O Globo, Brasil, p. 12 - 18/12/2021
Invasores desmatam reserva com últimos remanescentes contínuos de floresta em Mato Grosso e ameaçam servidores
Investigações mapearam a existência de uma organização criminosa, e há a suspeita de que estradas até a Bolívia estejam sendo abertas para o tráfico de drogas
Daniel Biasetto
18/12/2021 - 03:30 / Atualizado em 18/12/2021 - 12:33
RIO - A Polícia Federal, a Polícia Civil de Mato Grosso e o Ministério Público Federal investigam a extração ilegal de madeira na Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt e nas quatro unidades de conservação no seu entorno. A reserva faz parte da Amazônia Legal e tem os últimos remanescentes contínuos de floresta do estado.
As investigações mapearam a existência de uma organização criminosa. Estima-se que até 90% da renda da cidade venham do desmate ilegal, e há a suspeita de que os invasores estão abrindo estradas até a Bolívia, para o tráfico de drogas.
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O desmatamento na reserva de 2019 a 2021 aumentou 124%, em relação aos três anos anteriores, e evidenciou as atividades ilegais em Colniza, município marcado por homicídios ligados a conflitos fundiários. Ameaças e emboscadas foram feitas contra agentes da Secretaria de Meio Ambiente do estado e funcionários da Funai responsáveis pela Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo. Indígenas isolados vivem na área, que fica sobreposta à reserva.
Agentes da PF cumpriram no mês passado dois mandados de busca e apreensão em Guariba, distrito de Colniza, contra suspeitos de ameaçar de morte servidores da Funai. Um dos principais ameaçados é o indigenista Jair Candor, especialista em povos isolados. Em 2018, um fazendeiro que invadiu a terra Kawahiva ameaçou surrar Candor e queimar a base da Funai em que trabalha o indigenista. O ministro da Justiça, Anderson Torres, pediu que a Força Nacional proteja durante 60 dias a base da fundação.
- Há muitas emboscadas com pregos nas estradas para furar os pneus dos carros da Secretaria do Meio Ambiente. Conseguimos fazer operações somente com a ajuda do Batalhão Ambiental e do Bope da PM, quando não com o Exército - diz Maurren Lazzaretti, secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso.
Ribeirinhos ouvidos pelo GLOBO dizem que caminhões com toras de ipês, a árvore mais cobiçada pelos criminosos, cruzam sem parar o rio que corta a região com destino a serrarias em Guariba. Do distrito, a madeira segue para ser "esquentada" no município vizinho de Machadinho do Oeste, em Rondônia, ou para o Sul e Sudeste do país, onde abastece grandes empresas de móveis. As serrarias e o processo de "esquentamento" serão os próximos alvo das investigações.
- Cruzam o Rio Guariba durante a seca. Quando não tem fiscalização, atravessam o dia todo. Quando tem, cruzam de madrugada, com uma média de três caminhões por noite - afirma um ribeirinho que não quis se identificar.
Desde 2007, já foram desmatados 24 mil dos 164,2 mil hectares que possui a área (15%). Nos últimos dois anos, outros 42,3 mil hectares foram alvo de queimadas (25%). A reserva extrativista está no meio de uma queda de braço entre políticos e moradores que lutam para o tamanho da unidade não ser reduzido.
- A reserva foi uma covardia que fizeram com Colniza. Tiraram produtores rurais com escritura da terra para ampliar a área. Vamos bater em cima para derrubar a lei que ampliou a reserva. Colniza tem hoje 28 mil quilômetros quadrados. É um município gigante. Para você ter uma ideia, temos apenas 15% do município aberto para exploração - afirma o prefeito de Colniza, Miltinho Amorim (PSC).
O prefeito também nega que a extração ilegal predomine no município:
- Temos muito mato aqui na região, muito manejo. Essa conversa de que nossas indústrias madeireiras são ilegais é pura mentira. Todas as madeireiras trabalham na legalidade. A nossa extração é legalizada. Existe, sim, uma minoria que trabalha na ilegalidade. Eu desconheço qualquer organização criminosa. O setor madeireiro apenas protege, é um guardião da floresta.
