'Somos os guardiões do nosso Pantanal': primeiras a chegar, brigadas voluntárias reforçam o combate aos incêndios
Equipes são compostas por moradores de cidades, comunidades indígenas e ribeirinhos, que sofreram com os traumas de 2020, ano em que um terço do bioma foi consumido pelas chamas
Lucas Altino
27/06/2024
Além do Corpo de Bombeiros e de equipes profissionais para combate a incêndios, o Pantanal conta com brigadas comunitárias voluntárias no enfrentamento aos focos de calor, que bateram recorde no primeiro semestre do ano. São moradores de cidades, comunidade indígenas e ribeirinhos, que sofreram com os traumas de 2020, ano em que um terço do bioma foi consumido pelo fogo, e que desde então se capacitaram para atuarem na linha de frente.
Os brigadistas voluntários são normalmente os primeiros a chegar nos incêndios, o que acelera o trabalho de resposta. Eles também orientam agricultores e produtores que realizam queimadas para limpeza de pastagens, a fim de evitar o espalhamento do fogo. O número de brigadas aumentou depois de 2020 e a maioria foi formada com apoio do Ibama e do ONG Ecoa - Ecologia Ação, que atua há 23 anos no Pantanal. Além dos cursos, houve entrega dos equipamentos necessários: bombas, mangueiras abafadores, assopradores, enxadas e Equipamentos de Proteção Individual (EPI). A maior dificuldade, dizem os brigadistas, é ter acesso a barcos e caminhonetes.
Em 2020, quase 60% da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía Negra, em Ladário (MS), foi devastada pelo fogo, impactando as 28 famílias que vivem na comunidade ribeirinha, dependentes da agricultura e da pesca. Depois da tragédia, Virginia Paes, presidente da Associação de Mulheres da APA, decidiu pedir apoio para a criação de uma brigada comunitária, que hoje conta com 12 moradores treinados, a maioria mulher (7).
-- Hoje somos os guardiões do nosso Pantanal. Somos os primeiros a chegar no foco do incêndio, identificar local, enviar foto, descrever a extensão do fogo. Se a gente não conseguir combater com a estrutura que temos, acionamos os Bombeiros ou o PrevFogo, do Ibama - explica Paes, que, apesar de celebrar o almoxarifado cheio, lamenta a falta de um barco. - Quando a gente não consegue chegar por terra, tentamos pegar barco emprestado. Porque muitas vezes o fogo é do outro lado do rio (Rio Paraguai)
O ano de 2020 foi "desesperador", afirma a líder comunitária, e os efeitos são sentidos até hoje. Com o fogo e o desmatamento no Pantanal, ela conta que muitas onças, afugentadas, apareceram na área da comunidade. Com isso, moradores precisaram realizar treinamentos para aprenderem a lidar com o animal.
Agora, os moradores esperam que a mesma tragédia não se repita nos próximos meses. Além das ações emergenciais, os brigadistas atuam com medidas preventivas, na educação ambiental e com agro reflorestamento. Na semana passada, o fogo não chegou até a APA, mas o incêndio exigiu noites em claro, com brigadistas de plantão, monitorando se a comunidade seria afetada.
- Passamos dias e noites, de terror. O fogo estava do outro lado do rio, mas a gente sabe que o vento pode trazer para cá. Então ficamos acordados, monitorando, e passando informação às autoridades. Nossa base também deu apoio ao pessoal da Marinha, que atuou em Corumbá. A gente sabe que quando eles entram, não tem hora para voltar, e dependendo do caso, a gente acompanha - explica Paes, que diz que, mesmo com o fogo ainda distante, os impactos já são sentidos. - Estamos sofrendo bastante com fumaça, há muitas crianças com tosse. E na estrada já dá para ver muito animal queimado, é de cortar o coração.
Como mostrou O GLOBO, o número de focos de calor no Pantanal desde o início do ano até o dia 25 de junho é um recorde na série histórica do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que começou em 1988. Os 3.372 focos registrados nesse semestre são um número 33% maior que o do mesmo período em 2020.
- Não esperávamos essa estiagem tão cedo. É assustador ver esse clima mudado, a gente fica até sem saber o que vem mais pela frente, o que nos aguarda. Por isso precisamos nos precaver mais. O número de brigadas comunitárias aumentou depois de 2020, mas as autoridades também precisam dar uma atenção maior ao Pantanal - afirma Virginia Paes.
Alvino de Souza, chefe da brigada comunitária da Aldeia Brejão, na Terra Indígena Nioaque (MS), também diz que nunca viu um mês de junho tão seco no Pantanal. Tradicionalmente, o auge da seca é em agosto e setembro. A brigada comunitária da aldeia foi criada em 2019, mas o número de brigadistas mais que dobrou depois de 2020. Hoje são 16 moradores treinados.
- Dentro da aldeia ainda tem mata, mas em volta foi desmatado tudo, principalmente por causa da soja e do milho. Somos os últimos guardiões - afirmou Souza.
Com o desmatamento intenso, o líder comunitário diz que muitos bichos se abrigaram no entorno da comunidade. Além da onça-pintada, os moradores também convivem com lobo-guará, anta, gato-do-mato e macacos. O principal problema é que eles comem as plantações e até as galinhas criadas na aldeia.
- Agora tem que fazer cerca especial, fechar tudo, para plantar horta - explica Souza.
Até hoje tem muita árvore morta, diz Alvino de Souza, o que exigiu ações de replantio. Ele conta ainda que as campanhas de conscientização vêm funcionando e a brigada hoje é chamada para acompanhar queimadas prescritas, para que os aceiros sejam devidamente realizados.
- Nosso capim está muito seco e está ventando muito, então temos que ter muito cuidado. Se o fogo sair de controle, é difícil apagar. Estamos fazendo preventivos para não pegar fogo mais, orientando - diz o líder da brigada, que cita a necessidade de um carro ou caminhão para os trabalhos.
O aumento de brigadas comunitárias vem no momento em que governo federal e ONGs discutem a criação de uma Estratégia Federal de Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo (MIF), cuja regulamentação deve ser publicada em agosto. Desde o ano passado, o projeto Voluntariado no Manejo Integrado do Fogo vem realizando encontros e cursos de capacitação em todo o país. O Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), que executa o programa, sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente, identificou 198 brigadas comunitárias no país - 53 no Centro-Oeste.
- A gente vive em um país de dimensões continentais em que o poder público, por mais que possa estar bem estruturado, não consegue atender e gerir de forma robusta todo esse território. Por isso o papel da sociedade civil, integrada à atuação do poder público, é tão importante - explica Fernando Rodovalho, especialista do IPÊ.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2024/06/27/somos-os-guardioes-do-nosso-pantanal-primeiras-a-chegar-brigadas-voluntarias-reforcam-o-combate-aos-incendios.ghtml
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