Garimpo ilegal virou 'epidemia' em 7 áreas protegidas, diz coalizão Xingu+
Rubens Valente
Colunista do UOL
Imagens de satélite e de sobrevôos analisadas pela coalizão Rede Xingu+ indicam que a destruição em terras indígenas por garimpos ilegais virou "uma epidemia" em três terras indígenas e quatro unidades de conservação na bacia do rio Xingu, no Pará. A coalizão associa o aumento da atividade ilegal às propostas de flexibilização da legislação do governo federal, como o projeto de lei 191, enviado neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional a fim de permitir exploração mineral em terras indígenas - o projeto ainda não foi analisado nem votado.
Apenas de abril a maio deste ano, 562 hectares foram destruídos pela ação garimpeira, que se somam a outros 21,5 mil hectares já desmatados na região, segundo a coalizão formada por organizações não governamentais indígenas, associações de comunidades tradicionais e instituições da sociedade civil que atuam na bacia do Rio Xingu. A área total destruída, de 220 km², equivale a cerca de 18% de todo o município do Rio de Janeiro. A preocupação aumenta porque os garimpos, clandestinos e sem controle sanitário, são vetores de transmissão do novo coronavírus para dentro de aldeias indígenas.
Nos municípios que formam a bacia do Xingu haviam sido registrados, até o último dia 29, 16.315 casos e 327 óbitos causados pela doença. Em todo o estado do Pará ocorreram 114 mil casos e 5,1 mil mortes até a noite deste domingo (5). "Com a disseminação da covid-19 pelo país, a invasão de garimpeiros dentro das terras indígenas e unidades de conservação representa uma dupla ameaça: o contágio dos povos indígenas e populações tradicionais e a destruição da floresta", afirmou a Rede Xingu+ em texto distribuído nesta segunda-feira (6).
Pistas de pouso clandestinas A expansão dos garimpos foi detectada nas terras indígenas Kayapó e Baú, dos índios kayapós, e Apyterewa, dos índios parakanãs, nas reservas extrativistas Riozinho do Anfrísio e do Rio Iriri, no Parque Nacional da Serra do Pardo e na Flona (Floresta Nacional) Altamira. A Rede Xingu+ disse já ter protocolado, apenas de 2019 a 2020, 12 denúncias em diferentes órgãos públicos sobre as invasões nessas sete áreas protegidas pela União. "Além da derrubada de floresta para a atividade ilegal e a contaminação dos recursos naturais, foi denunciada a abertura de estradas e pistas de pouso."
A Terra Indígena Kayapó, onde vivem mais de 4,5 mil indígenas, é considerada a área mais atingida na região, com 684 hectares desmatados nos primeiros cinco meses deste ano, principalmente na região dos rios Arraias e Fresco. Ao mesmo tempo registra o maior número de casos e óbitos por Covid-19, com seis mortos e 206 contaminações até o dia 17 de junho. Na TI Kayapó, segundo a coalizão, em apenas quatro anos, de 205 a 2019, um total de 5,7 mil hectares foi destruído pelo garimpo, "que se aproxima cada vez mais das aldeias, colocando a saúde dos indígenas em risco e provocando conflitos associados à repartição inadequada dos benefícios gerados, à promoção da prostituição, assim como à violência causada pela facilidade de acesso a bebidas alcoólicas e outras drogas", diz o relatório da Rede Xingu+. A coalizão detectou um total de 1,3 mil km de estradas ilegais dentro da terra indígena, dos quais 918 km associados ao garimpo, e seis pistas de pouso de aviões.
Indígenas acuados Na Terra Indígena Apyterewa, onde vivem cerca de 730 parakanãs, a invasão também é crescente e preocupante. Em 2019, diz a coalizão, foram desmatados 7,7 mil hectares, o que colocou o território "em segundo lugar no ranking das terras indígenas mais desmatadas na Amazônia Legal" no ano passado. Os índios acabaram acuados num canto da terra indígena e hoje "menos de 20% da área da TI está sob a inteira posse dos indígenas, segundo a Funai". Já houve várias decisões judiciais favoráveis aos parakanãs para retirada dos invasores da terra, o que inclusive era uma das condicionantes para a construção da usina hidrelétrica Belo Monte, inaugurada em 2016, mas até o momento o governo federal não cumpriu as determinações do Judiciário. Houve uma primeira operação de retirada dos invasores, em 2016, mas o trabalho nunca foi encerrado.
O relatório da Rede Xingu+ apontou dois grandes garimpos em atividade na Apyterewa, "operando intensamente e com alto poder de degradação ambiental. Os garimpos utilizam maquinários pesados e estão sendo financiados por pessoas que estavam antes ligadas à grilagem de terras na TI". Na reserva extrativista Riozinho do Anfrísio, um garimpo que estava desativado há 14 anos foi retomado em 2018. Na Flona de Altamira, 138 hectares foram desmatados pelo garimpo de janeiro de 2019 a fevereiro de 2020. Vizinha à Resex Riozinho, a Resex Rio Iriri registra garimpos ilegais de cassiterita e ouro na região do Lajeiro, um local de grande circulação dos moradores da região. Outra pista de pouso foi detectada em setembro de 2019 , perto do igarapé do Jabuti.
Em outubro de 2019, a coalizão disse que foi denunciada a abertura de outro garimpo ilegal dentro do Parque Nacional da Serra do Pardo, na Terra do Meio. A área desmatada, de 1,5 hectare, "evidencia a intensidade da degradação gerada pelo garimpo em apenas um mês de atividade". "Os infratores são os mesmos que têm financiado os garimpos na área protegida vizinha, a terra indígena Apyterewa. Moradores relatam intimidações por parte dos invasores, que espalham boatos de que a área não estaria mais protegida, que o ICMBio e o Ibama não funcionam e que o garimpo foi legalizado", informou a coalizão.
https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/07/06/garimpo-terras-indigenas-coronavirus.htm
Bacia do Xingu
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Altamira
- TI Apyterewa
- TI Kayapó
- UC Riozinho do Anfrísio
- UC Rio Iriri
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