FSP, Ambiente, p. B7 - 17/04/2019
Gestão ambiental sob Salles tem fim de políticas do passado e exonerações
Gestão Salles tem foco urbano, exonerações e fim de políticas do passado
Discurso se alinha mais com ruralistas do que com ambientalistas; plano de combate ao lixo foi elogiado
Ana Carolina Amaral
SÃO PAULO
Exonerações em massa, extinção de conselhos, perda de órgãos para outros ministérios e desmonte de estruturas e de políticas ambientais do passado nos movimentados primeiros cem dias de Ricardo Salles à frente do MMA (Ministério do Meio Ambiente) confirmaram que a gestão ambiental no governo Bolsonaro não seria de continuidade (ou tédio).
Ainda na campanha eleitoral o discurso de Jair Bolsonaro para a área ambiental destoava de todos os outros os candidatos. Era o único a prometer a saída do Brasil do Acordo de Paris, assinado por 195 países contra as mudanças climáticas, e a fusão do MMA com a Agricultura.
Após pressão interna e externa, nenhuma dessas propostas se concretizou. Mas o discurso alinhado com os ruralistas do que com os ambientalistas não era bravata.
O clima instaurado nos primeiros cem dias de governo é também de perseguição, segundo funcionários do ministério ouvidos pela Folha.
De acordo com eles, além da desconfiança do ministro em relação aos servidores (e vice-versa), constantes interferências do seu gabinete na atuação de órgãos como o ICMBio culminaram no pedido de demissão do presidente do órgão, Adalberto Eberhard, nesta segunda (15).
Em um só dia, foram exonerados 21 dos 27 superintendentes estaduais do Ibama. Também em março, o órgão exonerou da função o servidor que havia multado Bolsonaro em 2012 por pesca irregular.
O desmonte da pasta começou logo em janeiro, quando dois órgãos do ministério foram transferidos para outras pastas. O Serviço Florestal Brasileiro passou a pertencer ao Ministério da Agricultura, enquanto a Agência Nacional de Águas foi para o Desenvolvimento Regional.
O ministro também extinguiu a estrutura da Secretaria de Mudança do Clima e Florestas, que era responsável pelas ações de mudanças climáticas e combate ao desmatamento. A nova secretaria, Florestas e Desenvolvimento Sustentável, não tem estrutura para as questões de clima e desmatamento.
Já a Secretaria de Biodiversidade está com o cargo de secretário vago desde o início da gestão. Nos bastidores, fala-se em uma disputa pelo cargo entre a ala militar do governo e deputados paulistas próximos ao ministro.
Após exonerações no Ibama, no ICMBio e no ministério, cargos de chefia permanecem sem nomeação e com funções administradas por substitutos. Os dois órgãos tiveram suas assessorias de imprensa submetidas ao gabinete do ministério.
Outro órgão na mira é o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). A primeira reunião do ministro com os membros teve irregularidades questionadas pelo Ministério Público Federal.
Por ser criado através de lei, o Conama não se enquadra entre os conselhos extintos pelo decreto 9.759/19, assinado por Bolsonaro na última quinta-feira (11). No entanto, a preocupação de membros do conselho é que o ministério faça alterações que diminuam a participação do conselho nas decisões da pasta. Salles já havia admitido a intenção de "reformatar" o órgão.
A diminuição do espaço para participação social também afeta a execução de planos de recuperação da vegetação nativa. Análise publicada pela Fundação SOS Mata Atlântica destaca a ausência de implementação da Comissão Nacional para Recuperação Nativa (Conaveg).
Salles declara ter elegido como prioridade de gestão a agenda urbana. Segundo o ministro, a agenda tem seis fases, que serão lançadas a cada 30 dias. A primeira, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, foi lançada em 22 de março. À Folha o ministro diz que o plano já mostra resultados, com "movimentos espontâneos da sociedade civil em resposta".
A agenda de combate ao lixo no mar, segundo análise da SOS Mata Atlântica, "foi o único fato positivo", mas o plano, gestado desde 2007, foi publicado sem coesão e orçamento garantido, segundo a ONG.
A entidade também lembra que o ministério contrariou a avaliação técnica do Ibama e liberou a exploração de petróleo próximo ao parque marítimo de Abrolhos.
Segundo o ministro, a próxima agenda será de resíduos sólidos, a ser lançada em Curitiba no próximo dia 30, "incluindo planos de logística reversa, reciclagem e reaproveitamento energético".
Para o ambientalista Cláudio Maretti, que presidiu o ICMBio na gestão Dilma, houve um acerto principal no início da gestão Salles: a continuidade no processo de concessão de parques nacionais para serviços de apoio ao turismo.
Para Maretti, as concessões têm alinhado a política defendida pelo governo atual, de aproximação com o setor privado, com as regras de boa gestão e qualidade técnica.
No entanto, a continuidade de políticas ambientais que não se enquadram no escopo de atuação do governo Bolsonaro é o que mais tem preocupado ambientalistas reunidos em discussão promovida pelo Observatório do Clima, na última quarta-feira (10).
"Não há nenhuma clareza do que será feito na política de clima. Planos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia e no cerrado têm um cronograma cuja execução é uma incógnita", disse Carlos Rittl, secretário-executivo do OC.
Para ele, não se pode ignorar as relações entre mudanças climáticas e os eventos climáticos extremos que já estão acontecendo no país, como as chuvas no Rio de Janeiro.
Já para André Guimarães, diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), há outra relação que não poderia ser ignorada: a importância da conservação da Amazônia para regular e garantir o regime de chuvas que abastece a agricultura e a economia do país.
Segundo o ambientalista Alfredo Sirkis, um dos fundadores do Partido Verde e que acompanhou a atuação do MMA desde a redemocratização, "as políticas ambientais são construídas em um prazo mais longo e não contam com atos espetaculares nos primeiros cem dias de governo. O que está havendo no governo Bolsonaro é a liquidação do sistema de proteção ao meio ambiente construído nos últimos 30 anos, deixando desprotegido o patrimônio público".
FSP, 17/04/2019, Ambiente, p. B7
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/04/gestao-salles-tem-foco-urbano-exoneracoes-e-fim-de-politicas-do-passado.shtml
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