'Agora é a hora de agir. Vamos mostrar que você não aguenta mais essa cambada de maconheiro baba-ovo de bandido. Já deu o que tinha que dar. #tolerânciazero'
Por André Trigueiro
09/12/2018 17h22 Atualizado há 19 horas
Com essa convocação publicada em seu blog na véspera do 1o turno das eleições, Ricardo Salles tentou se eleger deputado federal por São Paulo. Não deu certo. Derrotado nas urnas, ganhou como prêmio de consolação do presidente eleito Jair Bolsonaro o cargo mais importante de sua vida. Aos 43 anos, este jovem advogado com especialização em administração de empresas será o novo ministro do Meio Ambiente.
A escolha se deve menos a uma reconhecida competência técnica na área ambiental do que a afinidades ideológicas. Ricardo Salles nunca foi lembrado no meio ambientalista como um nome forte para ocupar a pasta. Criador do Movimento Endireita Brasil (MEB), ele vinha se destacando pela ferocidade com que defende ideias em favor do conservadorismo e do liberalismo. Chegou a declarar-se certa vez "o único direitista assumido do Brasil". Durante a campanha eleitoral deste ano, o MEB (tendo à frente Salles) virou notícia ao publicar em suas redes sociais um anúncio oferecendo recompensa de R$ 1.000,00 a quem gravasse um vídeo com ataques a Ciro Gomes. As publicações citavam o restaurante onde o candidato do PDT almoçava. Após a repercussão negativa, a publicação foi apagada.
Dentre todos os nomes cotados para o cargo, Ricardo Salles foi certamente o que contou com o maior número de apoios, como o da Sociedade Rural Brasileira (SRB), a União da Agroindústria Canavieira (Unica), FIESP, construção civil e comércio. Curiosamente, setores da economia que mais se queixam da atuação firme dos órgãos ambientais nos processos de licenciamento e fiscalização. Não me lembro de outro ministro do Meio Ambiente que tenha contado com um lobby tão poderoso para alcançar o cargo.
Salles teve uma passagem tumultuada pelo Governo Alckmin onde foi secretário particular do Governador de São Paulo e, mais tarde, para perplexidade de muitos tucanos, secretário de Meio Ambiente. Tornou-se réu em uma ação civil pública sob a acusação de ter alterado ilegalmente o zoneamento da proposta de plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê. Em outro inquérito, o secretário passou a ser investigado por ter realizado chamamento público, sem autorização legislativa, para a concessão ou venda de 34 áreas do Instituto Florestal. Acabou sendo afastado do cargo pelo governador um ano depois da nomeação. Há ainda várias outras denúncias que marcaram a rápida passagem de Salles pela Secretaria.
Importante saber se o novo ministro pensa como Bolsonaro que o Ibama é uma "fábrica de multas". Penso que se foi escolhido é porque concorda, o que seria lamentável. O Ibama existe para cumprir o que diz a lei. Enfraquecê-lo significa abrir caminho para novas tragédias, como o vazamento da Samarco. Certa vez, ao entrevistar o ex-czar da economia nos anos de chumbo da ditadura, o ex-ministro Delfim Netto, ouvi dele a seguinte defesa em favor da regulação ambiental do setor produtivo: "Se não regular, eles vão destruir tudo. Não vai sobrar nada".
Outra questão importante é a autonomia do Ministério do Meio Ambiente. O titular da pasta precisa ser o fiel escudeiro do artigo 225 da Constituição brasileira, o qual afirma que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." É o que se espera de Ricardo Salles. Qualquer ato de subserviência aos interesses corporativos - principalmente do lobby que o apoiou - afronta o cargo que ocupa.
Além disso, é importante lembrar que ser ministro do Meio Ambiente do Brasil significa promover a gestão dos recursos naturais da maior potência megabiodiversa do planeta. Somos o país do mundo com a maior floresta tropical úmida, o maior estoque de água doce, a maior biodiversidade, a maior quantidade de solo fértil pronto para o plantio (sem a necessidade de derrubar uma árvore sequer). Caberá a Ricardo Salles a gestão de quase 10% do território nacional, que é a soma das Unidades de Conservação, absolutamente estratégicas para a regulação do clima, produção de chuvas, armazenamento de água e de tesouros biotecnológicos fundamentais para a produção de remédios e vacinas. As mesmas Unidades de Conservação que nos últimos 5 anos perderam, com desmatamentos criminosos, uma área equivalente a quase 3 vezes a cidade de São Paulo.
O projeto dos sonhos de Jair Bolsonaro era unificar as pastas da Agricultura e do Meio Ambiente, mas foi desaconselhado pelos próprios ruralistas que temiam retaliações dos importadores de grãos e proteína animal. Como se sabe, muitos importadores não querem passar recibo de "desmatador da Amazônia" ou "invasor de territórios indígenas". O presidente eleito recuou. E deixou a escolha do titular da pasta do Meio Ambiente por último dentre os 22 colaboradores do primeiro escalão do governo.
O ministro do Meio Ambiente precisa ser o "xerife" que protege os recursos naturais fundamentais à vida, e o grande defensor do desenvolvimento sustentável, o único possível, se desejarmos um crescimento equilibrado e perene na linha do tempo. A gestão ambiental não pertence a nenhuma ideologia política, nem de direita nem de esquerda. Sustentabilidade é sinônimo de sobrevivência, e o novo ministro deverá realizar escolhas que poderão contrariar apetites vorazes de crescimento rápido que não levam em conta o interesse coletivo ou a resiliência dos ecossistemas. Que esteja à altura do cargo e dos desafios que terá pela frente.
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