximo documentário. Pretende agora focar justamente nas raias que habitam a Guanabara, ampliando o debate sobre sua pesca predatória. De acordo com Gomes, a taxa de ameaça de extinção desses animais chega a ser quinze vezes maior que a dos demais peixes marinhos devido à reprodução altamente especializada, com fecundação interna e produção relativamente baixa de filhotes.
Segundo o biólogo e documentarista, um enorme potencial econômico é desperdiçado na Baía. Gomes diz que, no mundo inteiro, a pesca de raias vem sendo substituída por mergulhos junto aos animais:
- Há lugares como a Indonésia, onde se paga caríssimo para mergulhar com raias. Imagine uma raia-borboleta, linda, majestosa, vendida a R$ 50 na feira. Explorada com turismo na Indonésia, poderia valer US$ 1 milhão em toda sua vida. Fiquei fazendo essa conta e vendo o quanto estamos perdendo. Do jeito que está, é como se estivéssemos perdendo nossa herança, sem ter tido a chance de conhecê-la.
Apesar de ter conhecido uma parte vibrante e riquíssima da Baía, Gomes viu poucos botos-cinza, que já foram 800 na década de 1970, e hoje não passam de 30, segundo o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua) da Uerj. Também são raras as baleias que entram no estuário. Muitas espécies de peixes também foram drasticamente reduzidas, como badejos, namorados e garoupas. A pesca hoje está concentrada na corvina. Mas linguados, robalos e moreias também podem ser vistos rastreando os costões rochosos ou o fundo arenoso. Em seu documentário, Gomes mostra ainda espécies raras, como a lula de recifes, encontrada no Caribe e no Havaí, e até cavalos-marinhos, ameaçados de extinção.

IMAGENS INÉDITAS

A vida debaixo da poluição acontece não só pela capacidade de resiliência da Baía, mas também pela renovação de suas águas. De 12 em 12 dias, metade da água é trocada, varrendo para fora da Baía boa parte da sujeira. Enquanto o lixo se acumula mais adentro, como na Ilha do Governador, no fundo do mar, nas enseadas e na sua entrada, perto da praia da Urca, as águas são mais limpas. Lá, há um banco de octocorais, que nunca havia sido filmado, até os mergulhos de Gomes.
- Há várias fronteiras de conhecimento na Baía que precisamos atravessar. Esse banco de octocorais nunca havia sido documentado, não se sabe praticamente nada sobre ele. Não encontramos uma nova espécie, mas um ambiente ímpar, rico, belíssimo, que não sabíamos que estava a 500 metros de um ponto de ônibus, no quintal da nossa casa. Isso é surpreendente. Indica que a Baía está viva, apesar de tudo - diz Rodrigo de Moura, professor do Instituto de Biologia da UFRJ.

"Encontramos um ambiente ímpar, belíssimo. Indica que a Baía está viva, apesar de tudo" Rodrigo de Moura Professor do Instituto de Biologia da UFRJ


O Globo, 26/09/2017, Rio, p. 14

https://oglobo.globo.com/rio/imagens-ineditas-revelam-uma-baia-de-guanabara-que-voce-nunca-viu-21851587
Biodiversidade:Fauna

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