A Funai, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Segurança de Mato Grosso não se manifestaram.
Placa crivada de balas
Na Estação Ecológica do Rio Roosevelt, que também fica na região, a placa da entrada da unidade de conservação é crivada de balas. Os invasores constroem barricadas com chapas de aço e derrubam árvores no caminho para impedir o avanço da fiscalização.
- Muitos invasores põem fogo no que resta de mata e preparam a área para pastagem e usufruto do território alegando propriedade privada - afirma James Steiner, chefe de operações da Delegacia de Meio Ambiente de Mato Grosso.
O desmatamento acontece na área chamada "Arco do Desmatamento", conhecida internacionalmente pela presença intensa de madeireiras e grandes fazendas de criação de gado.
- A devastação ambiental na Unidade de Conservação Reserva Extrativista Guariba Roosevelt se consolida na mesma proporção da omissão estatal no enfrentamento de ações efetivas de combate aos crimes ambientais na região de Colniza - afirma o Tenente Coronel Querubino Soares Neto , que atua na Coordenadoria de Unidades de Conservação da Secretaria de Meio Ambiente.
Criada em 1996 por meio de decreto, a área da Resex é uma das mais antigas reservas extrativistas da Amazônia. Além da Resex, outras três unidades de conservação compõem o bioma local: Estação Ecológica Rio Roosevelt, Estação Ecológica Rio Madeirinha e Parque Estadual Tucumã. A área da Resex, assim como as demais unidades, pertence ao domínio do poder público, com uso concedido exclusivo às populações extrativistas tradicionais.
De acordo com o regulamento do decreto e o Plano de Manejo da área, fica proibida a prática da caça amadorística ou profissional, apenas para a subsistência dos cerca de 400 ribeirinhos que moram dentro da reserva. A exploração comercial de recursos madeireiros é limitada em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na reserva, conforme o disposto em regulamento e no seu Plano de Manejo.
5 milhões de árvores
Coordenador do Programa de Monitoramento do Instituto Socioambietal (ISA), Antonio Oviedo faz uma comparação entre os índices de desmatamento antes e depois de o presidente Jair Bolsonaro assumir a Presidência. Os ribeirinhos veem relação direta do discurso do presidente e o aumento das invasões.
- Durante o atual governo de Jair Bolsonaro (2019 a 2021), o desmatamento na Resex Guariba Roosevelt aumentou 124% em comparação com a média dos três anos anteriores (2016 a 2018), evidenciando o desmonte que os órgãos responsáveis pela fiscalização e gestão das unidades de conservação vem sofrendo - diz Oviedo, que vê com preocupação o avanço da destruição na área de indígenas isolados
- Toda essa destruição já consumiu mais de 5 milhões de árvores. E essa atividade ilegal, realizada na Resex Guariba-Roosevelt, serve de porta de entrada para invasões e desmatamentos em uma Terra Indígena vizinha, Kawahiva do Rio Pardo, com presença de grupos isolados. O sistema de monitoramento independente do Instituto Socioambiental já detectou nos últimos meses 1.006, 5 hectares desmatados nos limites muito próximos à TI - afirma.
Para o indigenista Leonardo dos Santos Lenin, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi),
- O desmatamento crescente na Resex, se continuar na velocidade que está, irá passar para a região da terra indígena Kawahiva do Rio pardo. Este processo de degradação ilegal é um dos principais vetores de ameaça aos isolados. Uma vez que estes índios vivem de caça, coleta e pesca e necessitam de um ambiente intacto e sadio. Qualquer mudança no seu ambiente cria situações de risco a estes povos que precisaram abandonar locais de uso. Isso afeta na saúde e na segurança, uma vez que estes invasores levam doenças para a região que podem acabar por exterminar toda uma etnia - afirma Lenin.
O Globo, 18/12/2021, Brasil, p. 12
https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/invasores-desmatam-reserva-com-ultimos-remanescentes-continuos-de-floresta-em-mato-grosso-ameacam-servidores-1-25324504
Amazônia:Desmatamento
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Guariba-Roosevelt
- TI Kawahiva do Rio Pardo
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