OESP, Vida, p. A18 - 30/06/2006
Nas folhas, um mundo de bactérias
Árvores da mata atlântica podem abrigar milhões de espécies desconhecidas de microrganismos, diz estudo
Herton Escobar
Pense nisso da próxima vez que fizer uma trilha pela mata atlântica: somente nas folhas das árvores podem existir até 13 milhões de espécies desconhecidas de bactérias. Emaranhadas em uma infinidade de fungos e outros microrganismos, elas formam um manto de vida microscópica sobre a já exuberante e super diversa paisagem verde da floresta.
A estimativa vem de um estudo realizado por pesquisadores brasileiros que inventariaram a biodiversidade de bactérias da filosfera - o ecossistema formado pela superfície das folhas. A pesquisa foi focada em três espécies de árvores: catuaba, catiguá-vermelho e gabiroba. Amostras da comunidade microbiana das folhas de cada uma foram coletadas e "peneiradas" geneticamente para estimar o número de espécies de bactérias presentes.
Os resultados variaram de 95 a 671 espécies por amostra, com apenas 0,5% de semelhança entre os três tipos de árvores. "Para nossa surpresa, observamos que cada planta abrigava uma comunidade completamente diferente de bactérias", conta o pesquisador Marcio Lambais, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba.
Além disso, quase todas as bactérias coletadas (97%) eram de espécies ainda não catalogadas pela ciência. Se os resultados das três espécies de árvores forem extrapolados para as 20 mil espécies de plantas superiores que ocorrem na mata atlântica, isso significaria que há entre 2 milhões e 13 milhões de espécies desconhecidas de bactérias espalhadas pelo bioma - apenas na superfície das folhas.
"Temos que preservar isso de alguma forma", afirma Lambais. Além do alto potencial biotecnológico para a descoberta de novas moléculas, as bactérias e outros microrganismos têm um papel ecológico crucial dentro da floresta. Não estão "sentadas" na superfície das folhas por acaso.
Os pesquisadores querem entender, por exemplo, como esses micróbios da filosfera contribuem para a troca de gases do efeito estufa pelas folhas, para o processamento de nutrientes e para a própria sobrevivência dos vegetais. "Na agricultura, é sabido que a alteração da composição de bactérias da flora pode favorecer o desenvolvimento de organismos patogênicos. Na floresta, essas relações também ocorrem, certamente", afirma Lambais. "As bactérias estão interagindo intimamente com as plantas para garantir sua sobrevivência no ambiente."
As amostras foram coletadas na Estação Ecológica de Catetus, próximo de Assis, no interior paulista. A pesquisa faz parte do Programa Biota da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e deverá ser repetida em outras áreas de mata atlântica do interior e da região costeira, como nos Parques Estaduais Carlos Botelho e da Ilha do Cardoso.
A contagem dos micróbios é feita a partir do gene 16S, um segmento de DNA que só existe nas bactérias e cuja seqüência é específica para cada espécie. Dessa forma, a variedade de seqüências de 16S encontrada dentro de uma amostra pode ser considerada equivalente ao número de espécies de bactérias - como se cada uma tivesse deixado o seu cartão de visitas genético dentro de uma jarra.
A pesquisa está na edição de hoje da revista Science.
OESP, 30/06/2006, Vida, p. A18
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