Unidade ambiental que Bolsonaro quer transformar em 'Cancún' é obrigatória para funcionamento de usina nuclear
19/05/2019 - 04:30
Lucas Altino
Moradores e ambientalistas denunciam que aumentou a atuação de pescadores na Estação Ecológica de Tamoios após declarações do presidente
Entre os municípios de Angra dos Reis e Paraty, há uma porção de mar em que pesca e atividades de lazer são proibidas. Esse santuário da natureza preserva espécies ameaçadas de extinção e garante campo para pesquisas científicas. A Estação Ecológica de Tamoios é um paraíso dentro de outro paraíso - ocupa 5% da Baía de Ilha Grande, uma das regiões mais intocadas do estado. Mas, desde que o presidente Jair Bolsonaro defendeu parâmetros de conservação mais brandos para a "Cancún brasileira", a área de proteção, segundo ambientalistas, passou a ser alvo de pescadores dispostos a desafiar a fiscalização e a driblar a lei.
O biólogo marinho João Vital, voluntário do conselho gestor da estação, conta que tem sido frequente fiscais se depararem com pescadores, em flagrante desrespeito aos limites impostos na área protegida, que os enfrentam, questionando as proibições determinadas pela legislação.
JOÃO VITAL
Biólogo marinho
- Hoje o fiscal aparece e o pescador reclama: "Não acabou isso?" - diz Vital, que ajuda em trabalhos de pesquisa na área denominada "Barco-Escola", onde há cultivo de algas e peixes. - Na próxima semana, vou receber alunos da Unifoa (Centro Universitário de Volta Redonda), por exemplo. Essa contribuição científica existe, mas podemos fazer mais, basta ter verbas.
Apesar das dificuldades, há várias universidades desenvolvendo projetos que dependem da estação. O pesquisador Joel Creed, do Laboratório de Ecologia Marinha Bêntica (fundo do mar) da Uerj e membro do conselho gestor da estação, explica que o banco de dados sobre a biodiversidade marinha deve muito à existência da área de proteção.
- Há muitas universidades operando lá. Essas unidades de conservação são fontes de geração de novos organismos, porque são como berçários para os peixes - explica Creed.
A ideia de flexibilizar as regras da Estação Ecológica de Tamoios não é tão simples porque ela foi concebida por um decreto de 1990, que remontava a um outro de 1980. Esse prevê que todas as usinas nucleares do país devem ficar em áreas delimitadas, como estações ecológicas. Essa obrigatoriedade é uma forma de criar "cortinas verdes" no entorno das unidades, evitando casas nas suas proximidades. Em 2000, a Esec foi apresentada como condicionante para as licenças ambientais de Angra 1, que já existia, de Angra 2 - que entrou em operação um ano depois - e de Angra 3. A estação é um termômetro ambiental para a atividade de geração de energia nuclear.
Membro do Instituto Socioambiental da Baía da Ilha Grande, Marcelo Neves observa que a Esec é fundamental para garantir a operação das usinas:
- Sem ela, você coloca em risco as atividades nucleares porque é preciso monitorar a qualidade do ambiente frente aos trabalhos da usina. A estação não é uma divindade ou uma birra, é uma obrigação legal.
Sem multa desde 2014
Por toda essa complexidade, os especialistas da área ambiental e o Ministério Público Federal, que tem a responsabilidade de monitorar possíveis ilegalidades na estação, defendem um movimento contrário ao que foi proposto por Bolsonaro. Para eles, o mais importante é garantir uma estrutura mais robusta à fiscalização, para coibir abusos. Hoje, a situação é de absoluta precariedade.
O procurador da República Igor Miranda da Silva é responsável por um inquérito sobre o quadro deficitário de servidores na Esec de Tamoios. Uma ação civil pública exige que o Ibama contrate, pelo menos, mais seis servidores para sua unidade de Angra, que também ajuda na fiscalização da estação, que hoje conta só com quatro fiscais.
- Atualmente, a fiscalização é extremamente prejudicada, sucateada. É um absurdo, por exemplo, a sede do Ibama não ter lancha, precisar pedir emprestado a outros órgãos. Na sede do Esec, ainda estamos apurando a necessidade exata, mas sabe-se que também não há lancha - diz o procurador da República.
A defasagem na fiscalização pode ser verificada pela quantidade de multas aplicadas na estação desde 2000. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, foram 19 autuações, no valor total de R$ 1,5 milhão, e quatro advertências. A última aplicada foi em 2014. O órgão não informou quantas foram pagas.
A Estação Ecológica de Tamoios ganhou projeção maior em 2012, quando Bolsonaro, deputado federal à época, foi multado por pesca irregular. A infração foi suspensa, e o fiscal que o multou, afastado. O Ministério Público instaurou uma investigação para apurar as circunstâncias em que a multa foi anulada.
Procurada, o ICMbio, responsável pela estação, não se pronunciou. Já o Ministério do Meio Ambiente apenas informou que qualquer proposta de modificação em unidades de conservação depende de projetos de lei.
ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE TAMOIOS
É formada por 29 ilhas, lajes e rochedos e o entorno marinho de raio de 1km ao redor destes, representando apenas 4% da Baía da Ilha Grande.
https://oglobo.globo.com/rio/unidade-ambiental-que-bolsonaro-quer-transformar-em-cancun-obrigatoria-para-funcionamento-de-usina-nuclear-23670678
UC:Estação Ecológica
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Tamoios (ESEC)
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